A crítica à pós-modernidade

A crítica à pós-modernidade

Habermas acredita que o projeto da modernidade não acabou, como pensam os defensores da pós-modernidade, entre eles Lyotard e Foucault. A filosofia se debruça para a análise da sua própria época desde meados do século XVIII. Habermas não aborda o movimento estético-literário, chamado "modernismo" e sim o discurso filosófico da modernidade, entendida como a época que toma consciência de si. Daí o título Der Philosophische Diskurs der Moderne (Discurso Filosófico da Modernidade), publidado em 1981.

Weber vê a modernidade como época de intensas mudanças culturais e econômicas; para a sociologia a modernização se caracteriza pelo desenvolvimento das forças produtivas, centralização do poder político, participação nos processos democráticos, urbanização, educação formal. Para Habermas a história não acabou, a modernidade não está esgotada, mesmo porque não é possível ver a história do exterior para detectar a morte de ambas. O pretenso pensamento pós-moderno ainda está preso aos pressupostos da modernidade. O discurso de Hegel a Foucault falhou em dar uma resposta satisfatória com relação à modernidade.

Os conceitos de desenvolvimento, crise, espírito de época, são típicos da modernidade; a experiência histórica de autofundamentação significa que a subjetividade se descentra, quer dizer, o sujeito se constitui a partir de condições históricas Para Hegel, o fator marcante é a subjetividade, o espírito volta a si mesmo, capacita o indivíduo à crítica e à autonomia. A Reforma, a Revolução Francesa, o Iluminismo, são tanto o resultado de processos históricos, como transformam os rumos da história. Kant já levara em consideração a capacidade de a razão pensar-se, criticar-se. O risco desse procedimento iluminista é absolutizar a própria subjetividade, acreditar "que a vitória sobre a subjetividade está dentro dos limites de uma filosofia do sujeito", afirma Habermas (1990b, p. 32). Essa é a pedra-de-toque de O Discurso Filosófico da Modernidade: de Hegel a Foucault, o modelo ainda é o da filosofia do sujeito, que Habermas contrapõe ao paradigma lingüístico/pragmático, o único que permite sair dos impasses das filosofias do sujeito.

1. As falhas de Hegel, Marx e Nietzsche.

A crítica de Hegel à modernidade encontra-se presa nos pressupostos da filosofia do sujeito que são imanentes à própria modernidade. A esfera da eticidade inclui a família, a sociedade, a formação política da vontade e, principalmente o Estado, no qual culminam a vida política e a sociedade civil. Nesse processo universal, o Estado realiza a subjetividade. Para Habermas não é óbvio que a esfera ética possa realizar-se no Estado, nem que a história nele se resuma. Essa subjetividade é monológica, falta a ela a mediação entre o universal e o singular; ela não pode dar conta da formação da vontade nos processos comunicativos, intersubjetivos, de ação cooperativa entre homens livres e iguais, que usam a racionalidade comunicativa como barreira contra qualquer tipo de imposição, seja o de uma vontade coletiva, sejo o de um fim último. Hegel conduz o princípio de subjetividade, fonte da consciência de época e do entendimento racional, ao extremo de uma razão auto-suficiente. Assim, quando a modernidade busca compreender esses processos, encontra a própria a razão que aprisiona a filosofia e impede a crítica. Não há

um saber absoluto totalmente acabado que olha a partir do fim do processo, retrospectivamente. Sem dúvida, podemos ampliar, sempre a partir de dentro, os limites de nossos contextos epistêmicos; mas não existe o contexto de todos os contextos ao qual tenhamos acesso. Nada nos autoriza a abrigar a esperança de ter a última palavra (2002a, p. 211).

Habermas rejeita essa concepção de sujeito isolado, com sua consciência teorética e prática. Mas Hegel teve o mérito de considerar a linguagem como ferramenta que dá significação ao mundo, percebido através de uma rede conceptual. O trabalho resulta em contatos produtivos com o mundo, ora a realidade coopera com a praxis, ora é um obstáculo a ser contornado. A instrumentalidade técnica que facilita o trabalho produz alienação, o trabalho automatizado desgasta a natureza. Hegel analisa também o lado prático da gradual e progressiva evolução do mundo social, desde a família até o Estado constitucional, como formas de realização e aperfeiçoamente da liberdade e da autonomia.

Habermas deflaciona a concepção de Hegel de um saber que compreende a si mesmo num processo de auto-reflexão. Hegel criticou o tipo de subjetividade dualista do representacionismo, mas acabou por sucumbir a essa mesma subjetividade. Mas suas objeções ao formalismo ético de Kant são pertinentes, pois para Hegel no terreno da ética, há pessoas reais, que aplicam normas, que agem e atentam para as conseqüências de suas ações. As instituições incorporam eticidade, e o problema é como pôr em prática a ética.

Ainda assim, Hegel não abre mão de uma razão inteiramente sujeitada à história, indo do espírito objetivo ao espírito absoluto. Ora, nos Estados constitucionais democráticos modernos, há práticas de deliberação e autodeterminação, como a realização dos direitos dos cidadãos. Além disso, a ação política muitas vezes é problemática, há democracias e constituições de "fachada", cujas realizações sociais deixam a desejar por falta de condições reais e por falta de vontade política. Habermas chama a essa condição de "brasilianização", e considera que os países estáveis europeus, não estão livres de verem sua substância normativa esvair-se, as ordens institucionais paralisarem-se. Isso pode ocorrer

se não se conseguir estabelecer um novo equilíbrio entre os mercados globais e uma política que vá além das fronteiras do Estado nacional e ao mesmo tempo conserve sua legitimação democrática. [...] Só cabe esperar uma solução no marco de uma constelação na qual os princípios institucionalizados do universalismo igualitário consigam o impulso necessário para que, em uma situação historicamente favorável, possam entrar em relação com a força motivadora dos movimentos sociais e inteligência dos sistemas capazes de aprendizagem. Depois de Hegel a razão dos filósofos, convertida em uma razão falível, tampouco conhece resposta melhor. A rosa na cruz do presente murchou, mas não morreu ainda (2002a, p. 220).

Hegel quem inaugurou o discurso da modernidade, e com ele, a reflexão sobre sua época, a filosofia como pensamento em ato. Desde o século XIX também a ciência, as idéias de Darwin, Freud, Marx, o historicismo, o pragmatismo, todos eles fornecem motivos, conceitos e teorias para a interpretação e a crítica da nossa época. O discurso filosófico da modernidade, de Hegel até Marx, de Nietzsche até Heidegger, de Bataille até Lacan, Derrida e Foucault, denuncia a opressão, a alienação e a exploração. Porém, ou impõe "o princípio inexpugnável da própria racionalidade" (1990b, p. 62), ou renuncia a ela, caso de Foucault, para quem os meios para alcançar a emancipação e a conscientização, são instrumentos de controle.

Quanto a Marx, a dificuldade é propor que a saída esteja nos próprios mecanismos econômicos, caindo em uma aporia. Os conservadores estão certos quando dizem que os mecanismos do sistema dificilmente podem ser eliminados. O problema é que eles não têm uma proposta alternativa satisfatória quanto aos rumos da modernidade. Para Marx o trabalho só desaliena se puder reapropriar-se do que produziu. Portanto, ele permanece nos moldes de uma filosofia do sujeito ao preconizar que a emancipação deve ser conduzida pela racionalidade cognitiva e instrumental; o sujeito que age e conhece, não exerce a intersubjetividade. Além disso, o próprio sistema (mercado) não gera condições para sua crítica ou eliminação. A filosofia da práxis em suas propostas de "valorização estético-produtiva e ampliação prático-moral do conceito de trabalho coletivo" (1990b, p. 72) vê apenas um lado, o da razão instrumental. Essa objetiva o mundo, não é capaz de crítica. A emancipação é possível pela racionalidade comunicativa cuja força política reside nas modificações nos processos de interação. À própria sociedade cabe descobrir o pode querer e o que deve fazer tendo em vista o interesse comum.

O anti-humanismo de Nietzsche representa "o verdadeiro desafio para a modernidade", diz Habermas (1990a, p. 80). Nietzsche afirma que "história de antiquário" de Hegel, tem excesso de saber histórico. Tomar a razão como libertadora, iluminadora, produz o resultado inverso, a razão se torna prisioneira desse projeto histórico. No lugar da razão Nietzsche vê a vontade, a força plástica da vida, o presente. Olhar a história sem os pressupostos da filosofia do sujeito é tarefa de uma história genealógica, a dos tropeços, e não a da vitória da razão iluminista. O mito é o outro lado da razão, ele abre para o jogo da interpretação. Na superfície, na aparência estética, no polimorfismo, não há mais lugar para o sujeito que conhece, unificador, doador de sentido. Com aguda consciência de época, a crítica da modernidade de Nietzsche renuncia, pela primeira vez, ao projeto emancipatório. A subjetividade "descentrada" não precisa conhecer nem se ocupar com projetos éticos, políticos, sociais.

A única justificação para Nietzsche é a estética, não é preciso fundamento algum para as interpretações e o simulacro. Toda avaliação é interpretação da vontade de poder que, ao criar o sentido e a sensibilidade, atém-se à aparência, à máscara. Os princípios metafísicos têm origem humana e não transcendental. A razão é a máscara do poder, enfeitiça com seus cálculos, causa-efeito, pensar lógico. Preferir, valorar, aceitar, rejeitar, ou seja, as exigências de validade criticáveis, não passam para Nietzsche de reivindicações de poder. Não faz sentido para ele a preferência pelo justo, pelo verdadeiro, neles há apenas vontade de poder. A genealogia localiza os móveis e motivações dos valores na reação do fraco, no ressentimento do inferior.

Habermas aponta um problema crucial nessas críticas de Nietzsche: não há como legitimar a partir dessa visão estetizante que cai "no dilema de uma crítica auto-referencial, tornada total, da razão [...], uma crítica da ideologia que abala seus próprios alicerces" (1990b, p. 101). Não é possível criticar a razão a partir do poder sem usar os critérios da própria razão.