A Vacatio Legis no Ordenamento Brasileiro
Atualmente no ordenamento jurídico brasileiro, a regulamentação da matéria vacatio legis encontra sua base nas leis complementares 95/98 e 107/01, e na LICC, em seu artigo 1º. A citada lei Complementar de 26 de fevereiro de 1998, em seu artigo 8º estabelece: “A vigência da lei será indicada de forma expressa e de modo a contemplar prazo razoável para que dela se tenha amplo conhecimento, reservada a cláusula "entra em vigor na data de sua publicação" para as leis de pequena repercussão.”(LC 95/98).
Um primeiro ponto que necessita análise no texto acima transcrito é a expressão “prazo razoável para que dela tenha conhecimento”, nota-se ai que o legislador tenta responder a verdadeira razão da publicação de normas, ou seja, trazer o novel diploma legal à tona, tornar o mesmo conhecido, ou pelo menos estatuir a faculdade de todos possam conhecê-la.
Outro aspecto que a nosso juízo, merece um breve análise é a parte final do dispositivo, ao afirmar que a entrada em vigor de determinada lei na data de sua publicação só é aplicável a lei de pequena repercussão, aqui nos parece um tanto abstrato a expressão lei de pequena repercussão, porque quem faz esse controle para determinar se a lei é ou não de pequena repercussão, ou ainda outro questionamento que caberá: como, quando e quem é competente para fazer essa averiguação de importância da norma?
A doutrina tem debatido o tema e é posição acertada no sentido de que essa definição de pequena repercussão que se refere o dispositivo é algo de difícil determinação, porque uma lei em teoria sempre terá o seu grau de importância ou então será uma lei que não tem sentido em existir. Nessa linha de entendimento BOCHI[1], Todavia, esse não é o enfoque principal de nosso trabalho, e possivelmente em outro momento podemos levantar a questão.
Porém em regra geral, os prazos para observação da vacatio legis no sistema brasileiro é o preceituado no artigo 1º da Lei de Introdução do Código Civil, que estabelece. “Salvo disposição contrária, a lei começa a vigorar em todo o país quarenta e cinco dias depois de oficialmente publicada”.
Normalmente, ou melhor, dizendo existe dois grandes blocos de observação de entrada em vigor de normas, o preceituado acima na LICC, e o que é sem dúvida mais usual no sistema jurídico brasileiro, que a própria norma estabelece em seu contexto a data de entrada em vigor.
Ocorre que em uma análise mais criteriosa, nota-se que a o Código Civil vigente e a lei 11.232/05, estabelece prazos contados em meses e ano, para entrada em vigor de uma norma, enquanto a lei complementar, 95/98, fala que os prazos serão contados sempre como referencia dias como podemos observar no dispositivo abaixo transcrito: “A vigência da lei será indicada de forma expressa e de modo a contemplar prazo razoável para que dela se tenha amplo conhecimento, reservada a cláusula "entra em vigor na data de sua publicação" para as leis de pequena repercussão”.(artigo 8º da LC95/1998)
As leis que estabeleçam período de vacância deverão utilizar a cláusula ‘esta lei entra em vigor depois de decorridos (o número de) dias de sua publicação oficial. (artigo 8º, 2 da Lei Complementar 95/98) A doutrina tem levado a polêmica para os debates acadêmicos, uma vez que ainda que pareça simples, estamos diante de um conflito de hierarquia de normas, porque na prestação jurisdicional, é necessário definir a legislação aplicável nos caos concretos.
Muito embora a problemática ora em tela não pereça com grande dificuldade de ser esclarecida, na prática, muitas análises equivocadas se têm visto e, até hoje, não raras vezes, remanescem e se proliferam. Tudo isso tem grandes implicações na vida da sociedade, pois saber quando, exatamente, uma lei passa a ter ou não vigência[2] é questão fundamental, nesse sentido, BOCHI[3] Repita-se que isto, inclusive, pode mudar radicalmente, até mesmo por um único dia de diferença, a vida e o patrimônio das pessoas.
Já na entrada em vigor do atual Código Civil de 2002, a doutrina chamava atenção para o que preceituava a LEI 10.406/02, CCB, em seu artigo 2044, que prescrevia. “Este Código entrará em vigor 1 (um) ano após a sua publicação”.
Faz-se necessário comentar um pouco mais esse aspecto controvertido de entrada em vigor das leis com prazos estipulados em dias, ou em meses e ano, na interpretação e aplicação das leis nos casos concretos, ou seja, na prestação jurisdicional do Estado, os prazos são fatores decisivos, a contagem dos prazos realizados por meses ou anos difere da contagem realizada por dias.
E voltando ainda ao tema do conflito estabelecido entre os artigos 2044 da Lei 10.406/02, e 8º da Lei Complementar 95/98, pode ser objeto de busca de reforma de sentenças por vias recursais, uma vez que a matéria, regulamentada afeta diretamente, matéria de cunho Constitucional, ou seja, principio da reserva legal.
É necessário dizer que não se trata de mero detalhe, pois a LCF n. 95/98, por ser complementar, analisando os artigos 59, inciso II, e 69 da Constituição vigente, nota-se a exigência de um quórum mais qualificado para aprovação (maioria absoluta) e é hierarquicamente superior ao Código Civil de 2002, que na verdade é uma lei ordinária. Quando a Lei n. 10.406/2002 foi publicada, já estava em vigor o preceito cogente da norma complementar federal.
Para melhor entendimento com relação à hierarquia de normas no sistema jurídico brasileiro, o artigo 59 da carta magna estabelece: O processo legislativo compreende a elaboração de: Emenda Constitucional; Leis Complementares; Leis Ordinárias; Leis Delegadas; Medidas Provisórias; Decretos Legislativos; Resoluções; Logo o parágrafo único, que estabelece que Lei complementar disponha sobre a elaboração, redação, alteração e consolidação das leis.
Ainda que esse tema da inconstitucionalidade do Código Civil esteja afastado dos tribunais, a discussão acadêmica da existência de ilegalidade vertical, ao fundamento de que não se dá cotejo hierárquico entre lei complementar e lei ordinária continua. Mas, ainda que afastada esta opção não de todo descartada, é preciso observar que a matéria em questão elaboração de diplomas normativos tem reserva de lei complementar por expressa disposição constitucional (art. 59, parágrafo único, da CF).
Sendo assim, o Código Civil de 2002 devia e deve obediência à Lei Complementar n. 95/98, que veio a lume exatamente para regular a forma de elaboração e redação das leis nacionais, atendendo ao comando do art. 59, parágrafo único, da Carta de 1988. Então, é patente a ilegalidade vertical entre o art. 2.044 do novo Código Civil e o art. 8º, §2º, da LCF n. 95/98, ARAS,[4]quando o estatuto civil adotou o critério anual, descartando o critério unificador, da contagem em dias. De qualquer modo, havendo ou não a ilegalidade vertical, o art. 2.044 do Código Civil de 2002 terá desconsiderado matéria sujeita a cláusula constitucional de reserva de lei complementar.
A contagem do prazo para entrada em vigor das leis que estabeleçam período de vacância far-se-á com a inclusão da data da publicação e do último dia do prazo, entrando em vigor no dia subseqüente à sua consumação integral. (Parágrafo acrescentado pela Lei Complementar nº 107, de 26.04.2001, DOU 27.04.2001).
[1] BOCHI BRUM, A., A Vacatio Legis Posterior a Lei Complementar nº. 95/98 e Seus Reflexos na Vigência do Código Civil e da Lei 11.232/05, Centro de Estudos, São Paulo, 2006. pág. 99.
[2] XAVIER, J. F., Publicação de Normas no Ordenamento Jurídico Português, Ediciones Fundación Cátedra Iberoamericana, Palma de Mallorca, 2007. pág.21. “Outra conclusão possível é o entendimento doutrinário de que a norma no sistema português depois de aprovada pelas cortes já existe, porém carecem de ser publicada para sua validação, todavia já tem sua vida jurídica, nesse contexto pode se dizer que o entendimento doutrinário dominante é no sentido de diferenciar claramente validez de existência, ou seja, a publicação nesse caso tem uma finalidade que é de tornar a lei conhecida,”
[3] BOCHI BRUM, A., A Vacatio Legis Posterior a Lei Complementar nº. 95/98 e Seus Reflexos na Vigência do Código Civil e da Lei 11.232/05, Centro de Estudos, São Paulo, 2006. pág. 100.
[4] ARAS, V., A polêmica data de vigência do novo Código Civil , Jus Navigandi, Teresina, ano 7, n. 60, nov. 2002. Disponível em: <http://jus2.uol.com.br/doutrina/texto.asp?id=3517>. Acesso em: 30 set.2008