8. 4ª etapa. O direito como anteparo ao sistema e seu papel nas democracias

2. Novo quadro da ordem social: o direito como intermediação entre mundo da vida e sistema

Em nossa atual situação, ou a ação comunicativa se retrai ou lança mão de recursos estratégicos e deixa de ser ação comunicativa. Para sair dessa dificuldade, as ações estratégicas precisam ser regulamentadas por normas, e os atores sociais precisam entender-se sobre a validade e a oportunidade dessas normas. A ação estratégica deve ser regulada para impor limites. A ação comunicativa precisa, para tal, do direito, pois apenas normas com "autoridade capaz de revestir a validade com a força do fático" (1997a, p. 47) fazem com que as obrigações sejam acatadas. A liberdade de ação individual e a coação do direito objetivo se coordenam.

A validade do direito promana da imposição de fato do Estado. O direito é normatizado, passa a garantir liberdade e legitimidade. Kant mostrou como a relação interna entre coesão e liberdade decorre do uso autorizado da lei, sempre que ela respeitar a liberdade de cada um. O respeito à lei, por sua vez, depende de sua pretensão de validade normativa. Socialmente, o direito tem dois aspectos, o de ser reconhecido como um fato (facticidade) e possuir validade (Gültigkeit), uma vez que foi estabelecido legitimamente (através de processo constitucional) e, na prática, se mostrou eficaz e justificável eticamente.

Habermas vê a ação estratégica de um novo ponto de vista. O direito a limita de fato, pois um ato é ou não sancionado. Com isso a ação comunicativa fica respaldada pelo direito quanto ao que se pode ou não fazer, quanto ao que se deve ou não fazer, e sai da defensiva. A lei garante a ação, normas são acatadas pelo respeito à lei. Por isso o direito positivo, ao reconhecer a liberdade subjetiva, precisou passar por processos de legitimação em Estados de direito. Esses processos de legislação são conduzidos por cidadãos em sua autonomia, através de discursos públicos (o esclarecimento, conforme Kant) e democráticos (vontade geral, conforme Rousseau). Não basta instituir normas, são os processos democráticos de legislação que conferem força de coerção jurídica legítima. Quando cidadãos decidem, quando não há imposição autoritária, a ação comunicativa entra em jogo e com ela a solidariedade, a responsabilidade e a autonomia. Há, contudo obstáculos, como o poder de influência dos meios de comunicação de massa, as imposições do mercado, cujos interesses muitas vezes prevalecem. O filtro integrador da ação comunicativa é indispensável, porém insuficiente. Daí o direito ser o requisito fundamental para regulamentar as situações de fato e conferir força efetivadora à ação regulada por normas legítimas. Além disso, cidadãos estão autorizados pelo direito à liberdade de opinião e à manifestação de sua vontade política.

O novo quadro teórico do pensamento habermasiano, no que diz respeito à sociedade moderna, assim se redefine (4a etapa): de um lado, há a integração a normas, valores e processos de entendimento, fruto da ação comunicativa que nasce do mundo da vida; de outro lado, há a organização sistêmica, dinheiro e poder administrativo, que coordenam a ação de um modo genérico. O direito legítimo também confere legitimidade, coordena a ação comunicativa que integra e produz solidariedade. O direito positivo, que regra e delimita o poder do mercado e do Estado é a barreira que impede a colonização do mundo da vida pelos dois subsistemas, o econômico e o burocrático-administrativo. Ainda assim, corre-se o risco de o direito ser usado em proveito próprio pelo poder econômico e burocrático. Muitas vezes o que é ilegítimo fica parecendo legítimo. Daí o papel "ambígüo" do direito, a sociedade exige normas e regras não só no âmbito do mundo da vida, mas também para o sistema, por exemplo, para o capital volátil. Assim, o direito integra e legitima, não apenas normatiza. Ou seja, ele atua tanto na esfera da ação comunicativa, quanto na esfera da ação estratégica.