II. ASPECTOS INTERNACIONAIS DO TRANSPORTE
Uma das tantas consequências da Revolução Industrial foi o aumento das relações entre os países, e com o aumento dessas relações o domínio do transporte também se viu modificado.
A sociedade começa a identificar as mesmas características ou pelo menos características similares no campo transportista, similaridades estas que se verificam por exemplo, no controle estatal que embora em alguns países ocorre com muito mais relevância que em outros sempre se apresentam como um ponto comum. Dentre estas semelhanças podemos evidenciar a existência de um contrato como forma de instrumentalização do mesmo, seja este um contrato civil ou mercantil. Assim, observa-se a influência da realidade física sobre particularidades que trazem consequências diretas no ordenamento jurídico, evidenciando a necessidade do desenvolvimento de um ordenamento jurídico internacional.
A análise dos chamados aspectos internacionais do contrato de transporte pode ser desenvolvida sob dois prismas bastantes interrelacionados entre si, e que abordaremos ponto seguido.
O primeiro é o fenômeno da globalização, que trás como consequência aparente uma reestruturação jurídica daqueles Estados que se organizam em blocos, abordaremos a União Européia e o Mercosul em razão da semelhança existente no desenvolvimento dos mesmos.
O segundo prisma se dirige à consequência e necessidade de transposição de sistemas internacionais ao ordenamento interno e vice-versa. Assim, passamos a análise dos mesmos.
GLOBALIZAÇÃO
Entendida como um fenômeno capitalista bastante complexo e sobre o qual se discute a origem de seu desenvolvimento, pois para alguns, se desenvolveu a partir da revolução industrial, enquanto que para muitos economistas é resultado do pós segunda guerra e ainda para outros tem origem na acentuação do mercado financeiro, enfim, apesar das diferenças quanto a origem do fenômeno globalização há um certo consenso de que o mesmo trás características (1) que ensejam uma maior interferência estatal, principalmente pela expansão e o aumento das complexidades das relações contratuais no comercio exterior. Essa globalização, oferecendo consequências diretas na vida social, enseja mudanças nos mais variados setores, destacando-se no mundo jurídico como elemento de garantia de ordem social.
Nesse sentido se expressa com maestria o professor OLNEY Queiroz Assis quando diz que (2): "por esse motivo o ordenamento jurídico adquire ainda mais, a função de instrumento de gestão e planejamento, cuja finalidade básica consiste em viabilizar o crescimento da atividade econômica e evitar práticas desleais no comércio internacional, garantindo ao empresário as expectativas de lucro. Para a consecução desse fim utilitário, o Estado dispõe de instrumentos jurídicos que lhe possibilita intervir no comércio exterior, especialmente por intermédio da legislação.
A produção ininterrupta de instrumentos jurídicos (tratados, emendas constitucionais, leis complementares e ordinárias, decretos, deliberações, portarias, instruções, atos normativos etc.) provoca a expansão do ordenamento jurídico e acelera o processo de mudança nos seus conteúdos.
Com isso, amplia-se o universo de possibilidades e alternativas, uma vez que um número maior de relações contratuais no comércio exterior se torna juridicamente possível. Esse fenômeno, entretanto, gera incertezas e inseguranças que, na maioria das vezes, não são devidamente neutralizadas pelo emaranhado de instrumentos jurídicos emanados dos órgãos estatais. Além disso, a presença ostensiva do Estado por meio de dezenas de órgãos fiscalizadores e burocráticos gera mais inseguranças e incertezas em virtude de suas competências sancionadoras e repressivas".
Diante da análise do respeitado professor, identificamos que a vocação internacionacional do contrato de transporte é inequívoca e acentuada está a necessidade de integração do ordenamento jurídico, não podendo o mesmo apresentar-se como um obstáculo. Inquestionável também a importância e necessidade da intervenção estatal, todavia com o devido cuidado em evitar a multiplicidade de normas do setor e de órgãos administrativos com competência sobre o assunto.
Essas questões foram abordadas com significativa atenção pelo chamado Direito Comunitário Europeu, ou seja o direito da União Europeia (EU), diretamente emanada de seus órgãos legislativos próprios, compondo um organismo supranacional que paulatinamente vai evoluindo e organizando-se.
Por outro lado, o MERCOSUL (Mercado Comum Do Sul), apesar de enfrentar dificuldades no tocante ao desenvolvimento de uma política comunitária, também prestou atenção ao tema, ainda que de forma parcial. Por esta é a razão ato seguido abordaremos essas duas temáticas.
A abordagem que será abaixo realizada se refere ao Direito comunitário europeu e ao direito do Mercosul por entendermos que os dois sistemas apesar de representar realidades sociais, económicas, geográficas e políticas muito diferentes, também apresentam grades semelhanças no processo de desenvolvimento e avanço comunitário, observados e respeitados claramente as características distintas dos dois blocos citados anteriormente, passamos a abordagem dessas duas temáticas.
Direito Comunitário Europeu
Um dos principais objetivos do Mercado Comum é a livre circulação de pessoas e mercadorias, desde o princípio de sua instrumentalização esse objetivo se deparou com o primeiro obstáculo, quando se identifica que não havia na Europa, um sistema integrado de transporte, termo bastante citado pela doutrina e que alcança um alto grau de importância.
Abordar o tema, significou naquele momento, a tomada de consciência de que as decisões dos governos dos países europeus mais avançados económica e culturalmente deveriam ser conhecidos e debatidos, compreendeu-se naquele momento, que contavam com uma significativa variedade de regimes jurídicos e administrativos com diferenças gritantes.
Apesar das grandes diferenças estudos demonstram (3) que duas fortes tendências se mostravam evidentes: Uma tendência altamente intervencionista, onde o Estado com mãos fortes controlava e ditava as regras e uma segunda tendência que não poderia ser identificada como Liberal, mas que se apresentava com um grau de intervencionismo estatal bastaste resumido se comparado com a primeira. Com a identificação dessas duas tendências inicia-se naquela época em que pode ser entendida como período que antecede a União Europeia, o enfrentamento a tais problemas.
Em 1955 acontece a Conferencia de Mesina, o Comité Intergovernamental criado na ocasião manifesta a realidade existente e a preocupação pela busca de uma harmonização (4).
Os debates sobre o tema posicionam a politica de Transportes como uma das primeiras políticas da Comunidade Europeia. Com a entrada em vigor do tratado de Roma em primeiro de Janeiro do ano de 1958 se evidenciou que a livre circulação de bens e pessoas dependeria da eliminação dos obstáculos e da fronteira entre os Estados.
A busca pela incrementação de uma política comunitária europeia exterioriza de forma veemente o caráter internacional do contrato de transporte e a metodologia e génese das chamadas normas e diretrizes comunitárias levam a formação e de uma fonte internacional. Tal posicionamento obedece a uma tendência que a doutrina denomina de adoçao das chamadas Convenções de Unificação, que contendo normas de Direito Internacional Privado material, se identificam como normas orientadoras de conduta, com a finalidade precípua de serem aplicadas em situações plurilocalizadas internacionais em vez de se elaborarem leis Uniformes. Obedecendo a uma metodologia voltada para a paulatina unificação e embasada no princípio da não-transconexao (5), objetivando a continuidade e segurança da vida jurídica internacional. Assim, ao analisar as relações contratuais internacionais de transporte, envolvendo vários e distintos ordenamentos o elemento de conexão é ponto limitante para a prevalência da segurança jurídica.
A adoção das convenções de unificação, em muitos países nem sempre são impulsionadas por organizações governamentais, muitas das vezes são protagonizadas por organizações não governamentais associações internacionais ou pelo menos com forte colaboração das mesmas.
De todas maneiras, diante do caráter internacional já mencionado está claro que a integração dos meios de transporte é essencial para a modernização, eficiência e desenvolvimento de uma política internacional coerente.
Importante se faz a citação ainda que de forma meramente informativa e parcial do rango legislativo comunitário sobre o transporte, incluindo nessa listagem algumas que antecedem a entrada em vigor do tratado de Roma, mas que são indispensáveis ao entendimento do processo de legislativo em tela, uma vez que manifestam os pontos de interesse que preocupam de forma especial a normativa Comunitária:
Regras de Haia – Visby – Lei de Transporte Marítimo de 1949, que incorpora o convénio de Bruxelas de 1924.
Os protocolos de Bruxelas de 1968 (Substituído pelo regulamento CE 44/2001 que entrou em vigor em 1 de Março de 2002) e de Londres de 1979 – As regras de Haia sofreram algumas modificações: A primeira através do protocolo de Bruxelas de 1968, que afetou as regras de responsabilidade do porteador e seu âmbito de aplicação. Outra modificação através do protocolo de Londres de 1979 relacionada a limite de responsabilidades, substituindo o padrão ouro por uma moeda de conta e direito especial de giro.
Regras de Hamburgo de 1978 – Não foi ratificado por vários Estados, contem regras de responsabilidade distintas das de Haia-Visby, que há causado varias discordâncias motivo pelas quais muitos países não aderiram.
Regulamento (CEE) nº. 295/91 De 4 de Fevereiro-Estabelecendo normas comuns relativas a um sistema de compensação por denegação de embarque no transporte aéreo.
Regulamento (CEE) Nº. 2027/97 sobre a responsabilidade das companhias aéreas em caso de acidente – modificado pelo Regulamento (CE) Nº. 889/2002 que vem adaptar dita norma ao Convenio de Montreal de 1999.
Convénio de Varsóvia – Para a Unificação de certas regras relativas ao Transporte Aéreo Internacional, datado de 12 de Outubro de 1929, complementado pelo protocolo de Haia e pelos protocolos de Montreal números 1,2,3 e 4 de 25 de Setembro de 1975.
O Convénio de Montreal de 22 de Maio de 1999- foi aprovado por decisão do Conselho da União Europeia trata de certas regras relativas a transporte aéreo Internacional, firmado em Varsóvia de 5 de Abril de 2001 para o âmbito de toda a CEE.
Regulamento (CEE) Nº. 889/2002 do Parlamento Europeu e do Conselho de 13 de Maio de 2002 - pelo qual se modifica o Regulamento (CEE) nº. 2027/97 Do Conselho sobre a responsabilidade das companhias aéreas em caso de acidente.
Convénio das Nações Unidas sobre Transporte Internacional multimodal de mercadorias - aprovado em Genebra em 23 de Maio de 1980.
Diante da diversidade legislativa que envolve o setor transportista em âmbito comunitário, bem como observando o processo construtivo e paulatino de uma política comunitária que considere de forma aprofundada os aspectos peculiares dessa modalidade de atividade indicados pelo Tratado de Roma, conclui-se a necessidade de incentivo e aprofundamento do debate jurídico e acadêmico.
Ao contrário da União Europeia, o Mercosul não dedicou ao tema transporte toda a atenção merecida, mesmo assim, naqueles momentos iniciais de organização, começa a tratar do tema ainda que de maneira parcial como identificaremos a seguir.
O Mercosul possui um grande potencial económico, este aspecto por si mesmo justifica a necessidade de uma profunda discussão e elaboração de uma política comunitária que considere o setor transportista como ponto-chave para a integração e o desenvolvimento do mesmo.
Verificamos que já no Tratado de Assunção em seu artigo 1º está previsto a coordenação de políticas setoriais de transporte. No anexo V, estipula-se a constituição de dois dos 11 subgrupos especializados. O subgrupo nº 5 com o tema transporte terrestre e o subgrupo nº 6 com o tema transporte marítimo, todavia nota-se que o Tratado de Assunção esqueceu de temas de grande importância e o tratamento dado é parcial, pois setores tão importantes como o transporte aéreo e o transporte por estradas de ferro ficaram de fora do debate.
Em 1992, é determinado que o grupo SGT 6, passe a inserir como ponto de pauta o transporte fluvial, quando finalmente, verifica-se que pontos tão importantes como a navegação fluvial tão bem representada pela bacia do prata (6) como de vital importância para a integração do Mercado Comum do Sul.
O transporte aéreo só passa a ser considerado em 1996, quando se deu a 11ª reunião do Conselho do Mercado Comum em Fortaleza, onde foi assinado o acordo sobre Serviço Aéreo Sub-regional entre os países partes e associados, indicando que a construção de um ordenamento jurídico comunitário avança lentamente.
Citaremos de forma informativa alguns acordos relativos a transporte que envolvem as relações entre estados-parte do mercosul:
1. Acordo sobre transporte multimodal internacional entre os estados partes do Mercosul (MERCOSUL/CMC/DEC Nº 15/94)
2. Acordo sobre jurisdição em matéria de Contrato de transporte internacional de carga entre os Estados Partes do Mercosul. (MERCOSUL/CMC/DEC.11/02)
3. Acordo sobre jurisdição e matéria de contrato de transporte internacional de carga entre os estados partes do mesrcosul e a Republica da Bolívia e a Republica do Chile.
4. MERCOSUL /CMC/DEC. Nº. 05/93: Acordo para a aplicação dos controles integrados na fronteira entre os países do Mercosul denominado Acordo de Recife.
Diante dessa breve citação de alguns aspectos da política comunitária, tanto na UE, como no MERCOSUL, o caráter internacional do contrato de transporte evidencia que apesar de complexo é também viável e necessário, não permitindo um estacionamento de atitudes, ao contrário urge a necessidade de busca coletiva de uma política integrada, um ordenamento jurídico internacional sólido capaz de oferecer a segurança jurídica que o setor merece.
A transposição dos sistemas supranacionais aos sistemas internos obedece ao intento da homogeneização, precedidas pela fase denominada harmonização, conseguida na União Europeia pelo instrumento das Directivas.
NECESSÁRIA TRANSPOSIÇÃO DE SISTEMAS INTERNACIONAIS AO ORDENAMENTO INTERNO E VICE-VERSA.
Assim o enfoque as normas de fonte internacional terá dimensão significativa para a realização de qualquer estudo sobre o tema, bem como as doutrinas e jurisprudências dos Estados especificamente.
Notadamente pela análise da jurisprudência brasileira, que será posteriormente abordada se percebe uma certa resistência a aplicação dos tratados e convenções internacionais, situação que também ocorre em realidades de outros países como abordaremos em outro momento. A recente regulamentação dessa modalidade de contrato pelo Código Civil Brasileiro demonstra uma preocupação do legislador com o tema, a partir de agora e pela crescente demanda econômica que permeia o assunto se abre o debate para a construção da jurisprudência relativa ao tema.
É impossível passar por cima dos passos dados pela internacionalização, as necessidades comerciais, consumeristas, cada vez mais exigem soluções rápidas e valendo-se de princípios que possam garantir a segurança jurídica, e porque não dizer uma segurança que ultrapassa fronteiras, as regras de conduta irredutivelmente se valem de transposições externas.
Tanto no Direito da União Europeia como no Direito do Mercosul, a formação do Direito Comunitário obedece a uma metodologia voltada para a uniformização-homogeinizaçao, ainda de que de forma paulatina.
Abordaremos um pequeno resumo da forma de transposição dos sistemas internacionais no Direito da UE e no Direito do Mercosul: O direito da UE, adota a Directiva como um instrumento de harmonização jurídica, que determina a obrigação dos Estados em conseguir a finalidade proposta por um Tratado ou uma Convenção, porém dando ao Estado membro um tempo para esse objetivo e oferecendo-lhe a liberdade de escolher a técnica para a efetiva regulamentação. Hierarquicamente está o Direito da UE assim disposto:
1.DIREITO PRIMÁRIO: Deriva de acordos negociados pelos governos dos Estados, são os acordos que serão ratificados pelos parlamentos nacionais. Convém salientar que os Tratados da UE, foram revisados em vários momentos.
2.DIREITO DERIVADO: Baseia-se nos tratados, diz respeito aos procedimentos e suas disposições, ditando as formas que o direito comunitário deve adotar que resumidamente são os seguintes: A. Os regulamentos – Devem ser aplicados diretamente. B. As diretivas – que como falado no texto do artigo é o instrumento de harmonização, devendo-se ser incorporadas aos distintos ordenamentos jurídicos nacionais, harmonizando os procedimentos de cada Estado, quando se fala em harmonizando, que fique claro que o sistema interno deve adequar-se, se for necessário modificando-se, dentro de uma sequência paulatina. C. As decisões – obrigatórias em todos os seus elementos, devendo ser executadas diretamente, podendo estar dirigidas a um ou mais Estados, a empresas ou particulares. D. Recomendações e Ditames – que não são vinculantes. 3.JURISPRUDÊNCIA: compostas pelas sentenças do Tribunal de Justiça das comunidades europeias e do Tribunal de Primeira instância.
De forma semelhante, mas com várias particularidades está organizado o Direito do Mercosul, tem como base:
1.DIREITO ORIGINÁRIO: que corresponde aos tratados constitutivos, seus anexos e modificações. Logo depois, encontramos os acordos celebrados com terceiros países, ou entre os Estados-membros do Mercosul.
2.DIREITO DERIVADO: ou secundário que está dividido em dois a saber: A. Atos Típicos – que são as decisões do conselho, as resoluções do grupo e as diretrizes e propostas da comissão de Comércio, conforme art. 41,III, do Protocolo de Ouro Preto. B. Atos Atípicos – não estão enumerados no artigo 41 do Protocolo de Ouro Preto e são também chamados de atos internos. Convém salientar que as normas de direito derivadas não podem contradizer o direito originário e as decisões do Conselho prevalecem sobre as resoluções do Grupo e essas sobre as diretrizes da Comissão de Comércio. Obedece a uma metodologia voltada para a uniformização-homogenizaçao, ainda de que de forma paulatina.
Como dito anteriormente as semelhanças e dissemelhanças existentes no processo de formação jurídico-comunitário dos dois blocos enfatizam a importância de estudos comparados sobre o tema.