A crítica à pós-modernidade

2. Nem Heidegger, nem Derrida.

Adorno e Horkheimer, eles não abandonam o "trabalho do conceito", o mito já funciona como razão, como tentativa de esclarecimento: onde a razão pretendeu triunfar, ela não eliminou seu outro lado, o mito, o erro, a ideologia. A narração mítica é uma forma de a razão apresentar-se como potência esclarecedora, que, para dominar a natureza, se instrumentaliza, e fica reduzida à ciência e à técnica, vistas como único conhecimento. A moral e o direito são desacreditados, a arte tornou-se entretenimento, a razão paralisou-se em sua capacidade crítica, ficando assimilada ao poder.

Habermas critica esse conceito negativista de razão. A ciência pode ser produtiva, princípios universais da moral e do direito se realizam, ainda que de modo precário. Há experiências estéticas criativas e inovadoras. Além disso, a prória crítica frankfurtiana à razão iluminista, não se faz sem teoria. A instrumentalização da razão põe em a análise crítica dessa mesma razão. É preciso preservar pelo menos um certo padrão racional para demostrar que a razão foi instrumentalizada.

Apenas a prática comunicativa pode evitar esse paradoxo. O discurso argumentativo é mediador, pode denunciar o mito, o jogo do poder, a ideologia, sem cair em aporias porque não pretende fazer crítica total da razão. Em suma, o paradigma da intersubjetividade é o único que evita o fundacionalismo das filosofias do sujeito, que são monológicas. Dele nem mesmo Heidegger se desprendeu. Nietzsche inspirou de um lado Heidegger, que influenciou Derrida, e de outro lado Bataille, que influenciou Foucault. Para Heidegger, a existência tem como condição ontológica escolher entre a autenticidade da compreensão do ser do ente em termos de temporalidade, e a inautenticidade, cega para a condição do Dasein. Portanto, pressupõe que o que existe é o eu. Analisa o mundo das coisas e o mundo social com as mesmas categorias, por isso entende que no mundo social há atores isolados. Para Habermas há pessoas compartilhando um mundo da vida, que não pode ser desqualificado como inautêntico por um "niilismo heróico de uma auto-afirmação na impotência e na finitude da existência" (1990b, p. 147). Heidegger entende que a linguagem abre o ser para o ente, a verdade depende dessa apresentação da linguagem para a compreensão do sentido. Já para Habermas a verdade depende da práxis comunicadora, ela articula uma pretensão de validade, numa relação dos falantes entre si e com o mundo.

Habermas critica a "filosofia temporalizada da origem" de Heidegger, chamada por este de retorno ao "simples e intransigente questionar da essência do ser"; este retorno serve como justificação de sua ligação temporária com o nacional-socialismo. Compreender a história do ser como acontecimento da verdade imune às concepções do mundo ou às interpretações históricas, e o destino do ser como destino da nação alemã conduzida à vida nova e autêntica denota a aceitação de Heidegger do nazi-fascismo. Habermas lembra que Führer significa "líder", "condutor".

Como Derrida recorre aos pressupostos de Heidegger, também ele não escapa à crítica de Habermas. No centro não está mais o homem e sua essência, mas a linguagem, ou melhor, a escrita, a gramática, afirma Derrida. Sua estrutura é responsável pela conservação e infinitas retomadas das coisas. A racionalidade da escrita, o fato de ela ser indispensável ao significado, "desconstrói" todos os significados externos a ela. O Ocidente centra o pensamento no logos ("logocentrismo") ao qual chegou pelo "fonocentrismo". Conceber o mundo como legível, buscar coerência semântica implica em prosseguir nessa empreitada teológica de decifrar a escrita do mundo. Desconstruir significa romper com hierarquias de conceitos, com contextos de fundamentação e com relações conceptuais de dominação, como discurso e escrita, inteligível e sensível, espírito e matéria, homem e mulher. Derrida quer inverter a primazia dada à lógica, que vem desde Aristóteles. A linguagem não passa de estrutura da escrita, Derrida critica a filosofia centrada no sujeito racional.

Ainda assim, Derrida conserva pressupostos da filosofia do sujeito ao buscar um sentido na história, no tempo. Ao privilegiar a escritura que cria estruturas sem sujeito, Derrida não vê que o significado depende do uso intersubjetivo de regras semânticas. Ao limitar a filosofia à tarefa de decifração pela crítica literária, livre de qualquer amarra a uma disciplina científica, apaga a necessária fronteira entre ficção e filosofia. Há uma diferença entre a validade ilocucionária de um ato de fala, dito no contexto comunicativo, e os textos literários, que devem abrir para a multiplicidade de leituras. No caso da linguagem cotidiana, essas várias leituras dependem de uma compreensão possível e atual, quer dizer, "os participantes atribuem aos mesmos enunciados, o mesmo significado", observa Habermas, o que permite comunicação efetiva. Na função poética da linguagem, ao contrário, segundo Jakobson, a mensagem se volta para si mesma, cria um mundo à parte, ficcional, no qual estão ausentes a força ilocucionária e a necessidade de organizar a comunicação em termos de adequação, relevância, honestidade, etc., com seus efeitos sobre o auditório. Em suma, ficção, literatura, poesia, têm função diversa da prática comunicativa.

Um contextualismo estético torna Derrida cego para a circunstância de que a prática comunicacional cotidiana, graças às idealizações incorporadas no agir comunicacional, faculta o desenvolvimento, dentro do mundo, de processos de aprendizagem [que] desenvolvem um sentido de autonomia que transcende todas as restrições locais. [...] Derrida negligencia o potencial de negação da base de validadedo do agir oritentado para o entendimento mútuo [...]. Quando o pensamento filosófico, como nos aconselha Derrida, é desvinculado do dever de resolver problemas e o seu funcionamento é transferido para a crítica literária, é-lhe subtraída não só a sua seriedade, mas também a sua produtividade e criatividade (1990b, p. 195; 198).

Habermas conclui essa parte de O Discurso Filosófico da Modernidade afirmando que Heidegger, Adorno e Derrida defendem a crítica total, combatem a grande teoria. A questão é, a razão realmente ainda precisa desse combate? Para Habermas esse combate perdeu o sentido na modernidade. As pretensões de validez criticáveis, contidas nas argumentações e que se refletem na forma de proposições universais, mostram que o contextualismo e o fundacionalismo podem ser evitados pelo pragmatismo formal, que é uma via intermediária entre a desconstrução e a crença ingênua de que a razão é capaz de crítica total.