Introdução

Para explicar o processo de publicação de normas no Brasil, faz-se necessário, acrescentar alguns elementos fundamentais nesse processo histórico jurídico, como por exemplo, que o Brasil foi Colônia de Portugal, por mais de três séculos, que, portanto, durante esse larguíssimo lapso temporal as normas eram em partes normas Portuguesas aplicadas na colônia, mas também normas adaptadas especificamente para a colônia, além de normas entre os próprios índios, ou seja, observadas só entre eles, o que sem dúvida torna o ordenamento jurídico Brasileiro, a nosso juízo um ordenamento distinto.

Mas possivelmente o dado mais relevante, é o fato de que já na chegada dos europeus a colônia, ali já existia cerca de 5 milhões de nativos que habitavam essas terras, sendo que os mesmos tinham seu próprio estatuto, ou seja, sua organização social, política e administrativa.

Com relação à organização social, por exemplo, a quantidade de pessoas que se organizavam em grupos, os povos tupi-guarani se dividiam em aldeias que variavam entre os seus 500 e 750 habitantes. A presença da aldeia era temporária e todo o seu contingente era dividido entre seis a dez casas, que seriam suas ocas (tipo de construção) sendo que cada uma delas poderia variar de tamanho e comprimento de acordo com as necessidades materiais e culturais de cada aldeia. Da mesma forma, os índios contavam com sua organização política e jurídica[1], como por exemplo, a eleição do chefe, na esfera jurídica, as regras de matrimonio, herança, “questões judiciais” para dirimir os conflitos internos e com outros grupos nativos. Com a chegada dos portugueses começa um processo de europeização, no sentido de primeiro impor aos colonizados a lei de Portugal, impondo por exemplos as normas, a cultura o idioma.

Ocorre que mesmo com o conjunto normativo editado pelo governo colonial, e teoricamente os índios deveria estar baixo tal ordenamento jurídico, porém entre a população indígena, ou seja na relação entre eles prevaleciam suas próprias leis, e que de certa forma, por falta de controle do próprio Estado, o por razões aqui não comentadas por não ser o espaço adequado para não distanciarmos do tema central, as leis vigentes entre eles, para temas como matrimonio, herança, penais, eram aplicadas as normas dos próprios índios.

Portanto, se pode afirmar que no sistema jurídico Brasileiro, durante o período de colonização, e continuando no pós colônia, até os dias atuais, com relação à norma dos índios, e normas para os índios sempre existiu dois estatutos, ou seja, um com relação à regular direito entre índios e europeus (colonizadores) e outro para regular relação entre os próprios índios.

Atualmente, a lei 6001/1973, conhecido como Estatuto do índio, ainda que seja uma norma editada pelo sistema jurídico nacional, dentro de um Estado federado como é o caso do Brasil, o texto apresenta signos de uma norma voltada para regular direito diferente do conjunto da população nacional,
por exemplo o capitulo que trata dos direitos civis e políticos dos índios, o artigo 6º. De forma taxativa descreve: “Serão respeitados os usos, costumes e tradições das comunidades indígenas e seus efeitos, nas relações de família, na ordem de sucessão, no regime de propriedade e nos atos ou negócios realizados entre índios, salvo se optarem pela aplicação do direito comum.”[2] (destaque nosso)

Se observado a parte que destacamos, a norma diz que com relação às questões de direito de família, no direito sucessório deve ser observado os costumes e tradições das comunidades indígenas, ou seja, suas leis e regulamentos. Da mesma forma que na seqüência do dispositivo citado, fala que em se tratando de negocio entre os índios, prevalecem suas leis, salvo se estes optarem pela lei comum, o que de nossa parte, pela experiência vivida não acreditamos nessa hipótese.

Da mesma forma quando se trata de registro civil[3], o diploma legal citado fala que deverá existir livros próprios para registro de nascimento, óbito, casamento, uma clara e evidente situação de dois estatutos, ou seja, um para os índios com relação aos seus direitos e outros para os denominados direitos comuns.

Portanto na seqüência desse capitulo trataremos com maiores detalhes a publicação de normas no Brasil na época indígena, ou seja antes da colônia, durante a fase colonial, até chegar aos dias atuais, com especial atenção aos direitos dos índios, e direitos para os índios, uma situação que pode ser considerada no mínimo diferente, em especial para a perspectiva do direito comparado, e os sistemas jurídicos Europeu.


[1] CARDOSO DE OLIVEIRA, R., O trabalho do antropólogo, Editora Unesp, São Paulo, 1998. pág.20.

[2] Lei Federal nº. 6001/1973, Estatuto do Índio.

[3] Lei 6001/1973, Estatuto do Índio,  artigo. 13. “Haverá livros próprios, no órgão competente de assistência, para o registro administrativo de nascimentos e óbitos dos índios, da cessação de sua incapacidade e dos casamentos contraídos segundo os costumes tribais.”