A sociologia, a ação e os atos de fala
A sociologia, a ação e os atos de fala.
Habermas descarta a teoria dos jogos que concebe a ação e a decisão como constando apenas de escolhas estratégicas e também descarta a teoria sociológica do papel social para ficar apenas com as teorias sociológicas baseadas na ação comunicativa.
Só o conceito de agir comunicativo pressupõe a linguagem como um meio de entendimento [...] em que falantes e ouvintes se referem, a partir do horizonte pré-interpretado representado pelo mundo da vida, simultaneamente a algo no mundo objetivo, social e subjetivo, a fim de negociar definições da situação que possam ser compartilhadas por todos (HABERMAS, 1987, vol. I, p. 138).
Nessa concepção, todas as funções da linguagem são levadas em conta: a da interação social, pois, de acordo com H. Mead, não há sociedade sem linguagem; a do valor ilocucionário dos atos de fala, conforme a concepão de atos de fala (Austin) e dos jogos de linguagem (Wittgenstein). A linguagem não é mera conversação, ela coordena a ação, ajusta os planos respectivos dos participantes na comunicação, a fim de que possam interagir. Mas a ação comunicativa não se restringe a seguir uma regra, como quer Wittgenstein. Isso porque a linguagem é orientada pelas pretensões de validez de verdade, normatividade e sinceridade. O conteúdo proposicional de um enunciado o conecta com o mundo dos fatos e situações, acerca dos quais é possível formular juízos verdadeiros. O enunciado tem a pretensão de ser correto relativamente às normas, aos contextos sociais legitimamente regulados. Finalmente, o enunciado expressa a intenção sincera do falante, sua situação vital. Por detrás da linguagem está o mundo da vida, com seu estoque de saber modificável. O entendimento dos falantes entre si acerca de algo do mundo, que coordena a ação, pode falhar.
Um dos referenciais teóricos mais importantes para a teoria sociológica da ação é Weber. Para este, no processo de modernização, ao lado das forças produtivas, responsáveis pelas mudanças sócio-econômicas do capitalismo, há um agir racional que tem em vista fins, do qual decorre a burocratização e a coisificação das relações sociais. A ética protestante é o motor de implantação e da eficiência das relações de trabalho, essenciais ao modo capitalista de produção. Ter uma profissão significa cumprir os desígnios religiosos e éticos no mundo. Essa ética do dever rígida faz parte do processo de racionalização, típico da visão de mundo "desencantada" e descentrada. O cálculo racional opera pelos princípios do Estado administrador e do direito racional que regula a ação para torná-la eficaz.
Mas, enquanto Weber concebe apenas esse tipo de racionalidade, Habermas mostra as outras dimensões sociais e outros tipos de racionalidade que atendem aos aspectos prático-morais e estético-expressivos, dos quais apenas a TAC dá conta. Do mesmo modo critica a filosofia analítica que restringe a linguagem à proposição com valor de verdade e assim reduz a linguagem à função referencial. Na coordenação da ação entra o entendimento lingüístico, que gera "interação entre sujeitos lingüística e interativamente competentes mediada por atos de entendimento", e não apenas a constatação através de asserções (1987, vol. I, p. 355). Em suma, formalmente uma sentença tem um aspecto sintático e um conteúdo semântico definido pela referência a objetos ou a um estado de coisa, que geram a função expositiva. Mas além deles há os aspectos pragmáticos, relacionados ao contexto e à situação de fala.
A semântica formal, que vai de Frege e Wittgenstein do Tractatus, até Davidson e Dummett superou a semântica referencial, que limita o significado à designação a objetos, à nomeação. Para a semântica formal importa a relação linguagem/mundo, sentença/estado de coisa (virada semântica). O significado da sentença não pode ser desligado de sua validade que vem da sua relação com o mundo. Para saber sob que condições ela é verdadeira, é preciso saber das condições de uso, o que fez Wittgenstein em Investigações filosóficas (jogos de linguagem) e Austin (atos de fala). A linguagem ordinária com usos diversos mostra que o significado está relacionado a aspectos pragmáticos. Mas Habermas considera que é preciso dar outros passos para chegar à pragmática formal.
É preciso generalizar o conceito de validez para além da validez veritativa das proposições, e identificar condições de validez não só no plano semântico das sentenças, senão também no plano pragmático das emissões. [...] não se trata somente de levar em conta, junto com o modo assertórico outros modos de emprego da linguagem [...] senão também identificar as pretensões de validez e referências ao mundo que esses outros modos implicam. Nesta direção se move minha proposta de não contrapor o papel ilocucionário como uma força irracional ao componente proposicional fundador da validez, senão de concebê-lo como o componente que especifica qual pretensão de validez o falante pretende com sua emissão, como a coloca e em defesa do que a faz (1997, Vol. I, p. 357).
O aspecto ilocucionário é crucial, sem ele as pretensões de validez criticável, que vinculam falante, ouvinte e situação discursiva seriam irrealizáveis. Como os contextos de fala se referem a aspectos do mundo da vida, a teoria da ação liga-se com a teoria da sociedade. A intenção sistematizadora da filosofia/sociologia de Habermas se concretiza pela aliança de Weber, Wittgenstein, Austin, interpretados pela TAC. A ação social é compartilhada, por isso mesmo ela se faz pelo meio da linguagem, ou seja, por atos de fala intersubjetivos.
Habermas afasta o paradigma das filosofias da consciência, adotando o paradigma da linguagem; afasta o paradigma da semântica veritativa usando os pressupostos pragmáticos da ação lingüística; afasta a racionalidade instrumental de Weber, mostrando que os atores sociais interagem com propósitos não só de influenciação, mas essencialmente de comunicação.
Há dois tipos de ação: a não-social, guiada por regras técnicas para intervir eficazmente no mundo, chamada de ação instrumental, e a ação social, dividida em dois subtipos: ação estratégica (guiada por regras racionais que implicam decisão) e ação comunicativa (visa ao entendimento e ao consenso, os atores compartilham a definição de uma situação).