CAPÍTULO I
PROFISSÃO PERIGO!: RETRATO DA SAÚDE DAS TRABALHADORAS EM EDUCAÇÃO
Ser ‘humano’ significa ser ‘histórico’. Compreender um ser humano implica em partir do pressuposto de que cada gesto e cada palavra estão imediatamente inseridos num contexto muito maior, que transcende a ele e a sua existência. [...] todo o passado determina, constrói, reconstrói; explica, significa e re-significa o presente. [...] cada ação humana carrega em si toda a História da Humanidade e as possibilidades a serem re-desenhadas amanhã e é também portadora do futuro. (Codo; Vasques-Menezes, 1999, p. 41-2)
1.1 Algumas Funções, Papéis e Responsabilidades das Trabalhadoras em Educação
Como já mencionamos na Introdução, trabalhadoras em educação são todas as pessoas que atuam na educação básica pública. Segundo Rodrigues et alii (2003, p. 71),
professores e funcionários administrativos são os responsáveis, cada qual em sua área de atuação, pelo registro do cotidiano escolar. Cabe a eles e à direção da escola o papel de registrar, descrever, analisar, narrar as histórias que tecem a memória dos fatos ocorridos, gerando reflexão, avaliação, produção e apropriação do conhecimento produzido na práxis pedagógica e realizando a sistematização das decisões tomadas, das políticas geradas, da gestão do cotidiano dos alunos, professores, funcionários administrativos e familiares envolvidos no processo.
Para melhor compreensão dessa afirmação, abordaremos a seguir o conceito de educação que estamos adotando nesta dissertação valendo-nos do ponto de vista de uma entrevistada, a fim de procurarmos entender a complexidade e as exigências da profissão na educação.
As pessoas falam assim, por exemplo, em termos de Goiânia, o ciclo não está pronto, eu falo graças a Deus porque eu não acredito em coisas prontas, cada lugar é um lugar, cada pessoa uma pessoa, cada dia nós somos diferentes. Então, educação... ela tem que estar acompanhando esse processo, ela tem que ser dinâmica, não existe uma educação pronta acabada. [...] pessoas não querendo o novo, outro querendo impor o novo, mas isso tá provocando um debate, provocando discussão e vamos construindo uma educação verdadeira, uma educação libertadora, [...] estamos colocando nossos pontos de vistas divergentes ou não. [...] daqui pra frente agente vai conseguir realmente como falou Paulo Freire, ‘uma educação que liberte’ (Antonia).
Já para o Banco Mundial, a educação, segundo Torres apud Barros (2002, p. 25), não tem esse papel de educação processual, dinâmica, crítica, contínua e libertadora na qual os sujeitos interagem, debatem e divergem para, nesse caminhar, tornarem-se seres humanos integrais. Como poderemos perceber, para o Banco Mundial, a educação é essencial para o crescimento econômico e para uma sociedade capitalista:
É a pedra angular do crescimento econômico e do desenvolvimento social e um dos principais meios para melhorar o bem-estar dos indivíduos. Ela aumenta a capacidade produtiva das sociedades e suas instituições políticas, econômicas e científicas e contribuem para reduzir a pobreza, acrescentando valor e a eficiência ao trabalho dos pobres e mitigando as conseqüências da pobreza nas questões vinculadas à população, saúde e nutrição [...]. A educação básica proporciona o conhecimento, as habilidades e as atitudes essenciais para funcionar de maneira efetiva na sociedade sendo, portanto, uma prioridade em todo lugar (Banco Mundial apud Barros, 2002, p. 25).
Essa concepção do Banco Mundial demonstra a relevância da educação para o capitalismo (21) como promotora da difusão do conhecimento de acordo com as necessidades e demandas do capital, sendo a responsável em proporcionar habilidades facilitadoras para o aumento da produção e do crescimento econômico. Esse conceito de educação do Banco Mundial entra em choque com o conceito apresentado pela entrevistada, pois a mesma defende a educação focada na pessoa humana, no ser, não no ter (Freire, 2000).
Assim, a profissão da trabalhadora em educação tem, entre outras atribuições, a de formar o estudante formando-se ao mesmo tempo (Freire, 2000). Na forma de expressar da funcionária administrativa, perceberemos essa co-responsabilidade e interdependência refletida por Freire:
A gente cuida da limpeza geral da escola. Eu acredito [sou educadora] porque enquanto a gente tá limpando, muitas vezes, a escola chega aluno, agente está sempre conversando, muitas vezes até chamando a atenção deles, não suje o banheiro, não jogue água no chão e então eu acho a gente é um pouquinho educador sim. [...] Eu trabalho na limpeza, nos somos auxiliar administrativo mais na área de porteiro e servente (Sandra).
A pessoa que trabalha na educação geralmente tem família, filhos, e, para sobreviver, tem, muitas vezes, tripla jornada de trabalho, com uma média de 35 a 40 alunos por turma, ou até mais. Além disso, ela precisa estar atualizada diante das mudanças que ocorrem no mundo do trabalho, da educação, da sua cidade, do estado e do país; precisa lutar por carreira, salário, valorização profissional e direitos trabalhistas.
[...] Não é fácil você estar lidando com vidas e vidas e vidas futuro, e imagine você ficar de manhã, a tarde e a noite porque se você for observar a estatística, a maioria dos professores precisam, não é porque eles querem para fazer bonito [...] não, eles precisam para poder sobreviver, viver um pouco com dignidade. [...] para tentar melhorar o nosso salário, a nossa casa [...] (Catarina).
O depoimento anterior e o seguinte complementam-se e esclarecem, também, o papel, as responsabilidades e a função que o educador exerce na sua profissão, que ocasionam até o desejo de desistir da educação em função das exigências, cobranças e mal-estares vivenciados no cotidiano do trabalho:
Cada dia que passa está cada vez mais difícil de trabalhar com a educação. Eu já tentei sair da educação por três vezes e não consegui. [...] O atual contexto que eu estou em sala de aula 35 alunos, alunos difíceis de convivência, alunos sem limites, que a família nunca consegue por limite [...]. Tenho 05 turmas no Estado e 02 turmas no município [...] (Suelen).
Enfim, as trabalhadoras em educação desempenham múltiplas responsabilidades no cotidiano da escola, por exemplo planejamento escolar e elaboração do Projeto Político Pedagógico (PPP), algumas participam do Conselho Escolar, outras cuidam do espaço físico, dos multimeios didáticos, da segurança dos estudantes, da alimentação, da infra-estrutura escolar, acrescentando, ainda, na sua rotina, as funções que envolvem outras tarefas, como Programa de Desenvolvimento Escolar (PDE), Programas de Formação Continuada e de avaliação escolar (22). Segundo Rodrigues et alii (2003, p. 72), "todo esse processo de envolvimento nas discussões e na tomada de decisões no âmbito educacional gera uma sobrecarga de atividades". O depoimento da entrevistada logo a seguir irá esclarecer e contextualizar a afirmação de Rodrigues et alii (2003):
Eu convivo diariamente com 1.200 pessoas, são 1.200 alunos nessa escola, sem contar com pais ou os responsáveis, [...] além dos funcionários. É essa profissão que você acaba sendo o professor, o educador, um pouco mãe, um pouco amigo. Então sempre os problemas vêm pra cima da gente. [...] Fora o papel do que dizem que é minha obrigação eu tenho que cumprir 10 horas, 10 tempos na escola então se são 05 dias eu teria que cumprir 02 períodos, no entanto não é esse tempo que a escola necessita e também dentro do que eu tenho condição física de fazer. Então eu acho que o gestor [diretor] ele tem que estar integrado em tudo, pedagógico e administrativo, então desde uma coisa que estraga, desde o planejamento que vai fazer com a verba que vem pra escola, de estar promovendo conciliação entre as pessoas; porque no trabalho eu tenho 30 pessoas por turno, 30 funcionários por turno e as divergências tem que ser conciliadas é um papel imprescindível para o gestor. O pedagógico é minha paixão. Então [...] eu faço questão de acompanhar, eu sei de todos os projetos que estão sendo trabalhados, eu sei o que cada professor está fazendo nas 35 turmas nos três horários no ciclo 02, no ciclo 03, no EAJA de 1° a 4° e de 5° a 8°, eu acompanho tudo [...] (Antonia).
Considerando-se tudo isso, será que sobra tempo e dinheiro para estes educadores dedicarem-se à leitura, ao lazer, à diversão e, ainda, adquirirem bens de consumo essenciais na profissão deles, como o computador, a impressora e garantir o acesso à internet em casa? De acordo com a Tabela 1, podemos observar os reflexos da realidade educacional na leitura, no lazer, na diversão e na aquisição de bens de consumo essencial.
Tabela 1: Leitura, Lazer e Posse de Computador: Trabalhador(as) em Educação
HÁBITOS DE LEITURA | GOIÁS (%) |
Lê um ou mais livros por mês | 44 |
Lê de vez em quando | 24,6 |
Não costuma ler livros | 7,6 |
Não respondeu | 23,9 |
FREQÜÊNCIA QUE ASSISTE TV | |
Todos os dias | 31,7 |
De vez em quando | 19,5 |
Quase nunca | 4,7 |
Não respondeu | 44,1 |
FREQÜÊNCIA COM QUE VAI AO CINEMA/TEATRO | |
Uma ou mais vezes | 5,8 |
De vez em quando | 11,1 |
Quase nunca vai | 19,5 |
Não respondeu | 63,6 |
POSSE DE COMPUTADOR | |
Não tem | 55,3 |
Em casa | 17,8 |
No trabalho | 12,8 |
De amigos | 1,7 |
Cybercafé | - |
Outros | 0,7 |
N/r | 11,6 |
Fonte: Vieira (2003, p. 28-30; 43).
Legenda: N/r = Não respondeu
Como podemos observar, 44% das pessoas lêem mais de um livro por mês, o que não é um índice alto, ou seja, não chega a 50% das trabalhadoras em educação. Isso é estranho, haja vista que o universo da trabalhadora é a formação, o conhecimento, a informação e o saber. Na questão sobre a freqüência com que assistem televisão (31%), o índice denotou que ou as pessoas têm tripla jornada de trabalho ou só assistem TV nos horários vagos ou não gostam de televisão. O percentual no lazer e na diversão é alarmante, uma vez que 63,6% não respondeu e os que responderam "de vez em quando" foram os 11,1%, o que pode significar a falta de tempo e dinheiro para pagar uma sessão de cinema ou teatro. Estamos na era da informática, e 53,3% das trabalhadoras em educação não possuem computador, somente 12,8% o utiliza no trabalho. Esses dados podem evidenciar baixos salários, situação de precarização, desvalorização, analfabetismo em informática e falta de políticas públicas educacionais. Em resumo, a diversão, o lúdico e o prazer, conforme apresentado na pesquisa de Vieira (2003), está em baixa na área da educação.
Essa pessoa ainda é cobrada, avaliada pelo sistema e, até, se auto-avalia, e muitas vezes, se culpa pelos problemas enfrentados no local de trabalho.
Eu sentia é que agente tava passando na educação por um processo de mudança, era a implantação do ciclo, [a entrevistada está relatando sua experiência quando entrou na rede em 1999] na época eu [...] tinha uma grande responsabilidade porque eu sabia que os professores da aceleração, eles querendo ou não, eles funcionavam como protótipo da rede como modelo e o ciclo foi implantado de uma forma que agente não tinha preparação não teve esse respaldo da secretaria então você lidava com crianças com distúrbio de comportamento e não tinha uma equipe, como foi proposto uma equipe multidisciplinar (Maria José).
Em alguns momentos, as educadoras são responsabilizadas pelo fracasso escolar e pela falta de consciência cidadã dos estudantes, dos pais, das mães e da sociedade (Ceccon et alii, 1998). Essas trabalhadoras em educação assumem funções no trabalho cotidiano com os estudantes que não seriam sua atribuição, como a de psicólogo, psiquiatra, fonoaudiólogo, enfermeiro, assistente social, policial, pai, mãe, avôs e religiosos; em alguns momentos, isso acontece até entre os próprios colegas de trabalho (23).
As pessoas nos procuram pra desabafar, pra pedir conselhos e isso é uma sobrecarga muito grande de energias, são muitas energias negativas [...] Agente vive numa comunidade onde predomina o desemprego, baixa renda e violência. Estou convivendo diariamente, no meu caso na direção, são todos os dias praticamente 12 horas por dia com todos esses problemas: com crianças abusadas sexualmente, com violência contra a mulher, roubo e drogas. Isso é constante na nossa vida, nos educadores que trabalhamos no ensino público, estamos na periferia onde esses problemas aparecem; eu já trabalhei na rede privada e esses problemas existiam mais eles são mais camuflados. Aqui a pessoa não tem psicólogo, não tem acesso a um advogado então agente acaba aconselhando o direito deles, também, [...] nos procuram enfim pra vários motivos e isso vai nos gerando uma sobrecarga de energias [...] (Antonia).
Como podemos perceber pelos depoimentos, o trabalho da professora e da funcionária administrativa não se resume só nas competências estabelecidas nas leis educacionais, nos regimentos ou nos editais de concurso público. Em alguns casos, extrapola, como evidenciado nos depoimentos, o local de trabalho, envolvendo não só os conhecimentos aprendidos, mas também os seus sentimentos, afetos, experiências, vivências e as relações extra-muro do local de trabalho. Para refletirmos essa afirmação, apresentaremos no próximo sub-item uma descrição, análise e interpretação do questionário aplicado com as 62 pessoas, no qual procuraremos evidenciar o perfil pessoal e profissional das trabalhadoras em educação.
1.2 Perfil Pessoal e Profissional das Trabalhadoras em Educação Entrevistadas
As pessoas entrevistadas por meio do questionário (Apêndice A) espelham o perfil pessoal e profissional das trabalhadoras em educação e um possível retrato de como se encontra a educação em Goiânia nos anos de 2003 a 2004. Os dados da pesquisa de campo corroboram e complementam os resultados apresentados no livro Identidade expropriada: retrato do educador brasileiro, de Juçara Dutra Vieira (2003).
Como já mencionamos, a metodologia científica desse trabalho é qualitativa, fenomenológica e holística, assim, os dados aqui apresentados não refletem um estudo estatístico por amostragem mas, por intermédio do olhar das educadoras, poderemos compreender e retratar essa profissão e verificar as possíveis conseqüências desse trabalho na perda da saúde e a busca de tratamento espiritual para os males físicos, mentais ou emocionais.
Considerando-se as afirmações já desenvolvidas nesse capítulo, apresentaremos uma descrição dos dados da pesquisa de campo e uma análise dos resultados. Das 62 pessoas entrevistadas, 94% são do sexo feminino e 6%, do sexo masculino, índice que demonstra "o predomínio das mulheres nas escolas básicas" (Vieira, 2003, p. 11).
Segundo a pesquisa Retrato da Escola 3 (24), em Goiás, 81,2% dos que trabalham em educação são do sexo feminino e 17,3%, do sexo masculino.
Essa distribuição está estreitamente relacionada com a questão de gênero, pois condicionantes históricos levaram a mulher – quando pôde – a ocupar espaços nas áreas de saúde e educação, pelo parentesco com suas atividades domésticas (Vieira, 2003, p. 11).
Fazendo um paralelo entre os dados da pesquisa do mestrado com os da pesquisa Retrato da Escola 3, podemos perceber a manutenção das diferenças entre o gênero feminino e masculino na educação, mesmo havendo diferença na quantidade de pessoas entrevistadas nas pesquisas.
Com relação à faixa etária, a maioria encontra-se numa escala entre trinta e cinqüenta anos, sendo 33% entre trinta e quarenta anos e 33% entre quarenta e cinqüenta anos. Somente 6% das entrevistadas estão na faixa de 25 a 30 anos. Com o Gráfico 1, poderemos ter uma noção mais detalhada do perfil da idade das pessoas entrevistadas.
Gráfico 1: Retrato da Idade das Entrevistadas
Fonte: a autora. Banco de dados da pesquisa de campo.
Por esse índice, fica evidenciada a falta da faixa etária entre 18 a 25 anos, "isso significa falta de renovação de pessoal, baixos ingressos, desestímulo pela profissão" (Vieira, 2003, p. 13). Desse percentual total das pessoas representado no Gráfico 1, 72% tem filhos e 28%, não (Apêndice C). Considerando-se a cor/etnia, o percentual da branca é 44%, parda, 32%, negra, 15%, mulata, 6%, perfazendo um total de 53% de pessoas que se consideram afro-descendentes (25) e 3%, amarela. Segundo o estado civil, a maioria (39%) é casada, 29%, solteira, 19%, separada, 8%, companheira e 5%, viúva.
Segundo esses dados, o perfil pessoal das entrevistadas, na sua maioria, evidencia uma situação onde o retrato esboça um grupo de mulheres educadoras na faixa etária entre trinta e cinqüenta anos convivendo no mesmo ambiente de trabalho, algumas casadas, umas solteiras e outras separadas e, em sua maioria, com um a três filhos(as), tendo de administrar trabalho, família e educação dos(as filhos(as); autodenominam-se de diferentes cores, algumas, possivelmente, poderão não ter consciência de que são afro-descendentes, já que 32% se consideram pardas.
Depois de traçado o perfil pessoal das entrevistadas, traçaremos o perfil profissional. Observemos a Tabela 2, segundo a autodenominação de cada pessoa sobre a sua profissão:
Tabela 2: Retrato da Profissão das Entrevistadas
Profissão | |
Agente Educativa | 2 |
Auxiliar Administrativo | 2 |
Professora Bióloga | 1 |
Educador | 1 |
Fonoaudióloga | 1 |
Funcionária Pública | 3 |
Merendeira | 1 |
Monitora e artesã | 1 |
N/r | 1 |
Pedagoga | 7 |
Porteira Servente | 1 |
Professor(a) | 38 |
Psicóloga | 2 |
Psicopedagoga | 1 |
Total | 62 |
Fonte: a autora. Banco de dados da pesquisa de campo.
Legenda: N/r = Não respondeu
Como poderemos verificar, as pessoas que trabalham na educação não possuem uma identidade profissional única, existem várias denominações ou identidades profissionais para os cargos e funções que desempenham. A auto-representação com o título do curso superior ou da especialização ou do concurso público ou da formação política prevalece nas respostas das pessoas. Com base na identificação de cada uma com relação à profissão que exerce, verificaremos na Tabela 3 que a função desempenhada atualmente aumenta o leque das auto-representações profissionais das trabalhadoras em educação.
Tabela 3: Retrato da Função que Realmente Desempenham
Função ou cargo atual | |
Agente educativa | 1 |
Aguardando aposentadoria | 1 |
Apoio pedagógico | 4 |
Apoio técnico | 4 |
Aposentada | 3 |
Assessora técnica do CME | 1 |
Auxiliar administrativo | 1 |
Auxiliar de higiene e alimentação | 1 |
Auxiliar de secretaria | 1 |
Coordenador pedagógico | 1 |
Coordenadora de área | 1 |
Coordenadora pedagógica | 1 |
N/r | 2 |
Direção | 1 |
Diretora na rede municipal e coordenadora pedagógica no estado | 1 |
Dirigente sindical | 4 |
Educadora | 1 |
Fonoaudióloga educacional e professora | 1 |
Inspeção escolar | 1 |
Limpeza | 1 |
Merendeira | 1 |
Monitora e artesã | 1 |
Nada (lotada no recursos humanos) | 1 |
Porteira servente | 1 |
Professor(a) | 22 |
Psicóloga e supervisora | 1 |
Regente | 1 |
Secretaria | 1 |
Sindicatura | 1 |
Total | 62 |
Fonte: a autora. Banco de dados da pesquisa de campo.
Legenda: N/r = Não respondeu
Enquanto na identificação da profissão são 14 itens, na função desempenhada são 28 nomenclaturas de auto-identificação profissional. Aqui, não iremos analisar o significado nem o processo histórico ou a auto-representação simbólica da identidade profissional na educação, o nosso objetivo é o de apenas evidenciar o perfil profissional das entrevistadas segundo as respostas fornecidas.
Continuando o retrato do perfil profissional das entrevistadas, a maioria (30%) tem mais de 24 anos de serviço na educação; 16%, entre 10 e 13 anos; 15%, entre 4 e 7 anos; 8%, entre 7 e 24 anos; 6%, entre 19 e 21 anos; e 2%, menos de 1 ano a 4 anos. Esse tempo de serviço não corresponde automaticamente ao tempo na função desempenhada, que pode ser igual ou diferente dos dados apresentados anteriormente. Aqui, estamos apresentando o tempo total de trabalho realizado na educação. Das entrevistadas, 23% tem curso superior completo, 52% tem curso superior e especialização e 5% mestrado; 15% tem ensino médio completo e 3%, médio incompleto. Podemos observar que a maioria tem formação em nível superior e especialização, o que pode representar as exigências, as cobranças, a complexidade da profissão e a necessidade da formação continuada, de atualização sobre as mudanças que ocorrem em sociedade, no mundo do trabalho, nas ciências, nas metodologias e políticas educacionais. Poderemos perceber que 76% das entrevistadas realizaram cursos, treinamentos ou outras atividades de atualização profissional, 55% desempenham ou desempenharam outras atividades além das que são exclusivas da sua função ou cargo, evidenciando a polivalência e as multi-competências exercidas pelas entrevistadas e 42% exerceram somente a sua atividade (Apêndice C).
As entrevistadas trabalham na rede municipal de Goiânia (51%) e na rede estadual de Goiás (23%). Algumas atuam em duas ou mais redes ao mesmo tempo: 18% nas redes estadual e municipal; 3%, na estadual e particular; 3% na municipal e particular e 2%, nas três redes. Algumas trabalham em duas escolas (16%), em três escolas (6%) e em mais de três escolas (5%). A grande maioria trabalha em uma escola, perfazendo um total de 44%. Isso não significa atuar em um só turno de trabalho, têm casos de algumas pessoas atuarem em uma escola e trabalharem nos três ou dois turnos do seu local de trabalho, com uma carga horária de 60h ou até mais. Outro caso são de pessoas que exercem sua função na sede da Secretaria Municipal ou Estadual de Educação ou estão à disposição de outros órgãos ou entidade sindical, conseqüentemente, não estão vinculadas diretamente à escola, perfazendo, aproximadamente, 29% das entrevistadas.
Quem está vinculado à escola (28%), trabalha na educação fundamental e no ensino médio; 19% em outras etapas do ensino, especialmente na educação infantil, com uma média de turmas (31%) entre 21 e 35 estudantes e 18% entre 36 e 45 estudantes na educação fundamental; e, no ensino médio, 9% entre 21 e 35 estudantes e 4% entre 36 e 45 estudantes e outras (4%) mais de 55 estudantes.
Observemos no Gráfico 2 a situação salarial desses profissionais.
Gráfico 2: Retrato Salarial das Entrevistadas
Fonte: a autora. Banco de dados da pesquisa de campo.
A renda salarial de 56% das entrevistadas pode retratar a sobrecarga de trabalho e a desvalorização profissional, haja vista que algumas profissionais têm de trabalhar em dois ou três turnos para garantir uma receita que cubra as suas despesas, realidades que contemplam dois contratos na educação, aposentadoria mais outro contrato na educação, ou pode, também, representar os vencimentos salariais, sem outras complementações, sendo exercido em um único turno e rede pública.
A maioria das entrevistadas (76%) sobrevive com o salário da educação e 24% trabalha também em outras atividades para complementar a renda. Algumas (23%) já são aposentadas e ainda exercem a sua profissão em outra rede e 77% não tem nenhuma aposentadoria. A renda familiar demonstra que 44% estão na faixa de três a dez salários mínimos: 24%, de dez a vinte salários mínimos; 18%, de 1 a 3 salários mínimos; 8%, acima de vinte salários mínimos, e 6%, não informaram. Conforme o que foi apresentado sobre a renda salarial e familiar, "as despesas com alimentação, saúde, vestuário, transporte e moradia, quando conseguem atender esses itens" (Vieira, 2003, p. 19), atenderia também o lazer? Como já observamos e refletimos anteriormente na Tabela 1, o prazer proporcionado pelo lúdico e pelo lazer estão em baixa na educação.
Pelos dados apresentados do perfil profissional das entrevistadas, podemos perceber uma realidade que evidencia sobrecarga de trabalho e de atividades; uma profissão que exige qualificação, atualização e formação continuada; um relacionamento constante com outras pessoas, sejam os estudantes – que têm as suas individualidades, diferenças e exigências de aprendizado, comportamento e de carinho – ou os colegas de trabalho – alguns (27%) com um tempo de trabalho entre dez anos, uns (35%), entre dez e vinte anos, e outros (38%), entre vinte e trinta anos; um convívio permanente com pessoas de idades, personalidades, formação, experiências e vivências diferentes, conseqüentemente, essa profissão exige também paciência, tolerância, civilidade e afetividade.
A dissertação de mestrado de Delci de Souza Barros (2002) sobre A Evasão de Professores do Magistério Público Estadual em Goiânia revela dados que complementam o nosso diagnóstico sobre o perfil profissional e a realidade da trabalhadora em educação. Observemos a Tabela 4:
Tabela 4: Motivos da Evasão de Professores da Rede Estadual de Ensino em Goiás
MOTIVOS | P – I (7) | P–III (36) | P - IV (26) | P – V (1) | Total
|
Desvalorização da profissão e condições de trabalho precárias | 1 | 11 | 1 | 1 | 14 |
Discordância com a política educacional da rede estadual | 1 | 1 | 1 | - | 3 |
Falta de apoio (direção, coordenação e família) na solução de problemas com alunos | 1 | 1 | - | - | 2 |
Falta de esperança de melhorar | - | - | 3 | - | 3 |
Insatisfação com o salário | 5 | 22 | 14 | 1 | 42 |
Mudança de profissão | - | 2 | 1 | - | 3 |
Não-obtenção de licença para pós-graduação | - | 5 | 1 | - | 6 |
Preferência pela docência fora da rede estadual | 1 | 9 | 14 | - | 24 |
Gênero/questões familiares | 1 | 3 | 1 | - | 5 |
Relação com a diretora | - | 2 | - | - | 2 |
Total | 10 | 56 | 36 | 2 | 104 |
Fonte: Barros (2002, p. 69).
Como podemos observar, a insatisfação com o salário, a preferência pela docência fora da rede estadual, a desvalorização da profissão e as condições precárias de trabalho, pela ordem, foram os motivos mais indicados pelas pessoas entrevistadas para estarem deixando a rede estadual. Para exemplificar, Barros (2002, p. 87) traz o seguinte depoimento de uma de suas entrevistadas:
Na educação o que mais me aflige hoje, e creio que aflige a maioria dos educadores, é a sensação de incompetência diante de tantos problemas, tantos conflitos que estão chegando para o interior da escola. Fazemos avaliação e a cada ano estamos recebendo mais problemas de fora, tudo está sendo jogado dentro da escola, e nós ainda não estamos preparados para absorver essa avalanche de mudanças e vivemos em constante conflito por causa dessa transição de adaptação dessas mudanças com ritmo acelerado, essa impotência diante de tantos conflitos que estão presentes hoje na escola: violência, desestrutura familiar, a dificuldade de aprendizagem dos alunos, sabemos que está ligado a essas questões, a falta de compromisso da comunidade, dos pais, mas sabemos que por detrás disso tem uma explicação, as transformações que estão colocadas sem garantia de certas condições de trabalho.
Esse relato pode evidenciar também a realidade das trabalhadoras em educação entrevistadas das redes estadual e municipal. A adaptação às mudanças, as transformações, as condições e exigências profissionais podem ocasionar sentimentos de incompetência, frustração, decepção e insatisfação.
Juntando os perfis pessoal e profissional apresentados, poderemos formar um retrato dos profissionais que trabalham na educação e constatar que essa é uma profissão perigo, que poderá levar a um quadro de adoecimento das pessoas envolvidas. No próximo sub-item, demonstraremos a anatomia desse trabalho penoso, as conseqüências e o quanto essa profissão afeta a saúde da trabalhadora.
1.3 Anatomia de um Trabalho Penoso e suas Conseqüências
Com base nas reflexões expostas anteriormente, vamos apresentar nos parágrafos subseqüentes as conseqüências desta profissão na saúde. Observemos o Quadro 1:
Quadro 1: Anatomia de um Trabalho Penoso
Doenças psiquiátricas e neurológicas: trabalho que exige muita atenção com o público, conflitos nas relações pessoais motivados pela múltipla convivência, autoritarismo burocrático e excesso de responsabilidade. |
Calos nas cordas vocais: provocados pelo excessivo número de horas falando em alta voz. |
Problemas cardíacos: ocasionados pela falta de exercícios, de alimentação adequada e pelo estresse. |
Problemas de coluna: causados pelo grande número de horas em posição incômodas e uso de equipamentos não-ergonômicos. |
Irritação e alergias: especialmente na pele e nas vias respiratórias, provocadas pelo pó de giz. |
Varizes ocasionadas pelo longo tempo em pé, além de problemas circulatórios diversos. |
Fonte: Vieira (2003, p. 26).
Vamos verificar que essa anatomia de um trabalho penoso aparecerá nos resultados da pesquisa de campo desta dissertação. Das pessoas entrevistadas, 26% solicitou afastamento do trabalho e 66% faltou ao trabalho por diversos motivos, conforme verificaremos no Apêndice D. Verificaremos que o número de trabalhadoras que solicitaram licenças médicas por causa de depressão não corresponde ao número das pessoas que responderam terem tido essa doença (59%). Questão que será tratada em outro sub-item. As faltas ao trabalho poderão estar camuflando estresse, burnout ou outras doenças conseqüência da profissão laboral. Segundo as pessoas entrevistadas, elas faltaram ao trabalho por diversos motivos, desde problemas familiares e pessoais, doenças na família e com a própria pessoa, a participação em eventos, entre outros motivos (Apêndice D). Não temos como saber quantas faltas as pessoas tiveram num semestre ou num ano, pois não é esse o objeto de nossa pesquisa, mas seria um dado interessante para cruzarmos com os dados sobre o nível de burnout e depressão.
Foram evidenciados na pesquisa de campo, também, vários sintomas que representam sinais de estresse e intolerância que poderão levar uma pessoa a adoecer, trazendo como conseqüências problemas físicos, mentais ou emocionais (Limongi França; Rodrigues, 2002).
Eu fiquei encabulada quando eu fui ao psicólogo e ao psiquiatra em janeiro [2004], eu falei para ele, que lá parecia uma subsecretária, parecia um órgão da secretaria municipal de educação, de tantos colegas que eu encontrei fazendo consulta e tratando de depressão. Na escola no dia a dia estou vendo isso por causa da sobrecarga de dois, três turnos de trabalho lidando diariamente com tanta gente sofrida (Antonia).
Verificaremos a afirmação da entrevistada, também, nos sintomas apresentados no teste sobre nível de estresse e tolerância, no qual constatamos: 73% das entrevistadas com esquecimento de coisas corriqueiras, como o número de um telefone que usa freqüentemente, onde colocou a chave do carro etc; 73%, com ansiedade; 71% aceita novas responsabilidades, mesmo quando se sente sobrecarregado; 63% tem distúrbio do sono (dormir demais ou muito pouco); 56% fica impaciente quando pega um engarrafamento; 55% tem cansaço ao levantar; 53% tem tensão muscular, como aperto de mandíbula, dor na nuca etc; 52% tem irritabilidade excessiva; 50% ficam tensas quando esperam em uma fila; 40% tem a sensação de que não vão conseguir lidar com o que está ocorrendo e perdem o controle quando as coisas não vão como esperam; 39% das pessoas pensam em um só assunto ou repetem o mesmo assunto; 39% são intolerantes com as limitações dos outros; 39%, quando se sentem pressionadas, explodem; 37% das pessoas têm hiperacidez estomacal (azia) sem causa aparente; 35% tem vontade de sumir; 31% trabalha com um nível de competência abaixo do normal; 29% deixa os outros influenciarem a sua vida; 27%, quando espera alguém que está atrasado, emburra; 23% torna-se agressivas quando discordam delas; 18% sente que nada mais vale a pena; e 11% só vai ao supermercado se puder entrar na fila só para dez itens. Individualmente, 32 pessoas apresentaram uma porcentagem acima de 40% de todos os sintomas reveladores do nível de estresse e tolerância, sendo que 26 apresentaram entre 50% e 95% de todos os sintomas, 7 manifestaram menos de 10% de todos os sintomas e uma pessoa não respondeu a questão (Apêndice D).
Esse quadro dos sintomas apresentados é preocupante, pois, como verificamos anteriormente, as funções, os papéis e as responsabilidades na educação são complexas, exigem atributos, habilidades, competências e conhecimentos que, na maioria das vezes, devem ser dosados com muita paciência, tolerância e afetividade.
Estava muito estressada, esgotada e coincidiu de anunciar o Programa de Demissão Voluntária e, muito cansada, com filho pequeno, problemas domésticos, resolvi entrar na demissão. Fiz um balanço do que poderia perder e poderia ganhar e optei pelo filho e pela casa. Ficar em casa um período [no outro, trabalha na rede municipal], cuidando dos meus afazeres de mãe e de dona de casa (Barros, 2002, p. 88).
A decisão tomada por essa entrevistada pode representar a busca do equilíbrio biopsíquicossocial-espiritual. Segundo Lapo (apud BARROS, 2002, p. 58),
os múltiplos motivos que desencadeiam as ações podem ser desvelados ao considerarmos que as ações empreendidas pelas pessoas durante sua vida têm como finalidade a obtenção de um equilíbrio bio-psíquico-social que proporcione seu bem-estar e sua inserção satisfatória na sociedade.
De acordo com Esteve (apud Barros, 2002, p. 33-4), as condições exercidas no trabalho profissional geram
mal-estar docente (malaise enseignant, teacher burnout) emprega-se para descrever os efeitos permanentes, de caráter negativo que afetam a personalidade do professor como resultado das condições psicológicas e sociais em que exerce a docência, devida à mudança social acelerada.
Desse mesmo mal-estar, as funcionárias administrativas são também acometidas:
há os que têm um nível de escolaridade mais alto, reclamando, e com razão, de que seu trabalho é rotineiro, sem verem aproveitadas suas potencialidades; há os que se encontram com nível de escolaridade compatível com a função, mas sentem o tempo todo que precisam de mais, pois participam da educação e recebem condições de trabalho compatíveis apenas com lavar alfaces (Codo; Soratto, 1999, p. 367).
Tanto professoras como funcionárias administrativas sofrem do mal-estar profissional, que sempre refletirá no desempenho do seu trabalho e nas relações sociais. Se formos considerar as diferenças das complexidades exigidas de cada função, afirmaríamos, precipitadamente, que a professora está mais suscetível ao adoecimento. Essa afirmação carece de um estudo científico para corroborar tal hipótese. Por exemplo, se a professora ficar doente e precisar de faltar ao serviço ou pegar licença para tratamento de saúde será contratada uma substituta, ao passo que a funcionária não tem tal benefício, outra colega da escola ficará sobrecarregada (26). Essa realidade traz, provavelmente, conseqüências para a saúde das pessoas, para o seu trabalho profissional, para sua relação com os estudantes e com a sociedade (27).
Analisemos com atenção o seguinte depoimento:
Vários colegas eu já encontrei [adoecidos] [...]. Também aqui na escola, eu cheguei na sala dos professores, tinha uma professora deitada no chão na hora do intervalo, aquilo pra mim... Aquela cena não saiu da minha cabeça, um absurdo, fui conversando com ela e percebi a depressão que ela tava vivendo. Ela chegou a me pedir [diretora] me devolve pra secretaria faz qualquer coisa pelo amor de Deus, mas eu não consigo entrar mais na sala de aula. Então ela e os outros colegas eu indiquei que procurasse um médico, um tratamento [...] isso é constante na nossa profissão (Antonia).
1.3.1 A saúde mental das trabalhadoras em educação
A importância da saúde mental é reconhecida pela OMS desde a sua origem e está refletida na definição de saúde da OMS, como ‘não simplesmente a ausência de doença ou enfermidade’, mas como ‘um estado de completo bem-estar físico, mental e social’. [...] Sabemos hoje que a maioria das doenças mentais e físicas é influenciada por uma combinação de fatores biológicos, psicológicos e sociais (OMS, 2001, p. 13, 28).
Na definição de saúde acima, dada pela Organização Mundial de Saúde (OMS), e no quadro apresentado nos subtítulos anteriores, podemos perceber indícios de que a saúde mental das trabalhadoras em educação não anda nada bem. Vamos verificar que a maioria das pessoas entrevistadas (80%) não sabe o que é síndrome de burnout, somente 18% diz conhecer essa doença. Com relação à questão ‘você já teve essa doença’, ficou evidenciado o total desconhecimento por parte das pessoas entrevistadas, a maioria respondeu "não" e "não sei", outras, num total de 87%, não a responderam. Foram poucas as pessoas que, no momento de responder, confirmavam com convicção – por conhecer a doença – que não tiveram tal acometimento. Apenas 13% afirmaram ter a doença.
Com relação à depressão, 59% das pessoas entrevistadas consideraram que tiveram ou têm depressão e 39%, que não têm a doença, sendo que, das que tem depressão, 84% buscou ajuda em tratamento espírita; 78%, na religião, das quais 43%, no espiritismo; 8%, no catolicismo e espiritismo; 8%, na religião evangélica e espiritismo, e 3%, na Seicho-Noie; 70%, em livros de auto-ajuda; 54%, nos psicólogos e em remédios; 49%, sozinha e 41%, nos psiquiatras. Segundo as pessoas entrevistadas, 38% tiveram ou têm depressão há mais de um ano; 19%, há alguns dias; 16%, há mais de três meses; 8%, há duas semanas; 8%, há três ou cinco semanas; 5%, há dois meses e 3%, há uma semana.
Valendo-nos dessas respostas, podemos verificar a confusão presente com relação ao que sejam os sintomas que evidenciam depressão, estresse, síndrome de burnout ou, possivelmente, outro tipo de doença.
Estudiosos de diferentes culturas dão diferentes definições à saúde mental. Os conceitos de saúde mental abrangem, entre outras coisas, o bem-estar subjetivo, a auto-eficácia percebida, a autonomia, a competência, a dependência intergeracional e a auto-realização do potencial intelectual e emocional da pessoa. Por uma perspectiva transcultural, é quase impossível definir saúde mental de uma forma completa. De modo geral, porém, concorda-se quanto ao fato de que saúde mental é algo mais do que a ausência de transtornos mentais (OMS, 2001, p. 29).
Se saúde mental é "algo mais do que a ausência de transtornos mentais", então, a anatomia de um trabalho penoso (Quadro 1) pode demonstrar que a educação está adoecida. Pudemos verificar o desconhecimento sobre a síndrome de burnout durante a aplicação do questionário, quando a maioria das entrevistadas nos abordava perguntando: "o que é?; fala pra mim, talvez eu até tenha essa doença". Ao final da entrevista, eu explicava e a resposta era unânime: "eu tenho essa doença; é assim que eu me sinto"; porém, todas já tinham respondido que não tinham a doença, não sabiam ou deixava em branco. Com relação à depressão, nas conversas informais após ou durante a aplicação do questionário, o desconhecimento e o preconceito também ficaram evidenciados. Durante a coleta de dados nos órgãos responsáveis pelas licenças médicas, algumas pessoas demonstraram preconceito, deboche, casos como piadas e brincadeiras. Utilizaram expressões do tipo "é malandragem das pessoas; só querem ficar em casa; fulano já teve aqui não sei quantas vezes; os psiquiatras só dão licença, é um estressinho e querem licença". Algumas depoentes relataram casos, tanto no plano de saúde do estado como no município de Goiânia, de serem desacatadas, desrespeitadas e tratadas como se fossem objetos e não seres humanos que estiveram ou estão doente.
Os transtornos mentais e comportamentais exercem considerável impacto sobre os indivíduos, as famílias e as comunidades. Os indivíduos não só apresentam sintomas inquietadores de seu distúrbio como sofrem também por estarem incapacitados de participar em atividades de trabalho e lazer, muitas vezes em virtude de discriminação. Eles se preocupam pelo fato de não poderem arcar com suas responsabilidades para com a família e os amigos, e temem ser um fardo para os outros (OMS, 2001, p. 51).
Esse trecho, retirado do Relatório Sobre a Saúde no Mundo da OMS, corresponde ao relatado pelas entrevistadas. Infelizmente, constatamos, ao longo da pesquisa de campo, situações que evidenciaram preconceito, discriminação e desconhecimento por parte de algumas pessoas que trabalham na educação que influenciam, fazem e traçam políticas educacionais e públicas em Goiânia. Vamos, agora, entender um pouco o que venha a ser estresse, síndrome de burnout e depressão.
1.3.1.1 O que é estresse, sintomas e conseqüências
Eu tinha uma necessidade muito grande de alguém me escutar, o que estava acontecendo comigo, eu não consigo sorrir, eu não consigo me divertir, eu não consigo relaxar, eu só sofro é um sofrimento intenso; então eu achei alguém que falou, ‘o que você está sentindo é real o que você esta sentindo não é produto da sua mente é o seu corpo que esta reagindo ao que você está sentindo’. Eu me sentia mal por estar doente, mas vi que eu realmente precisava de ajuda (Maria José).
Aqui, está evidenciado o depoimento de uma entrevistada que relata a sua situação de estresse negativo, que teve como conseqüências burnout, depressão e também síndrome do pânico.
O estresse não é bom e nem ruim. Dependendo do organismo, dos fatores estressores – as causas, os porquês, as situações, os motivos – e da adaptação da pessoa às situações que exigem enfrentamento destes problemas, poderá ser positivo ou negativo, pois ele permeia a vida humana, é algo que está interligado a todas as dimensões – sociais, econômicas, culturais, ecológicas, religiosas e políticas:
O que é estar estressado? Estado do organismo, após o esforço de adaptação, que pode produzir deformidade na capacidade de resposta atingindo o comportamento mental e afetivo, o estado físico e o relacionamento com as pessoas (Limongi França; Rodrigues, 2002, p. 28).
Como podemos perceber, existe uma linha tênue que separa o estar com saúde e o estar doente, estressado. O estresse é algo natural na vida, mas tem alguns gatilhos que, quando acionados, podem ocasionar desequilíbrios, excessos, tensões e realizações sem resultados positivos, levando ao adoecimento.
Na situação particular, do stress relacionado ao trabalho, ele é definido como as ‘situações em que a pessoa percebe seu ambiente de trabalho como ameaçador’ a suas necessidades de realização pessoal e profissional e/ou a sua saúde física ou mental, prejudicando a interação desta com o trabalho e com o ambiente de trabalho, à medida que esse ambiente contém demandas excessivas a ela, ou que ela não contém recursos adequados para enfrentar tais situações (Limongi França; Rodrigues, 2002, p. 34).
Essa descrição anterior corresponde ao perfil pessoal, profissional e da anatomia de um trabalho penoso, assim como com o retrato da saúde da trabalhadora em educação (Apêndices C, D, J, L, K e M). A conseqüência do estresse é manifestada por doenças físicas das mais diversas e também por doenças mentais.
Quadro 2: Síndromes Associadas ao Estresse
SOMATIZAÇÕES São sensações e distúrbios físicos com forte carga emocional e afetiva. |
FADIGA Desgaste de energia física ou mental, que pode ser recuperada através de repouso, alimentação ou orientação clínica específica. |
DEPRESSÃO É uma combinação de sintomas, em que prevalece a falta de ânimo, a descrença pela vida e uma profunda sensação de abandono e solidão. |
SÍNDROME DO PÂNICO Estado de medo intenso, repentino, acompanhado de imobilidade, sudorese e comportamento arredio. |
SÍNDROME DE BURNOUT Estado de exaustão total decorrente de esforço excessivo e contínuo. |
SÍNDROME DO DESAMPARO Medo contínuo da perda do emprego, acompanhado de sentimento de perseguição e queda da auto-confiança. |
Fonte: Limongi França; Rodrigues (2002, p. 88).
O quadro anterior demonstra as conseqüências e as manifestações do estresse geradas em outras doenças, entre elas a síndrome de burnout e a depressão, que é também objeto de estudo nesta pesquisa.
1.3.1.2 O que é síndrome de burnout, sintomas e conseqüências
Não existe uma definição única na literatura internacional para a síndrome de burnout, há um consenso de que essa doença "seria uma resposta ao stress laboral crônico, não devendo contudo ser confundido com stress" (Codo; Vasques-Menezes, 2002, p. 240), seria uma doença profissional, pesquisada pioneiramente desde 1970 por Cristina Maslach, psicóloga social, e Herbert J. Freudenberger, psicanalista. Para esses autores, burnout seria
a resposta emocional a situações de stress crônico em função de relações intensas – em situações de trabalho – com outras pessoas ou de profissionais que apresentam grandes expectativas em relação a seus desenvolvimentos profissionais e dedicação à profissão; no entanto, em função de diferentes obstáculos, não alcançam o retorno esperado (Limongi França; Rodrigues, 2002, p. 50).
Há uma grande expectativa com relação à profissão que se está desempenhando, mas as frustrações, as decepções, os problemas, as desvalorizações, as condições de trabalho, a realidade, que não corresponde com o que é planejado, desejado, sonhado, e o contato constante com diferentes pessoas, possivelmente ocasionarão burnout. Essa doença é considerada uma síndrome porque tem três elementos básicos "que podem aparecer associados, mas que são independentes: despersonalização, exaustão emocional e baixo envolvimento pessoal no trabalho [ou redução da realização pessoal e profissional (28)" (Codo; Vasques-Menezes, 2002, p. 241).
Para compreendermos esses três sintomas ou aspectos da síndrome, observemos o quadro abaixo:
Quadro 3: Características, Sintomas e Conseqüências da Síndrome de Burnout
Exaustão emocional | O profissional sente-se esgotado, com pouca energia para fazer frente ao dia seguinte de trabalho, e a impressão que ele tem é de que não terá como recuperar (reabastecer) essas energias. Esse estado costuma deixar os profissionais pouco tolerantes, facilmente irritáveis, ‘nervosos’, ‘amargos’, no ambiente de trabalho e até mesmo fora dele, com familiares e amigos. |
Despersonalização | É o desenvolvimento do distanciamento emocional que se exacerba, como frieza, indiferença diante das necessidades dos outros, insensibilidade e postura desumanizada. O contato com as pessoas é impregnado por uma visão e atitudes negativas, freqüentemente desumanizadas, com a consciência de que em seu trabalho o profissional lida com seres humanos e com perda de aspectos humanitários na interação interpessoal [...] Como resultado do processo de desumanização, o profissional perde a capacidade de identificação e empatia com as pessoas que o procuram em busca de ajuda e as trata não como seres humanos, mas como ‘coisas’, ‘objetos’. Tende a ver cada questão relacionada ao trabalho como um transtorno, como mais um problema a ser resolvido, pois que o incomoda e perturba. Assim, o contato com as pessoas será apenas tolerado, e a atitude em geral será de intolerância, irritabilidade, ansiedade. |
Baixo envolvimento pessoal no trabalho ou redução da realização pessoal e profissional | A sensação que muitos têm é de que ‘estão batendo a cabeça’, ‘dando murro em ponta de faca’, dia após dia, semana após semana, ano após ano, o que desenvolve intensos sentimentos de decepção e frustração. Com o incremento da exaustão emocional e da despersonalização e todas suas conseqüências, não é raro um senso de inadequação e o sentimento de que se tem cometido falhas, com seus ideais, normas, conceitos. Pode surgir a sensação de que se tornou outro tipo de pessoa, diferente, bem mais fria e descuidada. Como conseqüência, surge queda da auto-estima, que pode chegar à depressão. |
Fonte: Limongi França; Rodrigues (2002, p. 51-52).
Fazendo um paralelo da descrição do Quadro 3 com os resultados apresentados nesse capítulo, podemos perceber que as entrevistadas, na sua maioria, enquadram-se nessa descrição, e pode-se confirmar o que foi evidenciado na pesquisa de campo sobre o desconhecimento da doença, salvo exceções.
Os depoimentos a seguir complementarão o estudo que estamos apresentando, a fim de evidenciar, nas falas das entrevistadas, como elas se sentem em relação à sua profissão:
Eu sentia assim muita tristeza desânimo e parece que todas as pessoas mesmo que quisesse fazer as coisas boas pra mim, tudo de bom pra mim; eu sentia que não era verdadeiro eu olhava para as pessoas e percebia que não era verdadeiro, aquela desconfiança, mais parece que ninguém estava querendo o meu bem todo mundo queria era o mal e não o bem [...] não cheguei a ter conseqüência serias não, mais assim discussão, muitas vezes por essa ansiedade por essa depressão porque eu tinha momentos de discutir com as pessoas não sabia relevar as coisas nem perdoar e hoje em dia eu aprendi muito isso graças a Deus (Sandra).
Nesse depoimento, a entrevistada, funcionária administrativa da rede municipal, descreve a situação que ela vivenciou, evidenciando mais indícios de burnout que de depressão (29). Complementando, segundo Codo (1999b, p. 242), a pessoa sente uma grande irritabilidade "ele sofre: ansiedade, melancolia, baixa auto-estima, sentimento de exaustão física e emocional [...] essa dificuldade em lidar com a afetividade se traduz numa lógica mais depressiva".
Eu estava trabalhando um período estudando outro e comecei a sentir um certo cansaço, depois um certo esquecimento e assim eu já estava com um nível de estresse bem acentuado e adoecia sempre de uma coisa e outra, comecei a gripar coisa assim física [...] o cardiologista falou que eu estava com palpitações, mas que eram por estresse perguntou meu ritmo de vida de trabalho e ele falou que era estresse. [...] comecei a me sentir incapaz diante dos problemas; e quando você leva pra frente os colegas não entendem as coisas que eu tinha de choro na escola; eu sentia uma ansiedade tamanha eu estava na sala começava a passar mal eu ia escrever no quadro e eu não dava conta; eu parei de fazer planejamento por mais que a sua aula seja diferente você planeja o que você vai trabalhar eu colocava muitos livros, discos, musicas, filmes e eu passei a não fazer mais isso; eu passei realmente a ser uma professora de quadro e giz; tudo que eu fazia não dava certo e eu me sentia desmotivada e quando você vai dividir isso com alguém parece preguiça; eu me lembro bem que as pessoas falaram ‘não é porque você tem um marido bom que você não precisa trabalhar, se você precisasse você não tinha isso’; ‘ah você tá sem dormir é porque você não cansa se você lavasse uma mala de roupa você ia ficar tão cansada que você ia dormir’; ‘não você tá com medo isso é bobagem é frescura pânico não existe depressão não existe’, então era muito difícil (Maria José).
Nesse depoimento de uma professora da rede municipal que já passou por licenças médicas, por diversos profissionais da área da saúde e encontra-se readaptada para outro órgão, pode-se evidenciar um quadro que começou com síndrome de burnout e desembocou em depressão e síndrome do pânico. Infelizmente, o desconhecimento, o preconceito e os rótulos negativos imputados às pessoas que têm problemas com a saúde mental fica evidenciada na fala da entrevistada.
Na educação, realizou-se uma pesquisa pelo Laboratório de Psicologia do Trabalho da Universidade de Brasília (UnB) contratado pela Confederação Nacional dos Trabalhadores em Educação (CNTE), e o resultado foi publicado no livro Educação: carinho e trabalho – burnout, a síndrome da desistência do educador, que pode levar à falência da educação, em 1999, pela editora Vozes. Segundo o estudo coordenado por Codo (1999b, p. 250), a
amostra nacional de quase 39.000 trabalhadores em educação foram identificados 31,9% apresentando baixo envolvimento emocional com a tarefa, 25,1% apresentando exaustão emocional, e 10,7% com despersonalização [...] pela incidência, em nível preocupante, de pelo menos uma das três subescalas que compõem burnout, estaremos falando de 48,4% da categoria.
Para essa amostragem, analisaram-se os depoimentos, entre outros recursos de pesquisa, para explicitar que uma trabalhadora que entra no estado de burnout apresenta determinadas características no seu trabalho cotidiano, tais como frieza ante seus clientes, no caso da educação, referindo-se à relação professora-estudante, funcionária-estudante, profissionais entre si e profissionais-sociedade. Nesse sentido, as relações interpessoais são cortadas, ou seja, desprovidas de calor humano.
Tabela 5: Porcentagem da Síndrome de Burnout em Goiás
SÍNDROME DE BURNOUT | Baixa | Moderada | Alta |
Despersonalização | 68,8% | 20,5% | 10,6% |
Envolvimento Pessoal | 25,8% | 32,1% | 41,9% |
Exaustão Emocional | 42,5% | 27,0% | 30,3% |
Fonte: Codo; Vasques-Menezes (1999b, p. 252).
Codo (1999) esclarece que a síndrome de burnout é um problema de saúde mental que pode levar a educação pública à falência, fazendo-se necessário o reconhecimento das autoridades sobre a epidemia que está se instalando e a necessidade de implantação de políticas públicas para sua prevenção, seu diagnóstico e tratamento. O público-alvo das trabalhadoras em educação são os seres humanos em suas diversas fases, seja num contato com estudantes, com colegas de trabalho e com a sociedade em geral. Assim, é relevante e urgente a apropriação do que seja essa doença, sua conseqüência para o trabalho, para a educação, para a vida pessoal e familiar, para a sociedade, bem como é necessário traçar políticas públicas para o seu tratamento e prevenção.
1.3.1.3 O que é depressão, sintomas e conseqüências
A depressão se caracteriza por tristeza, perda de interesse em atividades e diminuição da energia. Outros sintomas são a perda de confiança e autoestima, o sentimento injustificado de culpa, idéias de morte e suicídio, diminuição da concentração e perturbações do sono e do apetite. Podem estar presentes também diversos sintomas somáticos. [...] o diagnóstico de transtorno depressivo se faz somente quando os sintomas atingem certo limiar e perduram por pelo menos duas semanas (OMS, 2001, p. 57).
A depressão é uma doença que requer "tratamento médico e psicológico, apresenta vários sintomas de intensidade variável e pode comprometer de forma muito importante a vida das pessoas" (Limongi França; Rodrigues, 2002, p. 104). Para essa doença, não existem barreiras, suas causas são um somatório de múltiplos fatores – sociais, psicológicos, profissionais e de saúde física –, qualquer pessoa poderá um dia ser acometido com os sintomas depressivos. Pasquali e Tracco (2003, p. 13, 43-4) esclarecem que
segundo estatísticas médicas, no ano 2020, a depressão será a segunda moléstia que mais roubará anos de vida útil da população em geral [...]. Segundo a Associação Nacional de Depressivos e Maníaco-Depressivos dos Estados Unidos, os pacientes costumam sofrer em média oito anos e passar por cinco médicos antes de chegar a um diagnóstico correto e ao tratamento que lhes dará alívio [...]. Localizada na parte mais nobre do corpo, o cérebro, a doença se esconde em meio aos 100 bilhões de neurônios. O que o paciente sente pode ser confundido com pensamentos de tristeza ou emoções mais profundas e complicadas.
Doença que afeta a mente e o corpo, os sintomas são físicos e psicológicos, mas a natureza exata da doença varia de uma pessoa para outra, ou seja, uma determinada pessoa pode apresentar a predominância de alguns sintomas da doença que diferem dos sintomas predominantes em outra (30). Classificada como transtorno afetivo bipolar, episódio depressivo, transtorno depressivo recorrente, transtorno persistente do humor e outros transtornos do humor, segundo a Classificação Internacional de Doenças (CID 10) da Organização Mundial da Saúde (OMS) em função do perfil sintomatológico, da gravidade, do padrão de recorrência e do curso (Moreno, 2003, p. 15).
Quadro 4: Sintomas e Conseqüências da Depressão
Uma ‘lentificação de processos psíquicos’ de gravidade variável que dificulta o raciocínio por lentificar os pensamentos, causa redução da capacidade de organização e planejamento, da concentração e, conseqüentemente, da memorização. |
Tais alterações afetivas e cognitivas ‘são acompanhadas de uma distorção para o negativo’ dos afetos (sentimento e emoções) e dos pensamentos (idéias) que integram a mente. |
Assim, surgem sentimentos/sensações de sofrimento (angústia, culpa, ressentimento, tristeza, mágoa, vazio, falta de sentido, insegurança, baixa auto-estima etc.) e pensamentos negativos recorrentes (fracasso, inutilidade, morte, doença, ruína financeira, auto-recriminação etc.). |
Eles aparecem na forma de ruminações depressivas e se associam a um aumento de preocupações e à sensação de que ‘tudo é difícil, complicado’. [...] ocorrem ainda falta de vontade, indecisão e falta de iniciativa. |
Os principais sintomas fisiológicos são a insônia – tipicamente o despertar precoce – ou a hipersonia, a falta ou o aumento de apetite e peso, a queda de libido e dores ou sintomas físicos difusos não-explicados por outro problema médico. |
Fonte: Moreno (2003, p. 14-5).
Outros dados apresentados por Veja apud Vergara (2000, p. 38-9) reforçam a seriedade que devem ser tratados e acompanhados os casos de depressão. Em depoimentos dados por trabalhadoras em educação à autora da pesquisa foram relatados casos de desrespeito, zombaria, descaso, piadas das colegas de trabalho, censuras, bem como o de perguntas do tipo "Você tem empregada doméstica?", e, diante da resposta afirmativa, a colega de trabalho aconselhou-a a dispensar a empregada, pegar uma trouxa de roupa e lavar, que "aquela preguiça passaria". Esse é apenas um dos casos diante do qual, durante a entrevista, a professora se emocionou e manifestou sua revolta e indignação ante os comentários dos colegas de trabalho. Ao final, ela relatou que ficou aliviada, pois essa mesma pessoa teve depressão e pediu-lhe desculpas porque tinha percebido que é uma doença grave.
A depressão é a doença que mais acomete as mulheres e é a quarta mais comum entre a população em geral, segundo a Organização Mundial de Saúde. [...] 33% dos filhos de pai e mãe depressivos têm depressão. O suicídio é responsável por 15% das mortes de pessoas depressivas. A depressão custa 44 bilhões de dólares ao ano para os Estados Unidos. O mundo gasta 7 bilhões de dólares por ano com antidepressivos. É o segundo medicamento mais vendido, o primeiro é os remédios para doenças cardiovasculares.
Na verdade, os médicos utilizam o termo depressão para descrever uma doença clínica considerada grave, cujos sintomas podem durar vários meses, ou até anos, ao contrário das reações que todas as pessoas têm, quotidianamente, caracterizadas por fases de baixo-astral e tristeza, mas que podem passar rapidamente, o que não é o caso do quadro depressivo. As pessoas neste estado, quando procuram ajuda, fazem-no em diversos segmentos, não só na medicina oficial, mas na terapia alternativa e em diversas religiões.
1.3.1.4 Comparativo entre síndrome de burnout e depressão e alguns relatos sobre essas doenças
Vejamos, no Quadro 5, um comparativo entre síndrome de burnout e de depressão.
Quadro 5: Comparativo entre Síndrome de Burnout e Depressão
SINTOMAS DA SÍNDROME DE BURNOUT (Codo; Vasquez-Menezes, 1999b) | SINTOMAS DA DEPRESSÃO |
1. Exaustão emocional: sentimento de não poder dar mais; sentimento de que os problemas que lhes são apresentados são muito maiores do que os recursos de que dispõe para resolvê-los; falta de esperança; crença de que seus objetivos no trabalho não serão alcançados; sentimento de que o trabalho exige demais de si mesmo; baixa auto-estima profissional, caracterizada por sentimentos de impotência e insuficiência; sente-se esgotado, cansado, sem energia, de forma persistente; pouca importância dada ao trabalho; sentimento de frustração e insatisfação relacionados ao trabalho; pouca motivação, poucos interesses e ideais; sentimento de desgaste e esforço ao lidar com as pessoas de sua clientela. 2. Despersonalização: sentimento de não querer dar mais; sentimento de relacionar-se com pessoas de sua clientela como se fossem objetos; distanciamento emocional; sentimento de perda da sensibilidade para com os problemas apresentados pela clientela (a partir do exercício do trabalho); adoção de atitudes e comportamentos mecânicos, burocratizados; problemas de relacionamento com colegas; evita contatos físicos e emocionais com colegas e clientes; presença de atitudes cínicas em relação ao trabalho, clientela e organização (a partir do próprio trabalho); atitudes críticas e negativas em relação ao trabalho, organização e clientes (a partir do trabalho); ausência de confiança relativa à organização, colegas e clientes. 3. Envolvimento pessoal: apresenta motivação, interesse, ideais; possui estímulo, acreditando naquilo que faz e no que poderá vir a realizar; lida bem com os problemas apresentados pela clientela, facilitando a emergência de um bom ambiente de trabalho; possui sentimento de querer ajudar ou realizar pouco mais do que aquilo que já vem fazendo; procura envolver-se no trabalho, de forma a dar solução aos problemas; é capaz de colocar-se no lugar do outro, sensibilizando-se com sua problemática e procurando soluções para suas dificuldades. (Dimensões de burnout para pontuação das entrevistas) | 1. Tristeza, ansiedade, irritabilidade, medo; 2. Insegurança, indecisão; 3. Falta de prazer; 4. Fadiga, cansaço; 5. Concentração e atenção reduzidas; 6. Auto-estima e autoconfiança reduzidas; 7. Idéias de culpa e inutilidade; 8. Visão desolada e pessimista do futuro; 9. Desejo de não estar vivo, de querer morrer ou de se matar (suicídio); 10. Sono perturbado; 11. Apetite alterado para mais ou para menos; 12. Queda do desejo e do desempenho sexual; 13. Queixas físicas variadas: dores de cabeça, diarréia, falta de ar... As depressões podem ser de diversos tipos, a depender dos critérios que se utilizem para sua caracterização: depressões primárias, quando são originárias de disfunções do sistema de neurotransmissão, devidas principalmente a fatores genéticos; depressão secundaria, quando surge devido a possíveis alterações da neurotransmissão causadas pelo uso de medicamentos ou presença de outras doenças clínicas. |
Fonte: Codo; Vasques-Menezes (1999b, p. 245); Miranda-Scippa; Oliveira, ([19– –], p. 9-10).
Como podemos perceber, o fio que separa essas duas doenças é tênue, a síndrome de burnout poderá causar a depressão se não for tratada a tempo. Estes sofrimentos mentais e físicos, caracterizados, conforme o Quadro 5, pela síndrome de burnout e pela depressão, geram instabilidades, desordens e caos na vida da trabalhadora em educação, pois a vida com sentido, com significado e prazerosa não existe mais.
Para evidenciar o que acabamos de analisar, selecionamos três depoimentos de entrevistadas que tiveram como diagnóstico médico a depressão, mas nos quais podemos perceber os sintomas e sinais do estresse e da síndrome de burnout. As experiências e vivências de cada uma falam por si, não faremos nenhuma reflexão, pois acreditamos que elas já foram realizadas nos parágrafos anteriores.
Nesse ano passado de 2003, um ano muito intenso a escola que tem um processo muito dinâmico eu cheguei no mês de janeiro com uma depressão muito grande eu vivia não querendo ver ninguém, chorando sem saber porque muito angustiada e eu procurei um médico tal e foi diagnosticado uma depressão.[...] agora de ter crises de chorar, de não querer ver ninguém, de muita angustia e insegurança foi agora no mês de janeiro de 2004. [...] [Você tirou licença médica?] Não. [Por que o seu médico não te deu licença médica?] Não eu não quis por causa da minha função, primeiro era no mês de janeiro eu tava praticamente em recesso, tava trabalhando de forma que eu dava conta. Agora na função que eu estou exercendo, atualmente, uma licença médica era complicado porque a direção da escola é difícil ter alguém pra ficar no seu lugar essa possibilidade é complicada pra escola (Antonia).
Eu estou afastada, eu tive um problema de depressão, um transtorno do pânico [...] estou à disposição da câmara municipal dos vereadores, não estou trabalhando. [...].Ele [o médico] me pediu que eu tentasse uma readaptação de função porque o nível [de depressão] que eu estava precisava me afastar pra me tratar. [...] Porque eu já estava com crise de pânico, eu nem estava caminhando para uma crise eu já estava com uma crise de pânico e sugeriu que eu fosse ao psiquiatra [...] Você fica muito intolerante a barulho, por exemplo, o barulho de criança que é normal porque criança nenhuma é estática, ela conversa, ela arrasta a carteira, ela deixa o material cair o tempo todo; eu não suportava o simples fato da criança mexer na carteira aquilo era um barulho intenso na minha cabeça, então eu tinha medo de agredir por várias vezes eu tive medo de agredir aquelas crianças. Uma vez eu não agredi a criança, mas eu peguei a mesa e bati várias vezes no chão pra não ir na criança mesmo. Esse dia foi o último dia que eu entrei numa sala de aula, foi em 2002. Porque eu cheguei no meu limite, quando eu vi do que eu era capaz, que se não estivesse entre mim e aquele aluno uma mesa eu poderia agredi-lo; eu saí [da escola] com licença ou sem licença. Eu falei, eu não volto mais, não tem condições, eu não vou fazer isso comigo, nem com eles. [...] Ter depressão é sinônimo de doido. Eu procurei o psiquiatra, ele escutou tudo e eu contei todos os sintomas; ele diagnosticou primeiro uma depressão e um transtorno de ansiedade com crise de pânico ele passou logo de cara 04 remédios e uma licença de 03 meses. [...] Dobrou a medicação [...] quando eu parei de contar já havia dado 16 remédios. [...] eu me lembro que nos estamos aqui no ambiente onde eu passei quatro meses, eu não gostava muito de sair daqui; eu não conseguia na verdade. [...] Tomava remédio pra dormir e de manhã eu tomava um que dava mais energia [...] já à tarde eu tomava outro pra controlar a minha ansiedade. Eu falava, eu não entendo, eu tomo um à noite pra dormir, um de manhã pra acordar, um à tarde para controlar a minha ansiedade, eu me sentia um iôiô [...] os quatro psiquiatras que eu procurei [...] falava você vai dormir e meu marido sempre presente – ‘ela vai dormir de 12 a 14 horas não se preocupe’ – e o máximo que eu dormia era de 2 a 4 horas; com o remédio eu acordava muito pior, porque eu acordava sedada e chorava o dia inteiro (Maria José).
Assim, os sintomas que eu sentia é... Eu sentia assim um aperto na cabeça, dormência nos braços, nas mãos, cheguei a adormecer a língua, cheguei a ficar assim paralisada sem andar e ter que andar em cadeira de rodas, eu sentia muito medo né, um pânico muito grande um aperto muito grande, assim, no meu peito, eu tive que recorrer assim a vários especialistas, porque eu sentia tudo né, eu cheguei a ir no cardiologia, neurologista, e gastro e [tentando saber o que era?] tentando é porque eu sentia tudo não era nem tentando pra mim já era certeza de que eu tinha tudo porque eu sentia tudo quanto é coisa me doía. [...] Sou professora, então influenciou muito porque eu não era dona dos meus atos. Eu não era dona dos meus pensamentos. Eu não conseguia controlar emocionalmente, eu não agüentava nem pessoas conversarem perto de mim, o mesmo barulho me incomodava, então eu fiquei praticamente inutilizada, mesmo pra desenvolver a minha função (Catarina).