7. O que é pensamento pós-metafísico

2. A superação da metafísica.

Em 1988 Habermas publica uma série de "estudos filosóficos" agrupados sob o sugestivo título de Pensamento Pós-Metafísico (Nachmetaphysisches Denken), onde expõe os motivos para prosseguir com a filosofia, mesmo após o encerramento da era da metafísica. A obra consta de três partes: Retorno à Metafísica?, Guinada Pragmática e Entre a Metafísica e a Crítica da Razão. Na primeira, delineia a trajetória da metafísica e suas exigências de fundamentação última e de verdade definitiva -, até a modernidade, território do pensamento pós-metafísico. Após a guinada lingüística e a guinada pragmática, fazer filosofia implica considerar a linguagem, a ação e a sociedade. São textos mais acessíveis, nos quais Habermas retoma os conceitos básicos da TAC, para explicitá-los e melhor fundamentá-los. O texto mais reflexivo, com estilo menos pesado, é A Unidade da Razão na Multiplicidade de suas Vozes (ver item 4 deste capítulo); no excurso sobre H. Mead, aborda o importante conceito de individualição (item 5 deste capítulo).

A linhagem metafísica inicia em Platão, passa por Plotino, Sto. Agostinho, Sto. Tomás, Cusano, Descartes, Spinoza e Leibniz, até Kant que questiona o paradigma metafísico, mas está ainda dentro de seus limites. A partir de Kant surgiram Fichte, Schelling e Hegel.

À linhagem antimetafísica pertencem o materialismo antigo, o nominalismo medieval, o empirismo moderno, que, entretanto, não rompem inteiramente com os motivos do pensamento pós-metafísico, que são: 1o a busca de uma origem, de uma identidade primeira subjacente, transcendente, como fundamento ou essência da natureza; a diversidade do mundo (multiplicidade, diferença) pode ser unificada (identidade, uno); 2o o idealismo, o uno e o todo são pensados num caminho dedutivo do qual surge o conceito de ser. Neste sentido, tem-se Parmênides para o qual o pensamento abstrato e o conceito de ser são interdependentes, o que levou Platão a fundar a ordem do mundo pelo conceito, pela idéia, capazes de extrair o uno do múltiplo. Para Descartes há a plena e clara consciência das representações. Em contraposição tem-se o nominalismo e o ceticismo de Hume, que dissolve até mesmo as coisas, elas são impressões dos sentidos, usadas pelo sujeito para representar objetos. Dentro do modelo metafísico, Hegel dá à consciência um poder transcendental, tudo subjaz à subjetividade, a reflexão totaliza o mundo, é auto-referente. A identidade precede a diferença e a idéia precede a matéria. O conceito faz a mediação de todas as operações do espírito através do uno. 3o o conceito forte de teoria, como guia para a verdade e para a vida.

Aos poucos os métodos de investigação da ciência modificam esse papel da teoria. O formalismo na teoria moral, o direito e a regulamentação das instituições desafiam o pensamento metafísico, salvífico. No século XIX o paradigma da teoria do conhecimento é calcado na relação sujeito/objeto. "A mudança de paradigma da filosofia da consciência para a filosofia da linguagem situa-se precisamente neste contexto", afirma Habermas (1990c, p.43). Teoria e prática se relacionam, a teoria pode e deve ser aplicada aos contextos práticos, e assim elas se tornam a pedra-de-toque do agir comunicativo.

A crítica de Marx ao idealismo hegeliano, a crítica às filosofias do sujeito de Foucault, a historicização do Dasein de Heidegger, foram tentativas de "destranscendentalizar" a razão, mas sem sucesso, como Habermas expôs em O Discurso Filosófico da Modernidade (capítulo 6). Falta-lhes o paradigma do entendimento lingüístico.

De um lado, os sujeitos encontram-se num mundo aberto e estruturado lingüisticamente e se nutrem de contextos de sentido gramaticalmente pré-moldados. Nesta medida, a linguagem se faz valer frente aos sujeitos falantes como sendo algo objetivo e processual, como a estrutura que molda as condições possibilitadoras. De outro lado, o mundo da vida, aberto e estruturado lingüisticamante, encontra o seu ponto de apoio somente na prática de entendimento de uma comunidade de linguagem. A formação lingüística do consenso, através da qual as interações se entrelaçam no tempo e no espaço, permanece aí dependente das tomadas de posição autônomas dos participantes da comunicação, que dizem sim ou não a pretensões de validez criticáveis (1990c, p. 52-53).