9. 5a etapa. O retorno às questões epistemológicas
7. O uso comunicativo, o acordo, o entendimento
Habermas introduz uma diferença entre o uso orientado para o acordo (Einverständnis), obtido quando os falantes aceitam uma pretensão de validez pelas mesmas razões, e o uso orientado pelo entendimento (Verständigung), pelo qual o falante, é capaz de sustentar suas razões, mas o outro, devido às suas preferências, pode não aceitar as razões de F. Assim, atos imperativos podem gerar entendimento, mas não necessariamente acordo. Ambos situam-se no âmbito da racionalidade comunicativa apenas quando as pretensões à verdade e à sinceridade de F e de O forem objeto de discussão, e eles puderem entender-se. O acordo é mais "forte":
As declarações de intenção e os imperativos se transformam [...] em manifestações de vontade normativamente autorizadas, como promessas, declarações ordens, etc. As razões normativas [...] não são independentes do ator; mas [...] não se trata de razões para a existência de estados, senão de razões para a satisfação de expectativas normativamente vinculantes [...]. Na medida em que os participantes reconhecem intersubjetivamente o pano de fundo [...] podem aceitar atos de fala regulativos pelas mesmas razões (2002a, p. 116).
Os atos de fala regulativos se dão no âmbito dos discursos práticos, o autor é autorizado legitimamente a um ato normativo. Eles são o ponto de partida para o funcionamento das próprias normas justificadoras que existem na trama das relações sociais. Já os atos constatativos, com uso epistêmico, conduzem a acordo racionalmente motivado apenas pelas razões que precisam ser afirmadas acerca de estados de coisa. Como na modernidade as normas precisam ser justificadas, há uma certa analogia entre elas e os atos constatativos. Trata-se sempre da razão prática, "que remete à trama de racionalidade epistêmica e teleológica, com a racionalidade comunicativa, que se concretiza no marco das interações sociais" (HABERMAS, 2002a, p. 116).
Há dois tipos de ação comunicativa, a fraca, que produz entendimento, o autor usa pretensões de verdade e de veracidade; a forte, quando o entendimento atende essas duas pretensões, mas vai além, até a pretensão normativa, orientada por valores compartilhados, o que exclui preferências pessoais, requer a autonomia da vontade.
Na ação orientada pelo acordo, a pretensão de validez quanto à verdade de crenças, é levada em conta, bem como a pretensão de validez quanto à veracidade. Há uma confiança mútua, mas a ação não é guiada por normas e valores vinculantes. Na ação comunicativa forte, ao contrário, mesmo que a pretensão de validez normativa não seja explicitada, esta última é indispensável. Quando se afirma algo, a adequação da afirmação repercute no mundo social, porém apenas os atos regulativos exigem o contexto normativo (mundo social), e aplicação correta, como as instruções, as ordens, os contratos.
Os atos normativos se efetivam pelo discurso, suas razões são alvo de discussão, visam acordo e conduzem a objetivos que guiam a ação, escolhidos pela sua legitimidade, entre as normas e valores válidos. Enfim, na ação comunicativa fraca, o acento recai sobre o mundo objetivo, na ação comunicativa forte, sobre o mundo social.
Quanto à ação estratégica, o guia exclusivo é o sucesso, certos efeitos perlocucionários inclusive dispensam a linguagem, outros são guiados por objetivos ilocucionários (levar o criminoso a confessar e assegurar os efeitos disso), há alguns que não são marcados pela gramática (uma notícia que provoca alarme), outros são subreptícios (através de um ato ilocucionário bem-sucedido, provoca-se, insulta-se, ofende-se, ameaça-se).
Pela ação comunicativa é possível questionar certos objetivos perlocucionários, como a sinceridade do interlocutor, a pertinência de uma ameaça. Ainda assim, a ação estratégica, pelo seu caráter perlocucionário, fica "subordinada aos imperativos da ação orientada por fins" (2002, p. 122). Atores se observam, influenciam um ao outro, entram em jogo preferências, suas decisões são tomadas sem levar em conta as pretensões de validez criticáveis. O quadro que resume os tipos de uso da linguagem e os tipos de ação é o seguinte:
Uso da linguagem:
- Não comunicativo: - sentenças enunciativas - sentenças de intenção.
- Comunicativo: - orientado pelo entendimento: imperativos, constatativos, expressivos (dispensam o contexto normativo).
- Comunicativo, orientado pelo acordo (entram as três pretensões de validez: verdade, veracidade e normatividade).
- Orientação pelas conseqüências perlocucionárias (entendimento indireto).
Tipos de ação lingüística:
- Uso não-comunicativo da linguagem: atitude objetivante que visa fins, ação não-social.
- Interações sociais, uso comunicativo:
- Que levam a entendimento (ação comunicativa fraca, atitude realizativa).
- Que leva a acordo (ação comunicativa forte, atitude realizativa).
- Que produzem conseqüências (interação estratégica, atitude objetivante).
Três racionalidades autônomas:
- Epistêmica (saber).
- Teleológica (ação).
- Comunicativa (entendimento).