CAPÍTULO III
As doenças fazem parte das provas e das vicissitudes da vida terrestre; elas são inerentes à imperfeição da nossa natureza material e à inferioridade do mundo que habitamos. [...] Se Deus não tivesse querido que os sofrimentos corporais fossem dissipados ou abrandados em certos casos, não teria colocado os meios curativos à nossa disposição. [...] Ao lado da medicação ordinária, elaborada pela Ciência, o Magnetismo nos fez conhecer o poder da ação fluídica; depois, o Espiritismo veio nos revelar uma outra força na ‘mediunidade curadora’ e a influência da prece (Kardec, 2003, p. 359-60).
Começaremos esse capítulo expondo, primeiramente, o conceito de teodicéia (33). Segundo Weber (2000, p. 351), a teodicéia é uma ação racionalizada, como as respostas das religiões, das suas concepções, das visões e das cosmovisões sobre Deus, pecado, salvação, injustiça, justiça, imperfeição do mundo, sofrimento, dor e morte: "o problema da teodicéia encontrou soluções diversas e estas estão numa relação muito íntima com a formação da concepção de deus e também com a das idéias de pecado e salvação".
Considerando as idéias que Weber (2000, p. 351) expressa para corroborar a sua tese, podemos encontrar vários exemplos de teodicéias, entre eles a escatologia messiânica "uma compensação futura neste mundo", compensação no além que libertará o indivíduo dos sofrimentos físicos, psíquicos, da falta de sentido na vida e dos problemas sociais; crença no sofrimento como castigo necessário para eliminação e expiação do pecado; dualismo: inferno e paraíso, crença nas forças do bem e do mal, que estão sempre em conflito; e doutrina do carma, reencarnação, busca de um sentido para a vida por meio de mudança ética e de comportamento durante as várias encarnações.
Conforme Weber (2000, p. 356),
Os diferentes matizes da concepção de Deus e do pecado encontraram-se numa conexão muito íntima com a busca de ‘salvação’, cuja substância pode mostrar tendências muito diversas, dependendo da circunstância ¿de que’ e ¿para que’ se deseja ser salvo.
Para Berger (1985, p. 70-1), a teodicéia é, ao mesmo tempo, a teoria e a prática de pólos continuum, racional/irracional, que responde à indagação de sentido e explica o significado do sofrimento ou da graça, da pobreza ou da riqueza, da anomia ou da nomia, que legitima ou deslegitima a ordem existente numa tentativa de responder ao problema da morte que está na base explicativa de qualquer religião:
Se uma teodicéia responde, de qualquer maneira, a essa indagação de sentido, serve a um objetivo de suma importância para o indivíduo que sofre, mesmo que não envolva uma promessa de que o resultado final dos seus sofrimentos é a felicidade neste mundo ou no outro [...]. Os ¿ganhos’ da teodicéia para a sociedade devem ser entendidos de um modo análogo aos que são proporcionados ao indivíduo. Coletividades inteiras adquirem a possibilidade de integrar eventos anômicos, agudos ou crônicos, no nomos estabelecido na sua sociedade.
Berger (1985, p. 66, 72) baseia-se em Weber (2000) para definir os tipos racionais da teodicéia: "Weber distingue quatro tipos racionais de teodicéia: a promessa de compensação neste mundo; a promessa de compensação num ‘além’; o dualismo; a doutrina do Karma" e, ainda, amplia a análise e a explicação do conceito weberiano dizendo que
é possível analisar tipos históricos de teodicéias num continuum de racionalidade-irracionalidade. Cada tipo representa uma postura específica, na teoria e na prática, vis-à-vis os fenômenos anômicos a serem legitimados ou nomizados.
Apresentaremos, a seguir, objetivamente, as análises de Berger sobre a teodicéia e alguns exemplos desses tipos racionais num continuum:
- o misticismo: definido como o desejo de união total com o divino, com o transcendente ou com as forças e seres sagrados;
- a promessa de compensação no além, o complexo karma-samsara: do sofrimento e da felicidade; as religiões orientais, como o budismo, são exemplo dessa teodicéia; o sofrimento e a injustiça são explicados pela sua nomização no futuro;
- o complexo messiânico-milenarista: relativiza o sofrimento ou a injustiça para o estabelecimento da nomia futura, promete compensação no outro mundo, reversão dos males numa vida além-túmulo; um exemplo foi o das religiões do antigo Egito e da China antiga, onde a teodicéia se baseava num após-vida, como estado de nomização;
- o dualismo: o mundo é uma arena de combate entre as forças do bem e do mal, ocasionando o reino da desordem, anomia; o espírito tem que retornar para o reino da luz para ter nomia; tendem a ser acósmica, ascética e a-histórica;
- o masoquismo: o indivíduo se reduz a um objeto, a uma auto-renúncia, a um auto-sofrimento, chegando em alguns casos ao sadismo, gerando uma antropodicéia em que o pecado humano é maior que a justiça divina, um dos exemplos é o Deus bíblico, a teodicéia bíblica. Berger (1985, p. 92) conclui afirmando:
discutidas acima, apenas para indicar, em linhas gerais, como o homem assume diferentes posturas existenciais e teóricas vis-à-vis os aspectos anômicos de sua experiência e como diferentes sistemas religiosos relacionam-se a essa tarefa da nomização.
Com o conceito de teodicéia em Weber (2000, p. 350-85), reinterpretado por Berger (1985, p. 65-92), esclareceremos os motivos que levaram os trabalhadores em educação a buscarem o espiritismo como forma de tratamento da síndrome de burnout e da depressão. Em outras palavras, as trabalhadoras em educação podem buscar sentido de vida simbólica e nomia na teodicéia fornecida pelo espiritismo visando a explicação das causas, dos porquês e das conseqüências da síndrome de burnout ou da depressão.
A teodicéia espírita é fundamentada, segundo o espiritismo, no modelo, no guia e na crença em Jesus Cristo; na comunicação, assistência e influência positiva ou negativa entre os espíritos – mediunidade; na reencarnação –, na pluralidade das existências; na lei de causa e efeito e de ação e reação; no livre-arbítrio; e na reforma íntima (Andrade, 2001; 2003; Aleixo, 2003). O espiritismo tem uma cosmovisão própria sobre a doença, a cura, a saúde e os meios para proporcionar o tratamento espiritual pela terapêutica espírita, como as reuniões públicas, sessões de desobsessões, passes, água fluidificada, recomendações de leituras espíritas, reforma íntima e prece.
Segundo a tipologia weberiana reinterpretada por Berger, poderemos classificar o conjunto de teodicéias explicativas segundo o problema do porquê das doenças, do como restabelecer a saúde e como conquistar a cura definitiva. Aqui, indicaremos apenas alguns elementos que são possíveis indícios da teodicéia, como, por exemplo, a teodicéia do karma, do complexo messiânico-milenarista, da promessa de compensação num além, da teodicéia bíblica e do dualismo.
Resumindo, as teodicéias dos grupos religiosos respondem e justificam, para aqueles que crêem, o porquê, o sentido e o significado da vida quando as pessoas estão enfrentando problemas, sejam eles de qualquer ordem, em especial, nesta dissertação, quando são acometidas de síndrome de burnout e de depressão (Berger, 1998, p. 70-1).
Porque primeiro eu tenho uma revolta com Deus, você passa a não acreditar em mais nada, você fala realmente eu estou largada e esquecida. Eu não tenho mais em quem crer, e você vê que só o amor de sua família não te basta. [...] Você tem que acreditar em alguma coisa além do palpável, do que você vê, em uma força maior que você possa se segurar, se não o homem se torna muito poderoso, tem que ter um poder maior [...] eu busquei [tratamento espiritual] porque eu acreditava realmente pelas leituras anteriores que o que agente esta fazendo aqui é uma busca, eu busco uma justificativa para nossas mágoas, nossos sofrimentos (Maria José).
Nesse depoimento, fica claro o desespero e a angústia da entrevistada em buscar justificativa e o porquê dos males enfrentado. Ela expõe sua revolta com Deus, mas, logo a seguir, fala da necessidade de crer numa força superior, não palpável. A teodicéia buscada pela Maria José em diversos grupos religiosos foi encontrada no espiritismo, que lhe trouxe as justificativas e o porquê dos sofrimentos e dores que ela estava vivenciando desde 1999.
O contato com o espiritismo ele tem uns 10 anos, depois dos 30 anos de idade eu comecei a ter contatos e me despertou, porque muitas angústias, muitas coisas na minha vida que eu não encontrava respostas eu comecei a achar respostas no espiritismo. Achei interessante essa religião porque ela coloca sempre a questão do estudo, da procura de respostas, a gente não tem aquela coisa de que é assim pronto e acabou. A gente vai procurar as respostas até que consiga estar convencida é um outro prisma, um outro ângulo, assim uma outra versão da vida. Eu comecei a ler livros, romances espíritas, comprei o Evangelho segundo o Espiritismo e comecei achar interessante. Eu percebi que após uns passes e todo aquele tratamento eu ficava mais tranqüila. Eu comecei a freqüentar [o grupo espírita] nos momentos de dificuldades, de maiores angústias. Eu sempre procuro o Centro, pena que eu não consegui me disciplinar pra ter um estudo mais esquematizado e aprofundar, é difícil ter essa disciplina, adquirir essa disciplina depois dessa idade toda, mas o espiritismo veio como resposta (Antonia).
Como podemos perceber nesse outro depoimento, a teodicéia espírita veio como resposta, especialmente para essa entrevistada que não aceita dogmas e verdades absolutas e que teve uma formação para não acreditar em Deus e na sua existência. O que mais chamou sua atenção foi o estímulo à pesquisa, o direito de duvidar, o estudo. Em momentos de angústia e sofrimento, a entrevistada busca o tratamento espiritual, freqüenta as reuniões públicas, recebe passes, faz leituras em que, segundo ela, consegue tranqüilizar-se e encontrar respostas.
Deus pra mim hoje ainda continua sendo algo em construção, porque não é fácil você sair de uma formação que você teve, de negar a existência de Deus pra acreditar na sua existência. Hoje eu poderia dizer assim uma figura meio estranha, porque ao mesmo tempo em que eu acredito eu não acredito, ao mesmo tempo em que eu busco eu nego. Posso dizer que Deus pra mim hoje está em construção, não posso definir o que Ele é, mas hoje é uma busca (Antonia).
A construção da idéia de Deus e a possibilidade de buscá-lo em momentos de dores, de sofrimento, de busca de nomia e vida simbólica já são um conforto e consolo. O espiritismo contribuiu possivelmente para essa nova concepção de Deus: "não posso definir o que Ele é, mas hoje é uma busca".
As motivações de uma pessoa para a busca de tratamento espiritual e da falta de nomia e vida simbólica não são a mesma de outra. Vejamos o depoimento a seguir:
[Por que você buscou tratamento espiritual no Espiritismo?] Em primeiro lugar eu sou de berço espírita, eu já nasci espírita, então eu já tinha essa consciência que muitas vezes as doenças, que a gente acha que está doente não passa de um distúrbio mesmo emocional e também espiritual. [...] muitas vezes como eu estava falando o problema está dentro da gente, e esse tratamento espiritual ele é maravilhoso, conscientiza do valor da oração, do pensamento positivo, dessa alegria que a gente pode buscar em tantas coisas em fazer o bem ao próximo, de visitar um enfermo e de estar convivendo com alguém que talvez está numa situação pior que a nossa. A doutrina ensina muito isso, que devemos buscar através do amor, através do trabalho assistencial, do trabalho fraterno essa cura e foi através disso aí que eu consegui me libertar desses problemas (Sandra).
A teodicéia espírita incentiva, segundo essa entrevistada, um novo conceito de doença, de saúde e de cura para os seus males. Os problemas podem ser de ordem material ou espiritual, a solidariedade e a caridade auxiliam na libertação dos problemas anômicos, assim como uma mudança de postura, atitudes, pensamentos e oração auxiliaram a restabelecer a nomia e a vida simbólica.
A depressão e a síndrome do pânico, veio como conseqüência do que eu já fiz anteriormente numa vida passada. [...] Eu acredito, se eu acredito na reencarnação, eu tenho que acreditar que eu pedi pra nascer nessa família, nesse contexto social e histórico. Eu vim passar por isso e preciso passar para crescer mesmo. [...] Não eu acredito pela leitura mesmo, a leitura do evangelho, dos livros espíritas. Eu estou falando tudo dentro da doutrina [Espírita]. [...] É ai que eu me justifico se eu fosse crer que a depressão, o pânico, o fato de nascer uma criança deficiente, são só conseqüência do agora, do homem e das relações; como a vida anda seria muito pequeno, seria muito triste viver, não justificaria. [...] então é assim eu acordo de manhã, escovo os dentes e a pessoa que eu durmo é o meu amor é minha vida se eu me separar amanhã me esquece para sempre [...]. Hoje você serve porque você pode preencher o diário do colega; você pode elaborar as tarefas pra ele; você pode estar feliz sorrindo pra ela; você está feliz você é boa amiga; você está sofrendo, reclamando da vida já não da mais; e você está muito chata você está baixo astral; então eu fui me decepcionando com isso e precisei me apegar com uma outra crença, porque só no ser humano não dá pra crer (Maria José).
Esse depoimento esclarece como a teodicéia espírita justifica os problemas de saúde ou de outra ordem. A crença na reencarnação auxilia essa professora a encontrar consolo e vida simbólica. Acreditar só no ser humano e nas suas produções científicas não consola e nem responde as suas indagações.
No próximo item, vamos conhecer um pouco da história e da teodicéia do espiritismo com base em alguns pesquisadores, na literatura espírita e nas entrevistadas.
3.1 A História e a Teodicéia do Espiritismo
Por intermédio do encadeamento das idéias de alguns pesquisadores e da literatura espírita, demonstraremos a história e a teodicéia do espiritismo, sua visão de mundo, as semelhanças, a divergência e a contradição de análises e reflexões.
Segundo Gaarder (2000, p. 289, 90), "o Espiritismo kardecista consiste num sistema filosófico-religioso cujo eixo principal é a crença na reencarnação", baseado no hinduísmo, doutrina do carma, e na comunicação entre vivos e mortos. Para Piazza (1991, p. 420), o espiritismo é
um sincretismo bastante superficial, em que se justapõem elementos orientais (lei do karman) e elementos cristãos (lei da caridade) [...] pode ser considerada como uma ‘religião de libertação’, de tipo gnóstica.
Lemos (2002, p. 505), nas suas observações como pesquisadora, relata que
no caso de que algum doente recorra ao centro espírita à procura de ajuda, a forma de apoio dada é, através dos médiuns, reconhecer a origem do mal (em que estágio de encarnações anteriores ou de que forma os erros foram cometidos ou pelo mesmo espírito que reencarnou na pessoa ou pelo espírito de algum parente próximo); realização de passes para amenizar a doença, indicação de medicamentos à luz da inspiração dos espíritos que estão nos médiuns, aconselhamentos para que o doente e seus familiares possam mudar seu comportamento com intuito de aprimorar seu espírito para que em uma próxima reencarnação possa viver melhor.
Para Souto Maior (2002, p. 49), o espiritismo precisa ser pesquisado cientificamente, levando em conta a crença no contato entre vivos e mortos e a interferência entre esses dois mundos. Tal autor afirma, ainda, que há um preconceito acadêmico na
área das ciências humanas, o problema tem aspectos mais complexos; historiadores, antropólogos, psicólogos, sociólogos e pedagogos teriam, pelo menos em teoria, o dever intelectual de conhecer as diversas faces do espiritualismo – até para repudiá-lo se assim o quisessem – pois, independentemente de sua realidade existencial, a crença no espírito é também fenômeno histórico, cultural e sociológico.
O artigo deste autor também faz um breve histórico da espiritualidade na terra, desde a pré-história, passando pelo aparecimento do espiritismo até os dias atuais, estabelecendo diálogo com alguns teóricos. Souto Maior (2002, p. 45, 57) afirma que o "Espiritismo não tem, na verdade, um ¿fundador’, mas, um brilhante codificador, Allan Kardec" e, ainda, que
o Espiritismo, historicamente, contrariou interesses econômicos poderosos e suas implicações políticas. A Igreja Católica e as diversas igrejas protestantes refugiadas na sacralização da Bíblia, supostamente ¿a palavra divina’, viram-se, com o Espiritismo, ameaçadas em suas posições como intermediárias entre Deus e os homens. [...] Quanto aos Evangelhos é visível indisfarçada miopia intelectual, mas em todo esse processo, de certa forma anti-espírita, a força econômica foi de uma grande importância [...]. Muito tempo ainda decorrerá antes que o Espiritismo se transforme, como já foi previsto, no grande futuro de todas as religiões.
Prandi (1998, p. 11) apresenta dados estatísticos referentes a 1995 em que demonstra a diversidade religiosa existente no Brasil, sendo "75% de católicos (os carismáticos são 4% e os CEBs, 2% da população), 13% de evangélicos (3% históricos e 10% pentecostais), 4% de kardecistas e 1,5% de afro-brasileiros". Tal autor realiza, ainda, um estudo sociológico do candomblé e da umbanda, da cosmovisão das religiões afro-brasileiras e do sincretismo com as demais religiões. De acordo com Prandi (1998, p. 12),
as contribuições do kardecismo francês, especialmente a idéia de comunicação com os espíritos dos mortos através do transe, com a finalidade de se praticar a caridade entre os dois mundos, pois os mortos devem ajudar os vivos sofredores, assim como os vivos devem ajudar os mortos a encontrar, sempre pela prática da caridade, o caminho da paz eterna.
Outro autor que escreveu um artigo sobre o espiritismo foi Hoornaert (1992). Ele fez uma reflexão valendo-se dos aspectos econômicos e da política de forma conjuntural, em âmbito nacional e internacional, realçando os impactos e os reflexos para a população brasileira, propondo um diálogo entre o catolicismo e o espiritismo como forma de contrapor as desigualdades sociais existentes no país, mesmo reconhecendo as dificuldades deste diálogo. De acordo com as idéias de Hoornaert (1992, p. 59),
o século XIX foi na Europa e no Mundo ocidental em geral um século de mudanças e inseguranças. [...] O francês Allan Kardec soube captar com muita sensibilidade esse clima de insegurança reinante e transformá-lo em fé. A crença em reencarnações sucessivas, um dos pontos básicos da doutrina de Kardec, foi um dos fatores que contribuíram para a adesão de muitos [...] veio ao Brasil onde encontrou um solo fértil para a sua divulgação [...] uma ¿prática evoluída’, que unia a razão científica com a fé religiosa [...] o kardecismo é uma doutrina que se espalhou basicamente por literatura [...] tanto o pensamento de Augusto Comté [sic] como o de Allan Kardec tiveram um papel no processo de modernização do país.
A revista Isto é (2003, p. 72-7) estampou na capa o título Medicina Espiritual. O artigo da capa discorre sobre um fato inédito e chama a atenção sobre a novidade, haja vista a resistência no meio acadêmico deste tema. Também divulga que ocorreu na Faculdade de Medicina da Universidade de São Paulo (USP) o I Simpósio de Medicina e Espiritualidade, organizado pela Associação Médica-Espírita de São Paulo, informando que, em junho daquele mesmo ano, ocorreria o IV Congresso Nacional da Associação Médica-Espírita do Brasil. Conforme a Isto é (2003, p. 74, 76), o espiritismo é uma
doutrina que conta com mais de dois milhões de adeptos no Brasil. Ela é baseada na crença da existência e imortalidade de espíritos, na sua capacidade de influenciar a vida e a saúde dos habitantes na Terra e na possibilidade de comunicação com eles [...]. A realização dos eventos é apenas uma mostra do crescimento da medicina espírita [...] praticam a medicina convencional, mas usam sua crença para tentar melhorar a saúde do paciente que quiser receber esse atendimento [...], aplicação de passes (imposição de mãos para energização e transferência de bons fluidos) [...] sessões de ¿desobsessão’, reuniões nas quais médiuns (pessoas por meio das quais os espíritos se manifestam) serviriam como instrumento para que espíritos que estão atormentando o doente se comunicassem e fossem convencidos a deixá-los em paz.
Nesse artigo, há, ainda, depoimentos de pessoas que encontraram a cura das suas doenças em sanatórios e centros espíritas, algumas são espíritas, umas só foram em busca de cura e outras são pesquisadores que estão estudando cientificamente os fenômenos espirituais.
Outra reportagem de capa sobre o assunto foi da revista Época (2003, p. 69-75), com o título A Família: quem são os Gasparettos, o clã muito vivo que transforma mediunidade em bom negócio. Esta expõe os recordes de vendas dos livros espíritas: "Zibia Gasparetto vendeu mais de 5 milhões de livros e está há 10 anos na lista dos mais vendidos [...] 25 milhões de livros vendidos pelo médium Chico Xavier" e como é o dia-a-dia dos Gasparettos. De acordo com o artigo,
para o espiritismo puro, porém, usar os ‘seres de luz’ com objetivo pecuniário equivale a usar um morto para ser muito vivo. Teoricamente, o escritor espírita é apenas um instrumento entre quem foi e quem fica, sem mérito nem pelo estilo nem pelo conteúdo da obra. Por isso, dizem os espíritas, ganhar dinheiro com esse tipo de livro é moralmente questionável [...] ‘Espíritas têm de trabalhar com o suor do rosto para viver’, defende Franco. ‘Os bons espíritos mandam mensagem e não cobram nada. Se nos beneficiamos desse dom, estaremos cometendo um crime’ (Época, 2003, 70-1, 75).
Na revista Planeta (2002, p. 12-7), a reportagem de capa foi Em Busca da Cura Espiritual: a religião na universidade, uma entrevista com a mestra em Ciências da Religião da Pontifícia Universidade Católica de São Paulo (PUC-SP) Cleide Martins Canhadas, que defendeu em sua dissertação a cura espiritual. No artigo, as perguntas versaram a respeito de sua profissão e de suas motivações, com resultados e conclusões da pesquisa.
Mais de 70% das pessoas tiveram grande melhora e a cura definitiva do problema [...] afirmam que a cura é possível mesmo que a pessoa não tenha fé, mas o curador, o médium que transmite energia, e as pessoas que estão à volta do doente tenham fé – no sentido de uma autoconfiança e uma forte concentração de energia [...] eu acredito que o tratamento espiritual só faz sentido quando leva a uma transformação interior da pessoa [...] vai mudando conceitos, valores [...]. Creio que as palestras, a literatura espírita, que tem um corpo teórico bem fundamentado e justifica aquele tipo de trabalho, são muito importantes [...] A doença existe associada à sua história, ao seu passado, e tem como propósito ajudá-lo a enxergar coisas que ele não está vendo (Planeta, 2002, p. 14-5).
Os adeptos do espiritismo ou participantes do tratamento espiritual em busca da cura de suas doenças necessitam acreditar em si e realizar a reforma íntima para que, dessa forma, possam restabelecer a saúde (Andrade, 2003). Para o espiritismo, o indivíduo possui um passado com outras vidas, outros pensamentos nem sempre positivos, inimigos encarnados e desencarnados que não podem ser negados ou ignorados, pois eles podem influenciar negativamente (34). Mediante essa crença, com convicção, persistência, determinação e fé, segundo o espiritismo, a pessoa encontrará sua saúde. Kardec (1999, p. 20, 2) afirma que
as diferentes existências corporais do Espírito são sempre progressivas e o Espírito nunca retrocede, mas o tempo necessário para progredir depende dos esforços de cada um para chegar à perfeição [...]. O Espírito, quando encarnado, está sob a influência da matéria. O homem que supera essa influência pela elevação e pela depuração de sua alma aproxima-se dos bons espíritos, com os quais estará um dia. [...] Mas também nos ensinam que não há faltas imperdoáveis que não possam ser apagadas pela expiação. Pela reencarnação, nas sucessivas existências, mediante os seus esforços e desejos de melhoria no caminho do progresso, o homem avança sempre e alcança a perfeição, que é a sua destinação final.
Cavalcanti (1983) realizou um estudo antropológico aprofundado sobre em O mundo invisível: cosmologia, sistema ritual e noção de pessoa no espiritismo, livro que é fruto de sua dissertação de mestrado. Cavalcanti (1983, p. 15, 21, 30, 34) também realiza uma análise sociológica da definição do termo espiritismo, mencionando as contradições, as incompreensões, os etnocentrismos, como os grupos espíritas se autodefinem e o que os unifica nas diversas instituições:
parto da afirmação do caráter distintivo do Espiritismo como religião [...] aos poucos certifiquei-me de que essas diferentes instituições eram parte de uma rede espírita maior [...]. [Apresenta, ainda, o conceito de religião] como um sistema de representações e práticas da ordem do símbolo [...] minha questão é, em última análise, a do sentido.
De acordo com Cavalcanti (1983, p. 23), o que unifica a rede espírita é a codificação:
um conjunto de cinco obras: o Livro dos Espíritos, que aparece pela primeira vez em 1857, e contém ‘o núcleo e arcabouço geral da doutrina’; o Livro dos Médiuns, continuação do primeiro e que ¿pesquisa o processo das relações mediúnicas, estabelecendo as leis e condições do intercâmbio espiritual’; o Evangelho segundo o Espiritismo, que explicita o conteúdo moral da doutrina; O Céu e o Inferno, que discute ‘as penas e gozos terrenos e futuros’; A Gênese, os Milagres e as Predições, que ‘trata dos problemas genésicos e da evolução física da terra’.
O livro Espiritismo: uma religião brasileira, do antropólogo José Luiz dos Santos (1997), apresenta uma cronologia sobre o espiritismo de 1824 até 1992 e fornece ao leitor e à leitora uma visão panorâmica da história, como ocorreu a institucionalização e a legitimação religiosa no Brasil (Anexo 1).
As intolerâncias religiosas, sociais e políticas evidenciadas no Anexo 1 proporcionaram a legitimação e a manutenção institucional do espiritismo no Brasil como religião. As mensagens dos espíritos, por intermédio dos livros publicados, foram embasando, do ponto de vista argumentativo, as justificativas e a fundamentação doutrinária, teórica, filosófica e científica. Formaram-se diversas associações espíritas por categorias profissionais, como, por exemplo, a Associação Médica-Espírita do Brasil (AME-Brasil), com ramificações estadual e internacional, e a Associação Brasileira dos Magistrados Espíritas (Abrame), com delegacias seccionais em 24 estados, entre outras. Formou-se, ao longo da história do espiritismo no Brasil, uma rede institucional composta por hospitais, centros espíritas, livrarias, editoras, escolas, orfanatos, asilos, creches, peças teatrais, músicas, sanatórios, campanhas Auta de Souza, associações profissionais e científicas que são um pouco da estrutura física-material do espiritismo. Esses segmentos espíritas são autônomos e interligados entre si pelas obras codificadas por Allan Kardec e ampliadas pelas mensagens dos espíritos publicadas em forma de livros. Para melhor compreensão da institucionalização do espiritismo, observemos a Figura 1:
Figura 1: Organograma Institucional do Espiritismo
Fonte: Feego (2003).
Existem 26 federações espíritas estaduais representadas no Conselho Federativo Nacional. Suas principais resoluções, diretrizes e normas para nortear os trabalhos nos centros espíritas – que têm autonomia para as seguirem ou não – estão resumidas a seguir:
I – A adequação do Centro Espírita para melhor atendimento de suas finalidades – Resolução de outubro de 1977.
II – Orientação ao Centro Espírita – Resolução de julho de 1980.
III – Diretrizes da Dinamização das Atividades Espíritas – Resolução de novembro de 1983.
IV – Transformação dos Conselhos Zonais em Comissões Regionais, com aprovação do respectivo Regimento Interno – Resolução de novembro de 1985 (Federação Espírita Brasileira, 1999, p. 8).
Conforme Ramos et alii (1993, p. 1), a Federação Espírita do Estado de Goiás (Feego) foi fundada no dia 3 de outubro de 1950 com o nome de União Espírita Goiana. No artigo primeiro do seu estatuto, a federação define-se como "uma sociedade civil, religiosa, filantrópica e cultural, de caráter federativo, de duração ilimitada e sem fins lucrativos, com sede e foro em Goiânia". Em Goiás, existem 424 centros espíritas filiados à Feego, sendo 126 em Goiânia (35). É importante ressaltar que existem outros centros espíritas que não são filiados à Federação mas seguem as obras básicas codificadas por Kardec e por outros autores espíritas.
No Brasil, Francisco Cândido Xavier, Chico Xavier, é considerado o precursor de Allan Kardec, nasceu em 1910 e morreu em 2002, suas obras psicografadas somam 412 títulos. Segundo Marreiro Júnior (2002, p. 12),
Allan Kardec e Francisco Cândido Xavier, segundo entendemos, embora com tarefas diferentes, cumpriram etapas das mais difíceis e importantes do Consolador prometido por Jesus, cujo maior foco de expansão é o Brasil, a nova Pátria do Evangelho colocada no coração geográfico do mundo.
Há uma polêmica no meio espírita sobre as vidas passadas de Chico Xavier, alguns defendem que ele era Allan Kardec e, para provar a tese, buscam as coincidências na vida desses dois personagens, que estão descritas no Quadro 6.
Quadro 6: Comparação entre Allan Kardec e Chico Xavier
Allan Kardec foi sepultado no dia 2 de abril. Kardec codificou o espiritismo. Kardec pesquisou o fenômeno. Kardec consolou milhares de pessoas. Kardec trouxe Jesus de volta. Kardec reacendeu a lâmpada da fé. Kardec disse que a fé pode encarar a razão. Kardec afirmou que fora da caridade não há salvação. Kardec explicou-nos a lógica da reencarnação. Kardec elucidou as manifestações dos espíritos. Kardec foi considerado o bom senso reencarnado Kardec veio para pesquisar. Kardec é o começo. | Chico Xavier nasceu dia 2 de abril. Chico Xavier explica-nos a codificação. Chico Xavier traz o fenômeno até o povo. Chico Xavier estende a consolação a milhões. Chico Xavier nos ensina a estarmos com Ele. Chico Xavier ilumina os nossos caminhos. Chico Xavier alia a fé à razão. Chico Xavier vive a caridade em sua plenitude. Chico Xavier prova-nos a reencarnação. Chico Xavier recebe milhares de espíritos. Chico Xavier é o discernimento em pessoa. Chico Xavier veio para demonstrar. Chico Xavier é o complemento.
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Fonte: Grupo Espírita Regeneração (2004)
Nota: panfleto encontrado na livraria do Grupo Espírita Regeneração no dia 08/02/2004.
Esse quadro exemplifica a importância que é dada aos dois vultos históricos do espiritismo que tiveram como missão divulgar a doutrina dos espíritos, segundo a visão deles. A cosmovisão espírita fica retratada no Quadro 6, por meio de algumas expressões-chave como: a reencarnação, a comunicação entre os espíritos, a doutrina de consolação, fé racionalizada, mediunidade, guia e modelo Jesus Cristo e fora da caridade não há salvação.
No Quadro 7, apresentaremos a teodicéia espírita pelos princípios básicos e pelos pontos fundamentais do espiritismo.
Quadro 7: Princípios Básicos e Pontos Fundamentais do Espiritismo
PRINCÍPIOS BÁSICOS | PONTOS FUNDAMENTAIS |
Deus é a Inteligência Suprema, Causa primária de todas as coisas. | A evolução é constante e progressiva, jamais regredimos. Ninguém foi criado por Deus para viver no mal eternamente. |
Existe o mundo material que é a nossa habitação atual de espíritos encarnados (vivendo no corpo físico) e o mundo espiritual, habitação dos espíritos desencarnados (vivendo fora do corpo físico). | Os espíritos comunicam com o mundo material e exercem influência sobre nós, e sua ação sempre existiu e é freqüente. |
Nós somos seres espirituais em evolução, numa passagem transitória pelo mundo material. | Os bons espíritos nos influenciam para o bem, os espíritos imperfeitos nos influenciam negativamente. |
O sentido da vida é a evolução permanente, sempre em busca do bem e da felicidade suprema. | O homem tem a liberdade para agir, mas responde sempre pelas suas ações. |
Evoluímos constantemente através de múltiplas existências. | Jesus é o Mestre Maior e modelo para toda a humanidade, e o Cristianismo é a expressão mais pura da Lei de Deus. |
Renascemos quantas vezes forem necessárias para nossa evolução. | A vida futura (depois desta vida) reserva aos homens alegrias ou sofrimentos compatíveis com o cumprimento ou não das leis de Deus. |
Preservamos nossa individualidade antes, durante e depois de cada existência. | A prece nos aproxima de Deus, e aquele que ora com fé e confiança se faz mais forte para enfrentar as dificuldades da vida. |
Todas as Leis da Natureza são Leis Divinas, pois Deus é o seu autor. |
Fonte: PROJETO Iluminar (2004)
Nota: Panfleto distribuído no PAE - Posto de Auxilio Espírita, em outubro de 2004.
O Quadro 7 é o resumo da teodicéia espírita, pois evidencia seus princípios e fundamentos conforme orientação da Feego, da FEB e do CEI. Os espíritas crêem que as pessoas são espíritos eternos, sempre em evolução, que não regridem, no máximo podem estacionar, de acordo com o seu livre arbítrio; que as dores, os sofrimentos e as alegrias que vivenciam enquanto estão encarnados têm causas e motivos que são respondidos pela pluralidade das existências ou pelo livre arbítrio atual, assim como pelas companhias, pensamentos e atitudes, tanto no plano material quanto no espiritual; que o projeto final do ser humano é a felicidade e a sua busca deve ser constante, com paciência, disciplina, caridade e reforma íntima. O espiritismo apregoa que, se seguirmos o modelo de Jesus Cristo, conseguiremos passar por qualquer crise, sofrimento ou problemas de saúde. Dessa forma, no próximo item vamos verificar como essa teodicéia espírita auxilia no tratamento espiritual e no alcance da nomia e da vida simbólica.
3.2 O Tratamento Espiritual no Espiritismo
Os tratamentos espirituais realizados nos centros espíritas não fazem distinção de pessoas por cor, gênero, profissão ou situação socioeconômico-política. Quem busca esse tipo de tratamento específico é solicitado a comparecer no dia da triagem para ser atendido por um dos médiuns, triador e orientador. Dependendo do centro espírita, a pessoa poderá encontrar metodologias diferentes para a realização do tratamento espiritual. Isso se deve à autonomia das instituições espíritas, que seguem orientações dos mentores espirituais e dos espíritos benfeitores da instituição religiosa (Cavalcanti, 1983; Canhadas, 1999; Greenfield, 1999).
Descreveremos, a seguir, um exemplo de tratamento espiritual realizado no Grupo Espírita Regeneração em 2003 (36). Os procedimentos de tratamento espiritual são os mesmos para a maioria dos problemas a serem tratados no grupo religioso. A pessoa passa pela triagem, iniciando com uma oração; depois, ocorre um diálogo, no qual a paciente relata o que está ocorrendo, qual o problema que está enfrentando, dependendo do caso, há uma orientação; depois, recebe uma ficha branca, se for sua primeira vez, contendo os dias, horários e as salas para o tratamento, bem como as orientações a serem seguidas para um melhor aproveitamento e solução mais rápida do caso.
Quadro 8: Orientação para o Tratamento Espiritual no Grupo Espírita Regeneração
Cultivar atitude mental digna, desde cedo. Evitar deliberadamente brigas e discussões, sustentando paciência e serenidade, acima de quaisquer transtornos que sobrevenham durante o dia. |
Evitar alimentação excessiva, o uso da carne, do café e dos temperos excitantes. |
Horas antes do início do tratamento, dedique-se ao serviço da prece e da meditação em seu próprio Lar. |
Buscar superar todos os impedimentos naturais, como chuvas, visitas inesperadas, doenças familiares etc., afim de não interromper o tratamento. |
Desenvolver o culto do Evangelho no Lar. Ler o Evangelho todos os dias para si e para a criança ao levantar e ao deitar, bem como fazer uso da Oração. |
Nas reuniões públicas, você poderá trazer um vidro com água para fluidificar. Identifique o vasilhame. |
Chegue nos horários marcados e traga sempre esta ficha. |
No tratamento da ficha cor azul, trazer, vidros com água para fluidificar. |
Fonte: Grupo Espírita Regeneração
Fonte: Extraído de ficha cor verde, do tratamento espiritual, julho e agosto de 2003.
O tratamento dar-se-á durante 15 dias, duas vezes na semana – nas terças e quartas-feiras, das 19h30min às 21h –, ou uma vez na semana – nas terças-feiras ou nos domingos, das 9h30min às 11h – para as pessoas que têm dificuldade em acompanhar mais de um dia na semana. Esse horário é flexível no término, pois a pessoa em tratamento poderá sair mais cedo, dependendo da quantidade de pessoas a serem atendidas e de médiuns trabalhadores na sala de passe.
A pessoa comparece à sala indicada na ficha de tratamento, canta-se para harmonizar o ambiente, realiza-se a prece de abertura, são assinadas as freqüências nas fichas, inicia-se a palestra sobre um tema, como, por exemplo, a existência de Deus, a imortalidade da alma, a natureza do homem, a evolução dos espíritos, obsessão, entre outros temas, seguindo-se um roteiro pré-planejado. Cada sala de tratamento estará estudando um tema diferente, tiram-se as dúvidas e, dependendo do assunto, acontece um debate. Encerra-se com uma prece final. Aguarda-se para que a turma seja chamada para a sala de passe. Após o passe, pegam-se os pertences deixados antes da entrada da sala do passe, bebe-se a água fluidificada, levando o vasilhame contendo a água já fluidificada para ser ingerida em sua residência durante a semana. Esta água pode ser colocada no filtro de água da residência, pois, segundo os espíritas, a água fluidificada agirá conforme as necessidades de cada pessoa.
Eu fui ao centro espírita assistir uma palestra e me escrevi, também, pra fazer o tratamento. Teve uma entrevista; nesta entrevista eu disse o que eu estava sentindo e porque estava querendo fazer o tratamento, o que eu estava passando naquele momento. Naquele dia, foi marcado então quatro terças feiras; tínhamos um momento de leitura, depois palestra, o passe e voltávamos pra sala, onde discutíamos os textos que eram selecionados pra interpretação. E assim foram durante 04 semanas; no final, eu recebi uma mensagem mediúnica que pode ser do nosso mentor espiritual. Ele me aconselhava vigiar, [...] temos a necessidade de estar vigiando, de estar se protegendo é assim que eu me sinto quando eu faço o tratamento ou quando eu vou ao centro tomar um passe, assistir uma palestra, como se eu tivesse reforçando mesmo esse escudo de proteção (Antonia).
O depoimento anterior relata o tratamento espiritual realizado no PAE. Como podemos verificar, os procedimentos foram diferentes, em partes, do tratamento no Grupo Espírita Regeneração.
Bom eu fiz a triagem. Você passa por um questionário sobre a sua vida, pegam seus dados pessoais e os seus sintomas, o que é que você está sentindo naquele momento. Ela conversa com você, a pessoa, e te encaminha. Tem vários tipos de tratamento: de cúpula, de desobsessão, quando é problema de família, [...] eu fiz o primeiro de cúpula; [...] as pessoas faziam uma oração; duas projetavam as mãos em direção a minha cabeça, realmente como se tivesse me administrando um passe mesmo; depois disso eu bebia uma água fluidificada; eu ia embora, num dia e no outro dia eu ia assistir a uma palestra; e depois dessas palestras no auditório sobre temas diversos: chagas, aborto, casamento, suicídio, educação. Você vai ao segundo momento para outra sala; já era uma coisa especifica, era só algumas pessoas que eram passadas para estas salas e lá você ia estudar o livro dos médiuns e trabalhar mesmo a sua mediunidade. Eu fiz esse tratamento de desobsessão. [...] Atualmente eu faço culto no lar e freqüento as reuniões públicas só na Irradiação Espírita Cristã, nas sextas-feiras e quando não dá eu vou na segunda-feira. Nas reuniões públicas você no primeiro momento faz uma oração comunitária, um pai nosso e uma outra prece, canta um pouquinho; tem geralmente palestras com médicos espíritas, psicólogos, ou outros profissionais que vem falar sobre suas experiências e práticas ou mesmo sobre leituras do evangelho; o segundo momento é de passe, você recebe o passe depois vai embora. É aberto ao público, todo mundo pode participar (Maria José).
A descrição do tratamento espiritual pela depoente acima, realizado na Irradiação Espírita Cristã, demonstra que cada um tem um ponto de vista e uma impressão do que presenciou no tratamento. Percebemos que diversas entrevistadas buscaram tratamentos espirituais em grupos diferenciados ou chegaram a freqüentar mais de um grupo tanto como trabalhadora como freqüentadora. Foram ouvidos alguns depoimentos, ao longo da pesquisa de campo, do tipo: "o grupo fulano é especialista em tratamento espiritual", "eu me senti melhor realizando tratamento em determinado grupo", "não gostei do tratamento em determinado centro, são muito ortodoxos", ou "não consegui resultados e abandonei". Nesses depoimentos, podemos perceber que as pessoas buscam o tratamento no grupo religioso de acordo com as suas preferências ou pela indicação de alguém, com o desejo de se verem livres do problema imediatamente, e, se não alcançam o desejado, vão em busca de outro grupo ou criticam, justificando que não encontraram a cura porque o centro é ortodoxo, rígido ou aberto demais.
Com relação ao culto no lar as recomendações são as do folheto do Grupo Espírita Emmanuel, conforme o Quadro 9.
Quadro 9: Roteiro do Culto do Evangelho no Lar
Escolher pelo menos um dia da semana e horário para reunião com os familiares. A pontualidade e a assiduidade são importantes. |
Providenciar uma jarra de água para fluidificação. |
Prece de abertura da reunião. |
Ler um trecho de O Evangelho segundo o espiritismo e uma mensagem de um livro de Chico Xavier. |
Podem ser feitos comentários sobre os temas lidos. |
Prece de encerramento, rogando a Jesus na proteção do lar, dos parentes, amigos, dos que sofrem etc. |
Servir a água fluidificada aos presentes. |
Duração: aproximadamente 15 minutos. |
É desaconselhável qualquer manifestação mediúnica durante a reunião. |
Fonte: Grupo Espírita Emmanuel (2001)
Fonte: Panfleto distribuído no PAE, no dia 10/06/2004.
Em um outro folheto de roteiro para o culto do evangelho no lar extraído do livreto O culto do evangelho no lar, da USSERJ Editora, distribuído no Grupo Espírita Regeneração entre o período de julho a agosto de 2003, encontram-se mais orientações complementares e explicativas do quadro anterior:
A leitura inicial de uma mensagem poderá, após, ser comentada ou não. Ela tem por objetivo propiciar um equilíbrio emocional, procurando harmonizá-lo com os ideais nobres da vida, a fim de facilitar melhor aproveitamento das lições. Poderemos lembrar [outras] obras [...]. Dando curso ao salutar programa iniciado por Jesus, o de se reunir com os discípulos para os elevados cometimentos da comunhão com Deus, mediante o exercício da conversação edificante e da prece renovadora, os espiritistas devem reunir-se com regularidade e freqüência para reviver, na prece e na ação nobilitante, o culto da fraternidade, em que se sustentem quando as forças físicas e morais estejam em deperecimento, para louvar e render graças ao senhor por todas as suas concessões, para suplicar mercês e socorros para si mesmos quanto para o próximo, esteja este no círculo da afetividade doméstica e da consangüinidade; encontre-se nas provações redentoras ou se alongue pelas trilhas da imensa família universal. [...] A duração do Culto do evangelho no lar deve ser de até 1 (uma) hora, mais ou menos.
A explicação do último folheto é complementar e contraditório no tempo de duração, mas como é mencionado até uma hora, pressupõe-se, no mínimo, 15 minutos e, no máximo, uma hora. O culto no lar é entendido, também, como uma continuidade do tratamento espiritual para a extensão da assistência espiritual. Nos tratamentos espirituais no espiritismo, é sempre recomendada a realização deste ritual nas residências, a justificativa para tal prática foi explicada na citação anterior e no Quadro 9.
No Quadro 10, poderemos encontrar um resumo do que foi descrito anteriormente sobre as técnicas e os rituais utilizados nos centros espíritas para o tratamento espiritual.
Quadro 10: Técnicas de Cura Espiritual na Visão do Espiritismo
Aconselhamento espiritual: diálogo, orientações e esclarecimentos. |
Evangelização: terapia de transformação através do conhecimento e prática do Evangelho Segundo o Espiritismo e do culto do evangelho no lar. |
Oração: imuniza contra o mal, reequilíbra o interior e atrai a ajuda espiritual. |
Passe magnético: terapia que reestímula os centros vitais dos corpos espiritual e físico. |
Água Fluidificada: energias magnéticas, fluídicas e medicação do céu. |
Desobsessão: terapia para afastar a influência de obsessor encarnado ou desencarnado. |
Operações espirituais: cirurgias realizadas pelos espíritos desencarnados, através do médium. |
Fonte: Andrade (2003, p. 111- 21).
Os Quadros 10 e 11 podem, também, representar o sistema simbólico do espiritismo, assim como a cosmovisão espírita sobre a saúde, doença e cura. Demonstra, também, o que deve ser efetuado pelo paciente para restabelecer nomia e vida simbólica em sua vida.
O antropólogo e doutor Sidney Greenfield (1999), no livro "Cirurgias do Além: pesquisas antropológicas sobre curas espirituais", apresenta sete capítulos com os resultados da pesquisa de campo realizada em diversas regiões do Brasil sobre curas no espiritismo. Conforme Greenfield (1999, p. 13-4),
minha preocupação era de saber que ninguém iria acreditar, quando eu contasse o que havia testemunhado [...] comecei a levar uma filmadora, com a qual consegui fazer três filmes documentários sobre as cirurgias e curas espíritas [...] fui forçado a questionar quase tudo [...] Antropólogos como eu, treinados naquilo que chamamos os quatro campos de estudo da disciplina, entendem que o biológico, o psicológico e o cultural no comportamento humano estão interligados. Isto levou-me a um estudo psicobiológico da cura que questiona o dualismo cartesiano que coloca corpo e mente em oposição.
Este autor apresenta, também, as principais modalidades de tratamento espírita, que estão representadas no Quadro 11.
Quadro 11: Modalidades de Tratamento Espírita: uma Visão Antropológica
1. Cirurgias espirituais: são realizadas sem anti-sépticos ou anestesia, nas quais os pacientes sangram muito pouco, experimentam Quase nenhuma dor, não desenvolvem infecções ou outras complicações pós-operatórias e, sobretudo, recuperam-se.
2. Passes magnéticos: energia trazida pelos espíritos do mundo invisível. O médium-curador movimenta suas mãos ao longo do corpo do paciente, sem o tocar [...]. O médium sabe que o contato foi feito com a área perturbada porque suas mãos sentem uma espécie de névoa densa e invisível ou um certo entorpecimento que precede o sono. O paciente também tem a mesma sensação.
3. Para pacientes com doenças mentais (desobsessão): 3.1. As perturbações de primeiro grau, resultado de influências espirituais moderadas, causam depressão moderada, inibição, medo, complexo, ciúme, tristeza, irritabilidade, nervosismo e incompreensões domésticas. São tratadas por informados e articulados líderes espirituais que explicam a situação ao espírito errante (que aparece através de um médium) e o intima a deixar de perturbar o paciente. O médium também orienta o espírito para as vantagens morais de um comportamento apropriado. O paciente normalmente não precisa vir a estas sessões; 3.2. As perturbações de segundo grau incluem formas mais intensas das condições identificadas acima, bem como algumas doenças físicas. O espírito interventor de baixo nível pode paralisar ou adensar o fluido magnético do indivíduo perturbado. Isto afetará o equilíbrio ou a adaptação dos corpos somático e fluido. Em casos mais graves, novos fluidos magnéticos devem ser transferidos do médium para o paciente. Muitas vezes, porém, o líder espírita pode efetuar a cura esclarecendo o espírito perturbador e convencendo-o a deixar o paciente sozinho; 3.3. As perturbações de terceiro grau são provenientes de intensas influências espirituais. A mais séria delas é a obsessão. Sintomaticamente, o paciente pode experimentar uma incontrolável crise de choro, apatia, ou dores violentas nas regiões superiores e frontais da cabeça. O paciente pode ser tratado, em parte, com passes de transfusão magnética de fluidos e energia, mas, como em todas as doenças causadas por espíritos obsessores, um líder religioso tem que doutrinar o espírito sobre o sistema de crenças kardecistas, antes que ele resolva abandonar o paciente.
4. Cura fluida à distância: todas as curas, como vimos, são realizadas por espíritos que usam os corpos dos médiuns, mas esta mediação material é desnecessária, os espíritos curadores podem dispensar sua caridade e curar os pacientes imediatamente, isto é, sem intermediários.
Fonte: Greenfield (1999, p. 37-41).
O item 3 do Quadro 11 descreveu a influência chamada de obsessão pelos espíritos que pode ser entre encarnado (com corpo físico) e desencarnado (sem corpo físico), encarnado e encarnado, auto-obsessão e de desencarnado para encarnado (Claro, 1998; Andrade, 2000; Bontempo, 2000; Carvalho, 2000; Nobre, 2000; Prada, 2000; Schubert, 2001;). Segundo Kardec (1997, p. 277), esse quadro denominado de obsessão espiritual
apresenta caracteres diversos que é necessário distinguir, e que resultam do grau de constrangimento e da natureza dos efeitos que produz. A palavra obsessão é de alguma sorte um termo genérico pelo qual se designa esse gênero de fenômeno, cujas principais variedades são: a obsessão simples, a fascinação e a subjugação.
Casos de transtornos mentais como a síndrome de burnout e a depressão são tratados espiritualmente conforme apresentado no Quadro 3, item 3, ou conforme orientação do centro espírita.
3.3 O Espiritismo e a Síndrome de Burnout e a Depressão
De acordo com o espiritismo, as características da síndrome de burnout e da depressão podem ser casos de obsessão espiritual ou de evolução espiritual da pessoa. Conforme Schubert (2001, p. 130),
o ser humano é um espírito imortal. Todos somos espíritos reencarnados, habitando um corpo físico, dando-lhe vida, mas esta, a vida terrena, é extremamente frágil, impermanente e breve. As ilusões do mundo disfarçam e impedem a visão da realidade.
Os espíritas crêem, ainda, na comunicação e na influência do mundo invisível no visível e na influência positiva ou negativa entre as pessoas (Claro, 1998; Bontempo, 2000; Carvalho, 2000, p. 233-45; Nobre, 2000, p. 162-200; Schubert, 2001).
Claro (1998, p. 31) exemplifica o pensamento do espiritismo a respeito da origem da síndrome de burnout e da depressão:
com a Doutrina Espírita tem-se a certeza de que as Leis de Justiça e de Causa e Efeito acompanham a criatura no corpo e fora dele, nesta e nas próximas encarnações; que a morte não elimina de imediato os problemas não superados enquanto no corpo, e que é a alma – muito especialmente – quem se apresentará depressiva ou não. [...] A Doutrina dos Espíritos muito contribui para a compreensão e aceitação dinâmica do sofrimento, bem estruturando a criatura para o enfrentamento de todas as situações afligentes.
O espiritismo tem uma teoria explicativa das causas e das possíveis soluções dos males, dos sofrimentos, das doenças e dos transtornos mentais, conforme Claro (1998). O autor esclarece ainda que nem todos os problemas referentes à saúde mental ou de ordem física estão relacionados à presença de espíritos interferindo negativamente (obsessão) e ocasionando os sintomas. Nesse sentido, Schubert (2001, p. 111-12) chama a atenção dos centros espíritas:
repetimos que não estamos, em absoluto, negando a existência das distonias mentais sem que haja a presença de Espíritos provocando ou agravando-as. Ao contrário, nosso objetivo é exatamente evidenciar isto aos que se dedicam ao atendimento das pessoas nas Casas Espíritas, para que não incorramos no excesso de tudo atribuir aos Espíritos [...]. Um transtorno mental, antes de mais nada, denota o comprometimento da pessoa, melhor dizendo, do Espírito, que reencarnou trazendo as seqüelas de desvios graves do passado e que ressumam, no atual corpo físico, com limitações e perturbações de vária ordem.
Nesta dissertação, citamos apenas dois tipos de doenças mentais – síndrome de burnout e depressão – que acometem os trabalhadores e as trabalhadoras em educação, mas existem, segundo Schubert (2001, p. 27-8), outras, que se caracterizam
por um número muito grande de perturbações, dentre elas citamos de forma sintetizada: perturbações da consciência; perturbações do humor; perturbações gerais na forma e processo do pensamento; perturbações da memória; perturbações na fala; perturbações da percepção; perturbações da inteligência (retardo mental; demência) e outras [...]. As enfermidades mentais não apresentam quadros clínicos bem definidos, pois quase sempre ocorrem interações sintomáticas, o que dificulta a avaliação do médico e requer acurada observação. Os sintomas podem oscilar ou apresentar-se de forma associada.
Pelas características das doenças apresentadas, podemos verificar os sofrimentos mentais, emocionais, afetivos, psíquicos, espirituais e simbólicos das pessoas que estão vivenciando tais problemas. Enfim, a vida, as motivações, o prazer e o sentido do ser profissional e do ser humano se saturam. Nos itens seguintes, vamos verificar o olhar das entrevistadas sobre o tratamento espiritual e, nos casos referentes a transtornos mentais, como se processou a profilaxia, onde e quais os grupos freqüentaram, se houve melhoras, o que atrapalha o alcance da cura, quais rituais, diagnósticos e tratamentos realizados, seja na medicina alopática ou no grupo religioso, e se há relação entre educação, saúde e religião.
3.4 O Olhar das Entrevistadas sobre o Tratamento Espiritual no Espiritismo
Apresentaremos, nessa parte do estudo, os resultados da pesquisa de campo sobre o tratamento espiritual no espiritismo valendo-nos das respostas e das entrevistas. Vamos compreender o porquê da procura deste tipo de tratamento, o que auxilia e atrapalha na melhora das pessoas. Apresentaremos, também, as contradições entre o olhar das entrevistadas e os princípios do espiritismo apregoados em seus documentos ou literaturas.
No Gráfico 5, estão relacionados os nomes dos grupos espíritas que as pessoas freqüentaram ou freqüentam. Verificaremos que algumas identificações não correspondem ao nome do grupo que a pessoa freqüentou, como, por exemplo, o do passe magnético, em que ocorreu uma confusão da entrevistada com o tipo de tratamento recebido – "só faço tratamento" –, possivelmente indicando que a pessoa não se interessa pelo nome do grupo, desde que seja espírita; outros, também, não lembraram o nome ou não responderam. Existe um grupo que é conhecido por duas denominações: Fraternidade de Maria de Nazaré ou Casa de Passagem Boa Nova; esse grupo não é filiado a Feego, mas segue, também, as obras básicas do espiritismo. A maioria das entrevistadas realizou tratamento espiritual no Grupo Espírita Regeneração e no PAE, 23%, em ambos; 11%, na Irradiação Espírita Cristã; 6%, na Casa de Passagem Boa Nova; 5%, no Centro Espírita Amor e Caridade.
Gráfico 5: Grupo que as Entrevistadas Freqüentam ou já Freqüentaram
Fonte: a autora. Banco de dados da pesquisa de campo.
Os principais motivos que levaram-nas a participarem dos grupos espíritas foram: conhecer a doutrina Espírita (63%); por problemas de saúde (37%), sendo 56% por problemas mentais ou emocionais e 19% por problemas físicos; por problemas espirituais (35%); por problemas de ordem mediúnica (27%); para receber mensagens (6%) e por outros motivos (37%).
No Apêndice G, constam os principais motivos por que as pessoas freqüentaram ou freqüentam o espiritismo. Como podemos perceber, as justificativas fornecidas pelas pessoas para freqüentarem o espiritismo estão, na maioria, relacionadas à sua teodicéia e à possibilidade de encontrar nomia e vida simbólica para suas vidas, outros motivos foram os familiares ou de amizade.
Do percentual das pessoas que freqüentam o espiritismo, 59% estão há mais de dois anos no grupo; 19%, entre um e seis meses; 8%, entre sete meses a dois anos. Dessas pessoas, 44% compareceu às atividades religiosas uma vez por semana; 26%, duas vezes por semana; 3%, três vezes por semana; 23%, eventualmente; e 2%, não responderam. A duração do tratamento espiritual – "foram mais ou menos uns três meses" (Suelen) – dependerá tanto do problema como da pessoa que está sendo tratada.
Durante o acompanhamento de tratamento espiritual em três grupos espíritas, observei que tinha pessoas que já estavam em tratamento há quatro anos, outros, há seis meses, e outros, há quinze dias. Alguns trabalhadores da casa espírita, durante as palestras, explicaram que têm casos que a pessoa nunca tem alta e que algumas pessoas tornam-se trabalhadoras no grupo espírita, iniciando com os cursos fornecidos no centro, integrando-se, depois, às suas atividades. Em diversas palestras, das quais participei, seja em reuniões públicas ou em tratamento espiritual, os palestrantes colocaram-se, também, na posição de pacientes, mencionando: "eu estou em tratamento como vocês, não fiquem achando que somos melhores só porque estamos aqui na frente palestrando".
A maioria das pessoas (95%) já fez ou está fazendo tratamento espiritual no espiritismo para a cura de problemas de saúde de ordem física, psíquica ou emocional, pessoal ou para familiares, sendo que 5% não fez tratamento mas trabalhou ou trabalha no centro espírita e considera essa atividade uma forma de tratamento espiritual. No Apêndice I, verificaremos qual o problema tratado na terapêutica espiritual, em qual religião ele ocorreu e qual o tipo de tratamento realizado.
Como podemos verificar nas respostas das entrevistadas sobre como foi o tratamento espiritual realizado, especialmente no espiritismo, elas correspondem ao que foi descrito nos Quadros 10 e 11, e podemos, também, perceber outros rituais que não são mencionados pelos autores espíritas consultados. Esse indício demonstra uma influência, em alguns grupos espíritas, de outras terapêuticas alternativas, como, por exemplo, o reiki e a cromoterapia. O depoimento a seguir ilustrará mais dois casos de tratamento espiritual.
Você faz uma entrevista que é feita geralmente na segunda-feira à noite. O entrevistador questiona o que você está sentindo, quais os sintomas e te encaminha para um tipo específico de tratamento. No meu caso na casa espírita Regeneração tem o tratamento com as cores e tem um outro tipo de tratamento de desobsessão que no meu caso não foi necessário. [...] muitas vezes eles tem medo de divulgar esse outro tipo de tratamento porque é um tratamento mais alternativo, a cromoterapia, os florais e trabalhar com os cristais, então dependendo das pessoas que chegam pra saber disso eles podem não estar querendo dizer com medo de serem tachados de esotérico.[...] Recomendaram que eu participasse do tratamento mais simples da casa, que é voltar nas terças-feiras e nas quartas-feiras durante quatro semanas [...]. Já no grupo espírita Batuíra que é um hospital psiquiátrico, um hospital de internação, nesse grupo eu trabalho nas quintas-feiras à noite. [...] Dentro do Batuíra se você já é passista você é recebido, você chega lá e fala: ‘olha eu sou passista de tal casa assim’ [...]. Só assisto a reunião publica junto com as pessoas que vão receber o passe. Tem uma diferença no Batuíra, porque não existe uma sala específica, o passe é feito dentro da sala que é feita a palestra pública, as pessoas permanecem nos bancos; no segundo momento agente vai até essa pessoa dar o passe que é diferente do da Regeneração, tendo em vista a questão física porque o Batuíra não tem esse espaço. Geralmente a pessoa que chega lá pra da passe ela é convidada por algum conhecido, não uma pessoa assim que nunca foi na casa e chega falando eu sou isso eu sou aquilo. Geralmente é um conhecido de alguém que a pessoa é convidada, alguém que já conhece seu trabalho (Suelen).
Como podemos perceber, a metodologia ritualística de cada grupo espírita diferencia-se de acordo com o espaço do grupo, da orientação da administração ou dos mentores espirituais da casa. A depoente esclarece, também, na sua entrevista, que alguns grupos não gostam de divulgar todas as suas técnicas de tratamento para não serem confundidos com as terapias alternativas ou interpretados como grupos esotéricos. As recomendações e orientações da Feego, da FEB, do Conselho Federativo Nacional e do Conselho Espírita Internacional sobre os procedimentos no tratamento espiritual não incluem rituais esotéricos ou de terapias alternativas, conforme item 3 do Quadro 12.
Quadro 12: Prática do Espiritismo
1. Toda a prática espírita é gratuita, como orienta o princípio moral do Evangelho: ‘Daí de graça o que de graça recebestes’. |
2. A prática espírita é realizada com simplicidade, sem nenhum culto exterior, dentro do princípio cristão de que Deus deve ser adorado em espírito e verdade. |
3. O Espiritismo não tem sacerdotes e não adota e nem usa em suas reuniões e em suas práticas: altares, imagens, andores, velas, procissões, sacramentos, concessões de indulgência, paramentos, bebidas alcoólicas ou alucinógenas, incenso, fumo, talismãs, objetos, rituais ou formas de culto exterior. |
4. O Espiritismo não impõe os seus princípios. Convida os interessados em conhecê-lo a submeterem os seus ensinos ao crivo da razão, antes de aceitá-los. |
5. A mediunidade, que permite a comunicação dos Espíritos com os homens, é uma faculdade que muitas pessoas trazem consigo ao nascer, independentemente da religião ou da diretriz doutrinária de vida que adotem. |
6. Prática mediúnica espírita só é aquela que é exercida com base nos princípios da Doutrina Espírita e dentro da moral cristã. |
7. O Espiritismo respeita todas as religiões e doutrinas, valoriza todos os esforços para a prática do bem e trabalha pela confraternização e pela paz entre todos os povos e entre todos os homens, independentemente de sua raça, cor, nacionalidade, crença, nível cultural ou social. Reconhece, ainda, que ‘o verdadeiro homem de bem é o que cumpre a lei de justiça, de amor e de caridade, na sua maior pureza’. |
Fonte: PROJETO Iluminar (2003)
Nota: panfleto da campanha de divulgação do Espiritismo.
No tratamento espiritual realizado pelas pessoas entrevistadas, 92% consideraram que obtiveram melhoras, 5% não obtiveram nenhuma melhora e 3% não responderam. Destas, 67% consideraram que tiveram uma melhora acentuada; 23%, uma cura completa ou definitiva; 8%, uma pequena melhora; e 2%, não responderam.
Segundo Canhadas (37) (2001, p. 146), no livro "A eterna busca da cura: uma visão holística de saúde interior",
pudemos constatar que a experiência com a cura espiritual ocorre igualmente, independente da religião, mesmo para aqueles que dizem ‘sem religião’, sendo significativo o percentual de pessoas pesquisadas que já experimentaram a cura, num total de 99 pessoas contra 34, ou seja, 74% da população pesquisada.
Para Canhadas (1999, p. 180) o "modelo teórico Kardecista [...] apresenta o homem como um ser triplo, composto de corpo-mente-espírito, indivisível. Esta visão de homem traz a unidade do ser".
Durante o tratamento espiritual, as entrevistadas participaram das seguintes atividades: receberam passes (32%), assistiram palestras (31%), fizeram cursos (19%), trabalham no grupo (15%), ministram passe (13%) e ministram palestras e cursos (6%). A atividade que mais ajudou, segundo as entrevistadas, nos resultados positivos do tratamento espiritual no espiritismo está representado na Tabela 7:
Tabela 7: O que Mais Ajudou no Tratamento Espiritual no Espiritismo
Energias espirituais | 55 | 89% |
Fé | 55 | 89% |
Palestras esclarecedoras | 51 | 82% |
Passes | 56 | 90% |
Oração | 55 | 89% |
Conhecimento da vida espiritual | 53 | 85% |
Tratamento de desobsessão | 39 | 63% |
Tratamento com água fluidificada | 53 | 85% |
Conhecimento da pluralidade das existências | 48 | 77% |
Tratamento em sanatório espírita | 2 | 3% |
Todas as alternativas apresentadas | 0 | 0% |
Outros fatores | 18 | 29% |
Total | 62 | 100% |
Fonte: a autora. Banco de dados da pesquisa de campo.
Vamos perceber que, novamente, a teodicéia espírita, especialmente pelo conhecimento da vida espiritual e da pluralidade das existências, pelo tratamento de desobsessão e pelas palestras esclarecedoras, contribuíram para uma melhora acentuada ou, em alguns casos, para a cura completa e definitiva dos problemas enfrentados. 94% das pessoas que não tiveram melhoras consideraram que houve mudança em seu modo de pensar e nas suas crenças e 6% não percebeu nenhuma mudança (Apêndice I).
As entrevistadas, também, apontaram os principais motivos que dificultam na obtenção de uma cura que transcreveremos no Quadro 13:
Quadro 13: Dificuldades para Obtenção de uma Cura
A compreensão do relacionamento familiar; é você não conseguir levar a família; a família tem resistência. |
A cura espiritual depende do merecimento e da condição espiritual. |
A entrega total, a confiança e a fé. |
A falta de conhecimento dos ensinamentos do evangelho, a descrença. |
A falta, a pouca ou não ter fé sólida; falta de persistência, de disciplina, de seguir um padrão de vida equilibrado, de acreditar, de vontade de querer, de paciência. |
A falta de permanência e de continuidade no tratamento; inconstância, pouca ajuda (auto-ajuda) a si própria; acho que é a disciplina, não seguir o tratamento, não ser assíduo. |
A mudança interior; a nossa reforma íntima, primeira coisa que temos que ter; a predisposição da pessoa mudar a sua prática e atitude; o esforço próprio. |
A vida material. |
É a pessoa entender e aceitar que precisa do tratamento espiritual, não estar aberta; falta de aceitação, de conhecimento, de esclarecimento, às vezes, a pessoa busca e não guarda devido repouso. |
Questões da personalidade, resistência; a rebeldia, a impaciência, o orgulho e o egoísmo. |
Nossa interferência; são as dúvidas; são os problemas externos que deixam invadir o espírito; fico lembrando dos problemas isso até na igreja Católica; não tenho sentido efeito; eu não acredito mais que existe saída para o meu problema espiritual; reincidência nos pensamentos negativos e destrutivos. |
Fonte: a autora. Banco de dados da pesquisa de campo.
Como pudemos perceber, as entrevistadas acreditam que a pessoa pode e deve colaborar com sua cura. Se não houver, também, uma predisposição, força de vontade, persistência, mudança de hábitos, pensamentos, atitudes e merecimento, ficará difícil o restabelecimento da nomia e da vida simbólica. A ajuda espiritual, segundo as respostas das entrevistadas, depende da pessoa que está em tratamento, o que corresponde às orientações das palestras, durante o tratamento espiritual, e da literatura espírita. Novamente, percebemos a influência da teodicéia espírita nos motivos pelos quais não se alcança a cura espiritual.
3.5 Relação Educação, Saúde e Religião
No depoimento a seguir, verificaremos a compreensão da entrevistada sobre a relação entre educação, saúde e religião:
A educação é um processo que você vai trabalhar, as duas coisas [saúde e religião]; você vai trabalhar com crianças, quando eu falo crianças não só o corpo docente como o discente, também, alunos e professores; pessoas que vem de diferentes culturas, de diferentes religiões, diferentes crenças. Na saúde você vai estar nas duas coisas, na sua vida pessoal, na sua vida educacional. A questão da saúde física e da saúde mental se você faz um casamento desses três [educação, saúde e religião], se as pessoas vão trabalhar num ambiente saudável. Onde se supõe que na religião trabalha valores éticos e morais. Um ambiente saudável com as pessoas que se respeitam você vai estar bem. Vai estar mais saudável é como se fosse um círculo vicioso. Dou uma boa aula ou me relaciono bem com os meus colegas; porque, também, eu tenho um respaldo, eu não estou tendo um auxilio físico, mas um auxílio, também, espiritual. Se você não crê em alguma coisa fica muito difícil (Maria José).
A depoente expõe o círculo vicioso e a inter-relação existente entre educação, saúde e religião, que pode auxiliar, também, profissionalmente mediante a vivência das dimensões física e espiritual. Uma vida saudável, segundo a entrevistada, beneficiará o ambiente, a pessoa e as relações humanas.
Eu acho que tem de estar juntas [educação, saúde e religião] a religião nos ajuda a conscientizar melhor sobre a vida e da necessidade que agente tem de mudar os nossos pensamentos. A saúde tem muita relação porque muitas vezes agente busca as doenças através dos pensamentos pessimistas, dos pensamentos tristes e deprimidos. A religião ajuda a mudar esses pensamentos e a educação também é muito importante por isso agente tem que se educar. Eu falo assim, muitas vezes você buscando alternativas lá fora no serviço assistencial, eu acho que isso ai está relacionada à educação e acho que onde agente estiver pode contribuir sim (Sandra).
Para essa outra depoente, a relação entre os três temas tem a ver com o equilíbrio e a disciplina do pensamento a fim de não gerar doenças. Caso o pensamento se desequilibre, poderá ser auxiliado e tratado com a religião e a educação. A reflexão apresentada pelas duas entrevistadas – a primeira professora, e a segunda, funcionária administrativa – representa, também, a influência da teodicéia espírita nas justificativas para a relação entre educação, saúde e religião e a influência do mundo espiritual – o invisível – no mundo material – o visível.
Dando continuidade a nossa reflexão sobre a relação entre educação, saúde e religião, vamos verificar 56% das entrevistadas tratadas no centro espírita tiveram sua doença diagnosticada pelos médicos e 39% não tiveram a doença diagnosticada ou não procuraram o médico. Com relação ao diagnóstico médico e ao tratamento indicado segundo as entrevistadas, as reflexões do primeiro capítulo sobre a saúde da trabalhadora em educação encontram-se no Apêndice J. Se cruzarmos esses dados com o do número de pessoas que respondeu se teve depressão (37 pessoas, que corresponde a 59% das entrevistadas), verificaremos que a maioria não buscou o médico, mas tratamento espiritual. Com relação à síndrome de burnout, podemos verificar que, possivelmente, a maioria foi diagnosticada como portadora de estresse, outro nome com que é conhecida essa doença, estresse laboral. Verificamos uma alta incidência de problemas físicos, nos quais fora recomendada intervenção cirúrgica pelos médicos, e algumas pessoas que buscaram a cirurgia espiritual não precisaram realizar a cirurgia física.
O alto número de remédios receitados podem ser, também, um outro motivo para a procura do tratamento espiritual, pois o custo dos medicamentos é alto – "a medicina oficial ela está muito mercenária, ela quer ganhar dinheiro. Na maioria das vezes os médicos estão patrocinados pelos laboratórios" (Suelen) – os remédios causam transtornos, pois ocasionam seqüelas e têm também contra-indicações; e o tratamento espiritual é gratuito, não tem contra-indicação, basta seguir as prescrições do centro espírita.
Pelas respostas aos medicamentos, eu não quis tomar os medicamentos de tarja preta, que foram receitados. Eu tive de ingerir uma pequena quantidade e passei muito mal. Então pra um tratamento menos agressivo, pro meu corpo, eu busquei o Espiritismo. E eu achava que minha depressão era devida alguma influenciação espiritual, que na verdade foi constado.[...] O psiquiatra diagnosticou que era uma depressão que eu deveria tomar os medicamentos. Foi o que eu fiz, comprei o remédio e fiz ingestão de umas duas vezes. O remédio me deixou pior. Eu senti que tive uma piora significativa. Não conseguia trabalhar porque o remédio não deixava, então por questão de sobrevivência mesmo, agente tem que trabalhar, resolvi não tomar os remédios e busquei uma terapia espírita. Fiz a entrevista, comecei a fazer o tratamento e comecei a ter uma melhora significativa. Assim as sensações de tristeza profunda foram diminuindo, aquela sensação de incapacidade, de não ter vontade de trabalhar, não ter vontade de me alimentar foram diminuindo gradativamente; até o momento em que eu me senti bem pra poder dar continuidade na minha vida (Elizangela).
O espiritismo não recomenda parar o tratamento alopático, ao contrário, orienta que a doença, quando instalada no físico, deve ser tratada, também, pela medicina convencional e, paralelamente, deve-se realizar o tratamento espiritual. Durante os congressos espíritas de Goiás de 2003 e 2004, a Associação Médica Espírita de Goiás e do Brasil orientou, rigorosamente, que não se devem abandonar os remédios, o tratamento com o psiquiatra ou com o psicólogo, quando as pessoas forem acometidas por transtornos mentais, mas devem-se realizar, conjuntamente, os tratamentos físico e espiritual.
Para 95% das pessoas entrevistadas, existe relação entre religião e saúde somente 5% acredita que não existe qualquer relação entre elas. A maioria (88%) considera que os profissionais da área de saúde devem diagnosticar e realizar o tratamento do corpo-mente-espírito dos pacientes, 10% considera que não. Pode-se perceber que a maioria acredita que deve haver uma mudança de postura, atendimento, diagnóstico e tratamento pelos profissionais da área da saúde. Observemos no Quadro 14 as respostas à pergunta sobre se os profissionais da área de saúde devem diagnosticar e realizar tratamento do corpo-mente-espírito:
Quadro 14: Os Médicos Devem Diagnosticar e Tratar do Corpo-Mente-Espírito
O homem é um todo é um ser holístico é um ser integral; as pessoas têm que preocupar com o conjunto que está interligado e não com as partes; a base do corpo é a mente e o espírito é eterno; a possibilidade de cura seria maior; é mais completa; nós não somos só corpo, somos três coisas, somos um todo; o corpo é integrado com corpo, o perispirito e o espírito são um conjunto; buscar as causas, os problemas e com isso melhorar as intervenções, o processo de cura, evitar tratamentos dolorosos e demorados. |
A gente só procura milagre para coisas que não tem soluções materiais. |
A mente passa para o corpo; às vezes as doenças que as pessoas têm não é só do corpo, pode ser espiritual; se o psicológico está doente, o remédio não faz efeito, isso reflete no seu corpo; o médico terá mais possibilidade de diagnosticar o porque dos problemas das doenças; ajuda o paciente a melhorar mais rápido; aquisição de equilíbrio emocional, um complemento, para que haja harmonia e para humanizarem. |
A resposta está na reencarnação; através do corpo-mente-espírito tem um diagnóstico das pessoas. |
Já foi comprovado cientificamente que somos dotados da bioenergia, então eu acho que os profissionais da área devam ter conhecimento, mas muitos são incrédulos; é um assunto discutido mundialmente; quando o profissional tem consciência poderá auxiliar no tratamento sem interferir na opção de cada um, no livre arbítrio de escolher a religião que quer. |
Nós convivemos com muitas pessoas, todas trazem uma bagagem grande de vida, tristeza e angústia, acabamos sendo um receptáculo de tudo isso; faz necessário que busquemos sermos tratados emocionalmente e espiritualmente. |
Fonte: a autora. Banco de dados da pesquisa de campo.
Pudemos perceber que a maioria respondeu, de formas diversas, que há necessidade dos profissionais da área da saúde diagnosticarem e tratarem os seus pacientes em todas as suas dimensões, como um ser integral e holístico. Essa reflexão da maioria das entrevistadas confirma as análises desenvolvidas por Canhadas (1999). Nesse sentido,
uma explicação para esse fato é que, em geral, os médicos alopatas não tratam das doenças psicossomáticas: doenças que se manifestam no corpo, mas possuem origem na alma – psico significa alma, soma é corpo. [...] A ocorrência de uma doença orgânica tem origem nos complexos que provocam alterações no nível fisiológico e psicológico. [...] O desenvolvimento dos conceitos de energia, matéria e espírito à luz do espiritismo, demonstram-nos que o cérebro não produz a inteligência, mas é um instrumento da mente, é um órgão como os demais, conduzido pela inteligência, pelos pensamentos e pela vontade do espírito (Canhadas, 2001, p. 57-8).
Novamente, nas respostas das pessoas e nas reflexões de Canhadas, percebemos a teodicéia espírita permeando a cosmovisão de mundo e a compreensão do motivo pelo qual a medicina deve mudar os seus paradigmas. Mesmo para as pessoas que responderam que os profissionais da área de saúde não devem diagnosticar e tratar o corpo-mente-espírito, verificamos, na maioria das respostas, a alegação da falta de conhecimento dos médicos para tal diagnóstico e tratamento como um dos principais motivos da não relação religião/saúde.
Eu costumava dizer que nós professores somos médicos de alma que nós temos o poder de construir uma pessoa e de destruir. Nós trabalhamos diretamente com a formação psicológica da pessoa, com a formação do ser humano, com a auto-estima da criança, do adolescente e do adulto. Então nós temos esse poder. Eu concordo mais do que ninguém que religião, saúde e educação tem tudo haver. Somos então médicos de alma (Antonia).
A depoente anterior afirma que as trabalhadoras em educação são médicas da alma por terem o poder de construir e de destruir e relaciona educação, saúde e religião com esse mesmo poder de persuasão. Se o ser humano está completo, com a auto-estima elevada, saudável em todas as suas dimensões, seja física, mental, emocional e espiritual, ele estará bem. Para isso acontecer, o lema do espiritismo "Fora da caridade não há salvação", segundo as depoentes, tem de ser colocado em prática. Como diz Canhadas (2001), é como uma rede, onde tudo está interligado e interdependente, o ser humano não é uma parte, é um todo, um ser integral e holístico.
As respostas relatadas neste estudo, entretanto, indicaram-nos que há uma insatisfação geral com o tratamento médico tradicional, quando este é dirigido apenas ao órgão doente e não cuida da pessoa. As pessoas portadoras de doenças incuráveis, tanto do corpo, como do espírito, dificilmente encontram respostas médicas para perguntas essenciais: Por quê? Para quê? Nesses casos, faz-se necessária a investigação dos fatores emocionais e espirituais da doença. [...] no desenvolvimento de nossos estudos, percebemos também que o cuidado voltado exclusivamente para a dimensão espiritual, próprio do ambiente religioso, também não se faz suficientemente forte para ajudar a pessoa de modo pleno. Essa descoberta levou-nos a conhecer a proposta terapêutica holística para cuidar do ser, introduzindo-nos no novo paradigma que rompe com a fragmentação, em busca da unidade (Canhadas, 2001, p. 233).
As afirmações anteriores de Canhadas (2001) foram também evidenciadas na nossa pesquisa de campo, conforme o Quadro 14 e o Apêndice I, J e K. Para finalizar, vamos resumir o que foi estudado ao longo dessa dissertação: retratamos os perfis pessoais, profissionais, da saúde e das doenças das trabalhadoras em educação; a experiência religiosa e a busca de tratamento espiritual no espiritismo, interagindo com diversos pesquisadores, com a literatura espírita e com as trabalhadoras em educação entrevistadas.