INTRODUÇÃO

Na cosmovisão holística tudo se interliga, inter-relaciona e interdepende, pois é uma concepção sistêmica de vida. [...] Nesse conceito de Totalidade como ‘maior’ que a simples soma das partes, onde as inter-relações na interdependência formam um constante processo de interação, está a verdade que somos um ‘todo’, e que o Planeta é um ser vivo, a grande Mãe Terra (Viesser, 1994, p. 35-6).

Esta pesquisa foi gestada ao longo dos quase sete anos como dirigente sindical do Sintego, em especial a partir de 1999, quando tive contato com a pesquisa da CNTE sobre a saúde do trabalhador. Tive o privilégio de verificar in locu, no estado de Goiás, em alguns municípios visitados como dirigente sindical, que nós, trabalhadoras em educação (1), estamos doentes e não sabemos. Temos uma doença profissional denominada síndrome de burnout, e muitas de nós não têm consciência disso. A depressão eu já conhecia antes de 1999, mas ela só chamou minha atenção no meio da categoria, a partir da divulgação da pesquisa da CNTE.

A busca da saúde na religião já é algo mais antigo, vem desde os meus tempos de São Paulo, da minha infância à juventude, pela convivência com minha avó e minha mãe, mulheres extremamente religiosas, benzedeiras, rezadeiras, conhecedoras das ervas do mato, devotas dos santos da Igreja Católica e dos guias e dos orixás das religiões afro-brasileiras, e, também, da minha formação católica recebida dos 14 aos 28 anos. Já a relação da busca da saúde na religião pelas trabalhadoras em educação deu-se a partir de 2000, ao observar os comentários sobre tratamento espiritual buscado pelas pessoas que trabalham na educação. Em 2001, ao realizar tratamento espiritual e conhecer pessoas espíritas da área da educação, chamou-me a atenção o número de pessoas dessa área que estava realizando tratamento espiritual em grupos espíritas. Evidentemente, essa busca não se dá só no espiritismo, mas em diversas instituições religiosas, como pude observar em relatos de diversas experiências de outras pessoas da educação sobre o assunto. Porém, aqui, nessa pesquisa, estou privilegiando a busca de tratamento espiritual no espiritismo. Essa escolha aconteceu em 2002, quando eu estava decidindo sobre o assunto o qual eu elaboraria meu pré-projeto para concorrer ao mestrado. Chamou-me atenção na leitura dos textos sobre a saúde do trabalhador em educação a semelhança na descrição dos sintomas e das conseqüências da síndrome de burnout e dos casos de obsessão espiritual, conforme divulgado pela literatura espírita que eu vinha lendo desde 2001. Resolvi, então, pesquisar o tema obsessão espiritual, síndrome de burnout e de depressão, vinculando-o com a busca das pessoas que trabalham na educação por tratamento espiritual no espiritismo. No mestrado, fui orientada sobre a impossibilidade de realizar um estudo comparativo dessas três doenças. Assim, optei em continuar com a problematização inicial do pré-projeto, mas realizar um estudo fenomenológico (2), holístico (3) e qualitativo (4) da busca do tratamento espiritual no Espiritismo.

O objeto desta pesquisa busca compreender os motivos que têm levado as trabalhadoras em educação portadoras da síndrome de burnout e de depressão que atuam na educação pública no município de Goiânia a buscarem tratamento espiritual no Espiritismo. Em síntese, queremos pesquisar o impacto da profissão na saúde mental da trabalhadora em educação e a busca do restabelecimento da saúde por meio da terapêutica religiosa, em especial no tratamento espiritual proporcionado pelo Espiritismo.

A seguir, estão indicados, resumidamente, alguns dos principais motivos que nos levaram a pesquisar a tríade educação, saúde e religião:

     

  • Informações, leituras, vivências, relatos, observações e reflexões com base em pessoas que trabalham na educação pública e que estavam buscando ajuda ou tratamento para a síndrome de burnout e de depressão nos psiquiatras e psicoterapeutas nos livros de auto-ajuda e nas religiões, especialmente no espiritismo, com o tratamento espiritual (5) por meio de passes, água fluidificada e desobsessão (6).
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  • Pesquisas desenvolvidas no final da década de 1990 pela Confederação Nacional dos Trabalhadores em Educação (CNTE), em parceria com o Laboratório de Psicologia e Trabalho da Universidade Federal de Brasília (LPT/UnB) (7), sobre o impacto da profissão na saúde mental das trabalhadoras em educação diagnosticaram o alto índice da síndrome de burnout. Para Codo (1999), esse quadro indica um grave problema, o qual poderá levar à falência da educação. Esta doença, que afeta a saúde mental da trabalhadora em educação, forma um quadro de desalento, desmotivação, apatia, perda de energia, desistência e isolamento da sociedade, podendo culminar na depressão, exigindo tratamentos psiquiátricos, psicológicos e, até mesmo, licenças para tratamento de saúde.
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  • Levantamento realizado no Programa de Saúde no Serviço Público do Estado de Goiás constatou um aumento de licenças para tratamento de saúde por transtornos mentais no ano de 1999, com um total de 2.163 pessoas; no ano de 2000, um total de 2.496 pessoas; em 2001, 3.686 pessoas; no primeiro semestre de 2002, 3.001 pessoas. A maioria dessas licenças é concedida às trabalhadoras em educação (8). A educação pública no estado de Goiás conta, atualmente, com aproximadamente 54.273 professoras e 24.263 agentes administrativas educacionais (9), perfazendo um total de 78.786 trabalhadoras em educação (10). No município de Goiânia, 7.082 são aposentadas, 5.397, funcionárias e 11.832, professoras (11).
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  • Na rede municipal de educação de Goiânia, o número de licenças médicas das trabalhadoras em educação para tratamento de saúde por transtornos mentais de setembro a dezembro de 2002 foi de 170 e de janeiro a abril de 2003, foi de 120 (12). As trabalhadoras em educação da rede municipal representam um total de 10.895 pessoas (13), sendo que 5.926, professoras e 3.305, funcionárias administrativas educacionais (14).
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  • Dados da Organização Mundial de Saúde (OMS) indicam que, em 1999, 330 milhões de pessoas no mundo sofreram de depressão (15), conforme Pasquali e Tracco (2003, p. 12-4): "de cada 20 pessoas, três vão ter pelo menos um surto depressivo na vida [...] só no Brasil serão mais de 10 milhões de vítimas do mal".

Dessa forma, o nosso objetivo é investigar os motivos que têm levado trabalhadoras em educação portadoras da síndrome de burnout e de depressão que atuam na rede pública do município de Goiânia a buscarem tratamento espiritual no Espiritismo e oferecer subsídios para análises sobre a relação entre educação, saúde e religião, por intermédio da seguinte problematização: Que papel a religião desempenha na busca da saúde? Por que as trabalhadoras em educação buscam o Espiritismo como forma de tratamento da síndrome de burnout e de depressão? Na nossa hipótese, em busca de saúde, a religião desempenha o papel de oferecer conforto, respostas aos porquês das doenças e restabelecimento da vida simbólica e da nomia. As trabalhadoras em educação buscam no Espiritismo o tratamento espiritual da síndrome de burnout e de depressão pela crença no restabelecimento da vida simbólica e da nomia por meio da teodicéia explicativa oferecida na referida expressão religiosa.

Assim, a pesquisa é relevante, em primeiro lugar, pelo desafio aos profissionais da saúde, da educação e do poder público, pois há a necessidade de investigação e de análises acadêmicas sobre o enfoque abordado no objeto de pesquisa, na problematização e na hipótese; em segundo lugar, não podemos desconsiderar as teses desenvolvidas sobre a religião, nem desconhecer sua influência no restabelecimento da saúde e a visão do espiritismo de doença, cura e saúde.

A metodologia que estamos aplicando nesta pesquisa parte da visão das trabalhadoras em educação, pelo olhar das entrevistadas, das instituições que as representam ou dos diagnósticos e resultados de pesquisas que as retratam. Parte, também, da visão do espiritismo da terapêutica espiritual, dos transtornos na saúde mental e dos conceitos de doença, cura e saúde. O estudo se propõe ser fenomenológico, qualitativo (16) e holístico, numa perspectiva holográfica para oferecer subsídios à análise da relação entre educação, saúde e religião, conforme a citação de Canhadas (2001, p. 30; 45; 50):

A visão espírita, em geral, revela o fenômeno da cura espiritual, como fato ‘natural’ e não como algo ‘extraordinário’, tendo em vista a potencialidade do espírito, ainda não totalmente explorada pelos seres humanos. [...] é um fenômeno explicável e compreensível, que pode e deve ser estudado pela ciência, pela filosofia e pela religião. [...] A construção holística do saber não pode ser segmentada [...]. Acreditamos que aí estão o segredo e o fundamento da interconexidade inseparável tão falada pelos holistas. [...] A visão segmentária, isolando o mundo objetivo – matéria – do subjetivo – espírito – é insatisfatória, incompleta, vazia de conteúdo.

Acreditamos, por tudo que iremos demonstrar nesta dissertação, que as afirmações contidas na citação anterior são o holofote metodológico a indicar o caminho na subida da montanha que está sendo conhecida, mas que é, ao mesmo tempo, desconhecida, escura, perigosa, escorregadia, misteriosa, contraditória e mágica. Dessa forma, quando nos propusemos pesquisar esse tema, consideramos a oportunidade de uma nova abordagem de compreensão das conseqüências do trabalho na saúde e na profissão das trabalhadoras em educação. Com essa ferramenta de estudo do fenômeno religioso, esperamos contribuir para a continuidade do descortinar dos véus que ocultam o trabalho daqueles que fazem, também, a educação básica e pública no município de Goiânia, em Goiás e no Brasil.

No desenvolvimento da metodologia científica, fomos construindo passo a passo os métodos e as técnicas para escalarmos a montanha do conhecimento como uma analogia às fases que foram desenvolvidas na pesquisa. Em razão da complexidade da investigação científica, preparamos a bagagem e a bússola para essa escalada. E, com mochila e bússola prontas, esperamos não correr o risco de ficar sem água, comida, roupas ou os instrumentos corretos para tal empreitada, pois far-se-á necessário retornarmos dessa viagem e dividir o conhecimento adquirido, quem sabe colocar em prática algumas das experiências vivenciadas e, coletivamente, contribuir também para a tão desejada transformação social.

Nessa preparação, primeiramente, realizamos alguns levantamentos bibliográficos e leituras sobre a saúde, os papéis, as funções, as responsabilidades e as condições de trabalho da trabalhadora em educação; estresse, síndrome de burnout e depressão; espiritismo: histórico, doutrina, tratamento espiritual e transtornos mentais; religião e saúde; os conceitos de teodicéia, em Weber (2000) e Berger (1985), de nomia e anomia, em Berger (1985), e vida simbólica, em Jung (1997); e direcionamos as leituras bibliográficas das disciplinas realizadas no Mestrado, as que fundamentariam teoricamente, metodologicamente e/ou complementaria o estado da questão, para o enfoque da pesquisa.

A elaboração e aplicação de questionários e entrevistas, a participação e observação em tratamentos espirituais (17) e no Congresso Espírita Estadual de 2003 e 2004, bem como o levantamento de dados nas secretarias de educação, nos planos de saúde das trabalhadoras em educação, no Sindicato dos Trabalhadores em Educação de Goiás (Sintego) e na Federação Espírita do Estado de Goiás (Feego) são, também, exemplos de alguns dos passos que foram realizados neste período.

Apresentaremos, a seguir, o processo de elaboração do questionário da pesquisa de campo:

  • Elaboração do Questionário

a) As perguntas que compõem o questionário (Apêndice A) foram retiradas de outras pesquisas já realizadas por pesquisadores e parte delas foram reelaboradas a fim de que melhor respondessem ao objetivo de nossa pesquisa. O ponto de partida de nosso questionário foi a dissertação de Mestrado em Ciências da Religião da Pontifícia Universidade Católica de São Paulo (PUC-SP) de Cleide Martins Canhadas (1999, p. 207-10), por se tratar de instrumento já testado, com os resultados sobre o tratamento espiritual e o fenômeno da cura no espiritismo apresentados cientificamente.

b) Foram incluídas, também, algumas questões do diagnóstico das condições de trabalho da pesquisa Retrato da Escola 2 (18), elaborado pela Confederação Nacional dos Trabalhadores em Educação (CNTE) e pelo Laboratório de Psicologia e Trabalho (LPT/UnB), referentes ao perfil da trabalhadora em educação. Essas questões fizeram parte da primeira parte de nosso questionário.

c) Incluímos, também, questões sobre a avaliação do estresse, de acordo com a pesquisa elaborada pelo Centro Psicológico de Controle do Stress de São Paulo, e sobre a avaliação da tolerância, elaborada por Ana Maria Rossi e David Ralston, da Universidade de Oklahoma, EUA, ambas publicadas no artigo sobre o stress na, Revista Istoé (11 ago. 1999, p. 52). O objetivo da inclusão dessas questões foi o de diagnosticar o nível de estresse e de tolerância nas trabalhadoras em educação entrevistadas e evidenciar possíveis sinais que demonstrassem sintomas relacionados aos problemas de síndrome de burnout e de depressão.

d) Incluímos, ainda, questões relacionadas com a cosmovisão simbólica de Deus, nas quais se verificou a relação com a teodicéia espírita e a correlação com a busca de vida simbólica e da nomia pelo tratamento espiritual realizado.

Terminamos a elaboração do questionário com perguntas que tiveram como objetivo diagnosticar a opinião das entrevistadas sobre a saúde, o tempo de duração da doença, a distinção entre burnout e depressão, a busca de ajuda em caso de doença, se a religião ajuda também profissionalmente, a relação entre religião e saúde e sobre o tratamento na medicina oficial.

  • Aplicação do Questionário

O questionário foi aplicado a 62 pessoas, das quais 92% – correspondente a 57 pessoas – colocaram-se à disposição para aprofundar as questões e realizarmos a entrevista oral. A maioria identificou-se com o seu primeiro nome, algumas com o nome completo e telefones para contato; apenas quatro pessoas não se identificaram, e uma não respondeu.

Iniciamos a aplicação do questionário no dia 03 de outubro de 2003, sendo o último questionário aplicado no dia 05 de julho de 2004. No ano de 2003, aplicamos 16 questionários no mês de outubro, 7 no mês de novembro e 7 no mês de dezembro, e, em 2004, 2 em fevereiro, 1 em março, 1 em abril, 6 em maio, 18 em junho, 2 em julho, e 2 não foram respondidos a data e o horário. Utilizamos três formas para obter as respostas das trabalhadoras em educação: primeiramente, abordamos pessoas conhecidas que realizaram tratamento espiritual no espiritismo, e, destas, solicitamos indicações de outras pessoas que elas sabiam ter realizado também o tratamento e fomos ao seu encontro; segundo, deixamos o questionário nos grupos religiosos que autorizaram e se prontificaram em ajudar – Grupo Espírita Regeneração, Posto de Auxilio Espírita (PAE) e Casa de Passagem Boa Nova. Os grupos religiosos Grupo Espírita Regeneração, PAE e Irradiação Espírita Cristã foram consultados sobre a possibilidade de termos acesso aos pacientes da educação. Os grupos alegaram a impossibilidade em razão da discrição, da ética, da privacidade das pessoas e por ser aquele um local de tratamento, um hospital espiritual, onde não era permitido divulgar nenhuma informação sobre qualquer pessoa que ali buscasse o tratamento espiritual e nem expô-las. A presidenta do PAE colocou-se à disposição para repassar o questionário a algumas pessoas que sabia serem da educação e trabalhadora do grupo, assim como alguns parentes seus da educação, respeitando, logicamente, o livre arbítrio de cada uma em responder ou não; no Grupo Espírita Regeneração, houve o envolvimento de uma trabalhadora da Biblioteca contactada pela pesquisadora que se prontificou em deixar o questionário à vista dos freqüentadores daquele local, com um bilhete constando telefones, e em repassá-lo, também, para algumas trabalhadoras do grupo que sabia serem da educação e que realizaram tratamento; entrevistamos algumas dessas pessoas e outras que foram abordadas diretamente e identificaram-se como trabalhadoras da educação; e, por último, pessoas que responderam e se prontificaram em aplicar o questionário para colegas, sejam no local de trabalho ou em outros lugares. Algumas dessas pessoas não devolveram e nem aplicaram os questionários, apesar de terem realizado o tratamento, e justificaram em razão do esquecimento e da falta de tempo; outras, perderam o questionário, mas indicaram contatos onde poderia realizar a pesquisa e pediram desculpas; duas pessoas não entregaram o questionário, embora eu tivesse entrado em contato para buscá-los, uma delas pediu para outra pessoa atender o telefone e justificar a impossibilidade em entregar, apesar da insistência, e a outra esqueceu de aplicar quando foi abordada. Destes questionários, 41 foram aplicados diretamente por mim e 21 as entrevistadas responderam sozinhas.

O nosso objetivo ao aplicar o questionário não foi o de entrevistar uma grande quantidade de pessoas ou ter uma amostragem de quantas pessoas na educação buscaram ou buscam o tratamento espiritual no espiritismo, mas o de, com base nas respostas do questionário, identificar as pessoas cujo perfil correspondessem ao desejado para nossa investigação. Com a tabulação dos dados do questionário e a sistematização em forma de gráficos, tabelas e quadros, verificamos que o questionário não tinha somente o objetivo de identificar as pessoas para entrevista oral, mas tornou-se relevante fonte empírica. Com essa constatação, invertemos a lógica da metodologia apresentada no projeto de qualificação, no dia 17 de maio de 2004. Na dissertação, as respostas e a sistematização das questões foram objeto de análise e interpretação em primeiro lugar, e as entrevistas orais tornaram-se complementares para evidenciar a profissão, as conseqüências do trabalho nos problemas de saúde, a experiência religiosa e o tratamento espiritual.

Observamos, durante a aplicação do questionário, a facilidade das pessoas em responderem a primeira página e a dificuldade em responderem as páginas seguintes. Houve um entrevistado que comentou, ao final, que a primeira página foi mais fácil que as seguintes, que ele só respondeu porque já estava à vontade, mesmo porque, na sua opinião, as questões das páginas 2, 3 e 4 são muito íntimas; ele observou, ainda, a repetição das questões relativas à saúde mental, expostas de formas diferentes mas com o mesmo objetivo, parecendo uma teia de aranha. Queremos esclarecer que a teia foi proposital, a fim de conseguirmos identificar a opinião das pessoas. Constatei, no primeiro teste realizado com base no questionário de Canhadas (1999) com as pessoas conhecidas no grupo espírita Casa de Passagem Boa Nova (19), a dificuldade de identificar as pessoas do nosso objeto de pesquisa. Acompanhando o preenchimento das questões, observei o constrangimento expresso nos gestos faciais, nas perguntas e nos comentários que o grupo fez com referência à compreensão de algumas perguntas. O fato de conhecer as entrevistadas, sendo três da educação pública, facilitou-me a identificação das lacunas e a necessidade de elaborar outras questões mais específicas ou gerais, pegadinhas e até perguntas repetitivas, mas construídas de forma diferente, como as relacionadas à saúde e à religião.

Foram selecionadas sete pessoas, com base no questionário aplicado. Durante as entrevistas, segui um roteiro de temas (Apêndice B) com o objetivo de facilitar a coleta de dados, mas não de forma rigorosa, buscava deixar as pessoas à vontade e explorava um tema em detrimento de outros, conforme o transcorrer do diálogo com a entrevistada; algumas das entrevistadas ficaram mais à vontade com o gravador desligado, umas trouxeram diversas informações antes de começar a entrevista e outras foram muito espontâneas e naturais durante todo o processo da entrevista, detalhes que eram anotados em um diário de campo em forma de palavras-chave e breves comentários. Essas pessoas realizaram, também, o tratamento espiritual no espiritismo entre 1999 a 2004 e todas tiveram algum problema na sua saúde mental. O início do ano de 1999 corresponde à publicação e à divulgação da pesquisa nacional sobre a síndrome de burnout. Constatamos que 80% (50 pessoas) das entrevistadas não souberam o que é essa doença e 87%, não sabem se tiveram ou não a síndrome de burnout.

Das pessoas selecionadas, entrevistamos uma funcionária administrativa da rede municipal nascida em berço espírita com características que evidenciavam síndrome de burnout, e seis professoras, uma da rede estadual e municipal com diagnostico médico de estresse, estafa e depressão, as outras da rede municipal, sendo uma com depressão e síndrome do pânico desde 1999, estando desde 2003 readaptada em outro órgão; uma, com depressão, mas no período que foi entrevistada já estava atuando em sala de aula, depois de ter passado por licenças médicas; uma, com problema de depressão, mas escolheu realizar o tratamento espiritual por não se adaptar aos remédios; outra, com depressão, que já estava atuando na educação e tinha solicitado a sua transferência da escola que atuava no período da doença para trabalhar na educação infantil. Segundo esta entrevistada, foi a melhor coisa que fez, pois se sentiu valorizada e estimulada no trabalho; e, por último, uma professora que dispensou a licença médica recomendada para tratamento da depressão por ser diretora de escola.

Todas as entrevistadas evidenciaram nas suas histórias profissionais os sintomas da síndrome de burnout e concordaram em serem identificadas com seus nomes na pesquisa, somente uma conhecia, parcialmente, a doença. Em função de as depoentes terem relatado problemas graves, no meu entender – como discriminação, preconceito, piadinhas, deboches e falta de solidariedade – no período das doenças por questão de ética, decidi não identificar nenhuma entrevistada, somente a rede em que atuam e as funções que desempenham, utilizando codinomes para preservar as identidades delas, sejam nas respostas ao questionário ou na entrevista oral. Considerando o que foi dito anteriormente, optamos por apresentar no corpo do texto trechos selecionados das entrevistas orais, em forma de depoimentos, para evidenciar as experiências e vivências das pessoas. Os gráficos, tabelas e quadros, que foram os resultados do questionário de campo, serão apresentados em forma de apêndices e alguns, também no corpo do texto.

Foram realizadas entrevistas, também, com gestores públicos, profissionais da área de saúde e dirigentes espíritas e sindicais. Essas entrevistas não foram transcritas e nem utilizadas no corpo do texto, pois verifiquei que os dados empíricos do questionário, da entrevista oral e da bibliografia foram suficientes para os objetivos a serem alcançados, responder a problematização e na corroboração da hipótese. Esses dados serão utilizados em outras pesquisas científicas.

Seguimos, na elaboração da dissertação, o roteiro temático incluso no questionário: a) perfil pessoal e profissional das trabalhadoras em educação; b) a saúde das trabalhadoras em educação; c) experiência religiosa das trabalhadoras em educação; d) religião, saúde e ajuda profissional; e) a busca por tratamento espiritual no Espiritismo; f) a relação entre educação, saúde e religião; e interagimos também, no texto escrito, com a literatura consultada e com os conceitos de religião, nomia, anomia, vida simbólica, teodicéia, doença, cura e saúde. Os temas foram divididos em três capítulos: o primeiro, com o título Profissão Perigo!: retrato da saúde das trabalhadoras em educação, apresenta o perfil pessoal e profissional das trabalhadoras em educação e a sua saúde; o segundo, Religião e Saúde: uma busca de nomia e de vida simbólica para as trabalhadoras em educação, apresenta religião e saúde e experiência religiosa das trabalhadoras em educação e ajuda profissional; o terceiro, O Tratamento Espiritual no Espiritismo e a sua Teodicéia, apresenta a história, a teodicéia espírita, a busca de tratamento espiritual e a relação entre educação, saúde e educação.

Chegamos ao cume da montanha, contemplamos o horizonte e conseguimos descer dela, tiveram momentos que achávamos que não iríamos conseguir. Graças à nossa bússola e nossa mochila, escapamos das ciladas, das tentações, das quedas, cuidamos das feridas e as curamos e alimentamos a esperança da partilha. Já estamos interagindo em sociedade (20) pelo conhecimento apreendido e sistematizado aqui nessa dissertação, mas vamos continuar caminhando e escalando, quem sabe outras ou a mesma montanha do conhecimento!