9. 5a etapa. O retorno às questões epistemológicas
6. Os quatro tipos de racionalidade
Ao contrário do que pensam muitos de seus críticos, Habermas afirma que para ele a racionalidade comunicativa não é o único tipo de racionalidade. Há a racionalidade da estrutura proposicional do conhecimento (epistêmica) e a estrutura teleológica da ação, que estão no mesmo nível da racionalidade comunicativa. A diferença é que apenas essa última é propriamente lingüística. Pela racionalidade discursiva e reflexiva, uma pessoa se expressa por atos de fala com suas pretensões de validez, analisa suas crenças, reflete sobre sua atividade no mundo objetivo, orienta-se por normas, tem seu projeto de vida, é livre para decidir; para tal, leva em conta a liberdade teórica (abertura cognitiva), sua vontade (livre escolha) e suas convicções (liberdade ética). O resultado é um "eu" estável, participante, capaz de entrar em discursos, e de integrar os três tipos de racionalidade.
A racionalidade epistêmica produz saber falível, estruturado por proposições, no qual a linguagem comparece sob a forma de enunciados assertivos. Entram nesse saber a sentença com significado, e o sentido pragmático de atos de fala referenciais/predicativos. Conhecer fatos é também saber que juízos correspondem a eles, se eles são verdadeiros ou falsos. Trata-se de um saber decorrente da pretensão de verdade, suscetível de crítica e de fundamentação. Ele produz crenças cuja racionalidade repousa na capacidade de dar razões, no contexto de justificação, o que leva à aceitabilidade racional. Visto da perspectiva objetivadora da 3ª pessoa, é um saber falível, mas da perspectiva dos participantes, ressalta-se sua aceitabilidade racional e não sua verdade. Esse saber pode ser exposto, pode ser aplicado, com ele aprende-se. Ele tem um pé na ação e outro na linguagem dada a sua estrutura proposicional. O saber se processa através de formas simbólicas, pode ser confrontado com a realidade, é falível. Como ele é guiado pelo sucesso nos procedimentos experimentais, aprende-se também pelos erros.
A racionalidade teleológica é produto da intenção de levar a cabo uma atividade com meios escolhidos e aplicados, que guiam a ação para o êxito. Demanda informação, processamento inteligente, construção de modelos, atividades essas estruturadas sob a forma de enunciados intencionais.
O quarto tipo é a racionalidade comunicativa que visa e produz entendimento através da intersubjetividade, situa-se no mundo da vida e refere-se a um mundo objetivo comum. O uso comunicativo desdobra-se em três aspectos: representação de estados de coisa, estabelecimento de contacto e expressão de intenções. A "fórmula" do agir comunicativo pode ser resumida como "entender-se com alguém, a respeito de algo". A pretensão de verdade de um ato de fala pode ser sustentada pelo discurso, como se alguém estivesse reafirmando: "o que eu disse é verdade". Há uma relação interna entre a racionalidade de um ato de fala e sua possível justificação, e tal se dá "somente no marco de argumentações nas quais as pretensões de validez sustentadas implicitamente com um ato de fala, só podem ser tematizadas e submetidas a exame, enquanto tais, através de razões" (2002a, p. 108).
Com isso Habermas sustenta a diferença entre objetivos ilocucionários e as intervenções no mundo, e permanece a tese da diferença entre ação comunicativa e ação estratégica. O entendimento habita o telos da linguagem, mas, como os atos de fala pertencem a uma rede do mundo objetivo, eles podem provocar efeitos perlocucionários. Porém eles não perdem suas pretensões de validez e por isso diferem dos atos com uso teleológico e epistemológico. A força ilocucionária de um ato de fala assertórico, que é um fator pragmático, "não está intrinsecamente conectada com este tipo de sentenças usadas monologicamente" (2002a, p. 110), e que têm uso epistêmico.
No uso comunicativo os fatores pragmáticos e as pretensões de validez fazem parte do significado do ato de fala. Já no uso enunciativo e intencional, a ausência de força ilocucionária não provoca perda de significado, pois nesses usos não-comunicativos, requer-se o conhecimento das condições de verdade e não a troca de pretensões de validez. Assim, um ato de fala assertivo, por exemplo, implica posicionar-se através de uma afirmação com a pretensão de validez de verdade, bem fundamentada, garantida, à qual se chega por boas razões; um ato de fala intencional como uma promessa, implica seriedade, razões boas o bastante para sustentar a intenção de cumprir a promessa.