INTRODUÇÃO
O trabalho é uma das fontes de satisfação de diversas necessidades humanas, como auto-realização, manutenção de relações interpessoais e sobrevivência. Por outro lado, também pode ser fonte de adoecimento quando contém fatores de risco para a saúde e o trabalhador não dispõe de instrumental suficiente para se proteger desses riscos (MURTA E TRÓCOLLI, 2004).
Um fator relevante na saúde pública brasileira é a presença de queixas de algias e/ou doenças crônicas decorrentes de alterações dos mecanismos fisiológicos e comportamentais do organismo em resposta às condições físicas e psicossociais em que os trabalhadores são submetidos, resultando no que conhecemos como “estresse ocupacional”. Independente dos fatores desencadeantes, o estresse, sobre a saúde humana, produz respostas com algumas características que permitem identificar não apenas o grau de gravidade, como também as dimensões fisiológicas, psicológicas, orgânicas, sociais implicadas, entre outras (MINISTÉRIO, 2001).
Um tema importante na recente pesquisa psicossomática tem sido o efeito do estresse no andamento da doença (LEVENSTEIN et al, 1993). As doenças do estresse são freqüentemente classificadas como perturbações psicossomáticas ou “distúrbios psicossomáticos” os quais se referem a condições patológicas físicas causadas ou agravadas por fatores psicológicos (KAPLAN e SADOCK, 1992). Para compreendermos a relação existente entre as condições estressoras do ambiente de trabalho e a qualidade de vida de operadores de caixa de supermercado, primeiramente levaremos em consideração os conceitos e fatores determinantes de estresse, as implicações sobre a saúde e os mecanismos fisiológicos e as intervenções que minimizam os efeitos deletérios do estresse, dentre elas a Eutonia como um instrumento disponível à Fisioterapia para intervenção nesse campo de ação.
1.1. Estresse
Derivado da engenharia, o termo estresse se refere à ação de forças físicas sobre estruturas mecânicas. O que se observa é que conceituar o estresse tem sido abstrato para a biologia e medicina, chegando a um consenso que uma definição precisa ainda é difícil (CARLSON, 1994; SAPOLSKY, 2000).
Tal termo foi adotado pelos biólogos para definir um evento ou situação, de natureza física ou psicológica, que cria um estado de desequilíbrio do organismo ou a resposta elaborada por nosso corpo a essa perturbação, ou ambos (CARLSON, 1994; SAPOLSKY, 2000). A frase “reação de luta ou fuga” também foi introduzida para fazer referência às reações fisiológicas que nos prepara para um esforço extremo requerido para lutar ou fugir, ou seja, quando um animal é submetido a estímulos agudos, ameaçadores da homeostase, inclusive medo, fome, dor e raiva, o corpo deste animal apresenta uma reação em que se prepara para a luta ou para a fuga (MELLO FILHO et al, 1992; CARLSON, 1994; GUYTON e HALL, 1996).
Considera-se que o estresse é o reconhecimento de um estressor, que cria uma ameaça à homeostase, podendo determinar um estado de inquietude e tensão patogênicos em níveis físico e/ou psicológico, sendo as suas respostas de caráter adaptativo com a finalidade de neutralizar o estressor e restabelecer essa homeostase (MACFADDEN, 1999; CHROUSOS et al, 1997 apud NELSON, 2000). Segundo Silva (1976), Nelson (2000), Siegel e Cheu (2001), o termo estresse inclui o agente estressor, a resposta ao estresse e o mecanismo fisiológico entre esse agente e sua resposta.
Nesse sentido, a resposta fisiológica ao elemento estressor é dividida em três componentes: comportamental, autonômico e endócrino, que tem como finalidade a manutenção da homeostase, sendo, portanto, adaptativa para o organismo (McEWEN, 2000; SAPOLSKY, 2000; LOVALLO e THOMAS, 2000). No entanto, quando os organismos são submetidos a agentes estressores de elevada magnitude e/ou de longa duração, essa resposta pode se tornar deletéria culminando com o aparecimento de alguns distúrbios que incluem danos ao tecido muscular (atrofia muscular), amenorréia, infertilidade e impotência sexual, diminuição no crescimento e no reparo tecidual, inibição da resposta inflamatória, diminuição da sensibilidade à insulina, que aumentam os riscos de diabetes, hipertensão, hiperlipidemia e hipercolesterolemia, que associados ao aumento da pressão arterial, favorecem o surgimento de desordens cardiovasculares (MEANEY et al, 1993; CARLSON, 1994; NELSON, 2000; LOVALLO e THOMAS, 2000; SAPOLSKY, 2000; MCEWEN, 2000).
De acordo com Selye (1993), considerado o pioneiro na pesquisa moderna sobre o estresse, a exposição prolongada do indivíduo a estressores resulta em adaptação, sendo essa resposta classificada como Síndrome Geral de Adaptação – GAS (General Adaptation Syndrome). A GAS é dividida em três estágios: a) reação de alarme, consiste na detecção do agente estressor, b) resistência, associada à reação ao agente estressor, e c) exaustão, caracterizada pelo término da resposta ao estresse e o início do estresse patológico, que em casos extremos pode levar a morte. Na verdade, a fase de exaustão não ocorre freqüentemente.
Durante a Reação de Alarme é acionado o eixo hipotálamo-hipófise-adrenal que desencadeia respostas mais lentas e prolongadas e que desempenha um papel crucial na adaptação do organismo ao estresse ao qual se encontra submetido. Nessa fase o organismo se prepara para a reação de luta ou fuga, e os sintomas presentes dizem respeito ao preparo do corpo e da mente para preservação da vida (MELLO FILHO et al, 1992; LIPP, 2003).
Se os agentes estressantes desaparecem, tais reações tendem a regredir; no entanto, se o estímulo continua presente por tempo indeterminado, inicia-se a fase de Resistência, caracterizada basicamente pela reação de hiperatividade córtico-supra-renal e é quando o organismo tenta uma adaptação, em virtude de sua tendência da busca da homeostase interna. Nessa fase, as reações são opostas àquelas que surgem na de Alarme, e muitos dos sintomas iniciais desaparecem dando lugar a uma sensação de desgaste e cansaço (ibidem).
Se os estressores continuarem a agir, ou se tornarem crônicos e repetitivos e o indivíduo não encontrar estratégias para lidar com essa ameaça, o organismo exaure sua reserva de energia adaptativa e a fase de Exaustão se manifesta, surgindo desordens fisiológicas as quais originam as doenças (MELLO FILHO et al, 1992; LIPP, 2003).
Uma quarta fase da resposta ao estresse foi identificada recentemente por Lipp (2003), na padronização do Inventário de Sintomas de Estresse para adultos de Lipp, a qual foi denominada de Quase-Exaustão, por se encontrar entre as fases de Resistência e Exaustão. Essa fase consiste de um enfraquecimento do indivíduo que não mais consegue se adaptar ou resistir ao estressor. Nessa fase, inicia-se o surgimento de quadros patológicos, no entanto não tão graves quanto na fase de Exaustão. Segundo a autora, nessa fase mesmo apresentando desgaste e outros sintomas, o indivíduo ainda consegue trabalhar e atuar na sociedade até certo ponto.
Dentro do citado, quando em contato com um mecanismo estressor, o organismo lança mão de respostas distintas em busca da homeostase, sendo este tópico de tamanha necessidade para a compreensão da temática abordada no presente estudo.
1.1.1. Respostas do estresse
1.1.1.1. Respostas fisiológicas
O eixo Hipotálamo-Hipófise-Adrenal (HHA) é o principal responsável pelo controle da resposta aos estressores físicos e psicológicos (LOVALLO E THOMAS, 2000; DOMES et al, 2001). Diante de um evento ameaçador, quando há uma tendência à quebra na homeostase ocorre a ativação do hipotálamo, um complexo formado de células e fibras nervosas que funciona como uma ponte entre o cérebro e o sistema endócrino. A excitação de células neuroendócrinas da eminência média do hipotálamo promove a liberação do fator de liberação de corticotropina (CRF), que é secretado no Sistema Porta-Hipotalâmico-Hipofisário, ativa as células corticotróficas da hipófise anterior, promovendo a liberação do hormônio adrenocorticotrófico (ACTH). Este atua na camada intermediária do córtex das adrenais, a zona fasciculada, promovendo a secreção do cortisol (SELYE, 1993; GUYTON e HALL, 1996; SAPOLSKY, 2002). Por outro lado, a porção medular das adrenais faz parte da divisão simpática do Sistema Nervoso Autônomo, e libera adrenalina e noradrenalina na corrente sangüínea as quais são responsáveis pela rápida resposta neurovegetativa ao estressor (Tavares, 2004).
A finalidade do cortisol é aumentar a disponibilidade energética para o organismo “lutar ou fugir” frente à situação estressora (GUYTON e HALL, 1996). Alguns outros efeitos estão associados a hormônios como a adrenalina, noradrenalina, serotonina, endorfinas, esteróides gonadais entre outros, e consistem no aumento da entrada de oxigênio nos tecidos, diminuição do fluxo sangüíneo nos sistema gastrointestinal e reprodutivo, diminuição da digestão, do crescimento, da resposta imune, da função reprodutiva e da percepção dolorosa, além de influenciar o mecanismo de consolidação da memória (NELSON, 2000).
A curto prazo, essas respostas fisiológicas ao estresse são de caráter adaptativo e ajudam o indivíduo a enfrentar situações de emergência. A longo prazo, essas respostas tendem a ser prejudiciais ao organismo (SELYE, 1936, 1937; SAPOLSKY, 1992, 1994 apud NELSON, 2000). Deve-se salientar que ambas as respostas podem afetar interações hormônio-comportamentais (NELSON, 2000).
Contudo, deve ser considerado que o modo de perceber os acontecimentos exerce grande influência na reação do indivíduo frente às diferentes situações da vida, principalmente em relação aos aspectos psicossociais. Isso sugere que não é apenas a situação em si que leva ao estresse, visto que deve ser considerado que a reação frente a ela e o modo de percebê-la, dependendo da estrutura e dinâmica de personalidade do indivíduo, são fatores contribuintes dessa resposta (MACFADDEN, 1999).
1.1.1.2. Percepção do estresse
De acordo com Guerra et al (2001), as características pessoais de um determinado indivíduo tais como seu gênero, sua idade, seus traços de personalidade, sua situação social, dentre outras, bem como suas características genéticas, parentais e sócio-familiares, são fatores que possivelmente influenciam a resposta fisiológica a estressores (físicos e psicológicos) em humanos. Dentro dessa mesma abordagem, Carlson (1994), acrescenta a capacidade de percepção e a reatividade emocional de cada indivíduo, ou seja, as diferenças individuais de temperamento ou a experiência com uma situação particular fazem com que um estressor promova um impacto severo ou não; sendo neste caso, a percepção do indivíduo o fator predominante.
Uma das variáveis que determina se um estímulo aversivo causará uma reação de estresse é o grau ao qual a situação pode ser controlada. Para Carlson (1994), situações que permitem algum controle são menos prováveis de produzir sinais de estresse que aquelas nas quais outras pessoas não a controlam.
Segundo Kudielka, Hellhammer e Kirschbaum (2000), homens e mulheres apresentam estratégias de enfrentamento do estresse diferentes. Heim, Ehler e Hellhammer (2000) e Powell et al (2000), classificam o sexo masculino com uma melhor habilidade na resolução de uma situação ameaçadora imediata, enquanto que as mulheres elaboram por mais tempo essa resposta; sugerindo, portanto, diferentes padrões de percepção de estresse com relação ao gênero. Esse fato pode justificar a afirmação de Powell et al (2000), sugerindo que as mulheres referem maiores queixas relacionadas ao estresse como: dores musculoesqueléticas crônicas, exaustão, tensão e depressão. Al’Absi et al (2002) observaram diferenças entre os gêneros quanto à percepção dolorosa em seu estudo, no qual encontraram uma associação entre variáveis hemodinâmicas e a percepção dolorosa apenas em mulheres, demonstrando preditores fisiológicos diferentes para a percepção dolorosa em homens e mulheres.
Barros e Nahas (2001), em seu estudo para avaliar a prevalência de comportamentos de risco, percepção de estresse e auto-avaliação do nível de saúde, também apontaram as mulheres como o gênero com maior percepção de estresse, através da escala de 4 pontos de Likert (1= raramente estressado, 2= às vezes estressado, 3= quase sempre estressado e 4= excessivamente estressado). Para ambos os gêneros, a percepção de níveis elevados de estresse foi diretamente proporcional à percepção negativa da condição de saúde.
Um instrumento com a finalidade de avaliar o nível de estresse percebido foi desenvolvido por Lenvenstein et al (1993). Este questionário enfatiza percepções cognitivas mais do que estados emocionais ou eventos de vida específicos. O mesmo foi validado para a língua portuguesa por Costa e Costa (2004).
Como exposto, segundo Mello Filho et al (1992) e Lipp (2003), se o individuo atinge níveis elevados de estresse, e estes se tornam cronificados, o enfrentamento deste indivíduo pode ficar prejudicado frente a essa ameaça, levando a uma exaustão, em nível adaptativo. Isso faz surgir desordens fisiológicas as quais originam as doenças.
1.1.1.3. Respostas deletérias do estresse
O estresse em si não é patológico, refere-se a uma reação natural do organismo quando colocado diante de uma situação ameaçadora. No entanto, em situações quando o mecanismo estressor persiste, essa resposta pode causar danos, já que alguns fatores como os de caráter genético (níveis de pressão arterial basal elevados) ou ainda, de caráter fisiológico (concentrações hormonais) e psicológicos (percepção do estressor e estados de ansiedade e humor), influenciam de forma direta para que a resposta a um mecanismo estressor torne-se deletéria (TAVARES, 2004).
Os efeitos patológicos do estresse crônico envolvem processos cardiovasculares, metabólicos, reprodutivos, digestivos, imunes e anabólicos. A eficácia da função cognitiva diminui sob estresse, em particular, o estresse severo ou crônico leva a uma total depressão da função intelectual, incluindo distúrbios cognitivos, situações de falta de interpretação, pensamentos padrões de ineficácia e improdutividade, além de indecisão (SAPOLSKY, 1994; BROWN,1997 apud NELSON, 2000).
Algumas patologias musculoesqueléticas estão possivelmente relacionadas com distúrbios no funcionamento do eixo HHA. Para Jones, Rollman e Brooke (1997), o estresse pode ser um fator que induz dores musculoesqueléticas, como resultado de uma não regulação psicobiológica. De acordo com Guimarães (1999), a dor é parte integrante da vida, presente desde o nascimento até a morte, consistindo na forma mais antiga de manifestação de estresse. A autora refere a dor como uma experiência complexa e multidimensional, sendo as características individuais e as variáveis psicossociais, aspectos mediadores do processo doloroso.
1.2. Desconforto corporal
A percepção do desconforto corporal é algo complexo e tem influência de experiências prévias e do contexto no qual o estímulo nocivo ocorre. Via interconexões neurais, o sistema nervoso central (SNC) é capaz de modular e controlar essa percepção, como forma de reduzir seu impacto sobre o organismo, prevenindo e/ou minimizando os sintomas. Além disso, a influência de fatores comportamentais, cognitivos e afetivos, e, sobretudo, a tensão muscular podem ser adicionados a um dano tecidual e contribuir para o aumento da intensidade e persistência do desconforto, tornando-o crônico (SILVA e VIEIRA, 2001).
Devido à subjetividade imbuída neste aspecto, Zabel e McGrew (1997) apud Silva e Vieira (2001) criaram um protocolo de avaliação da percepção dos diversos desconfortos corporais relacionados à atividade laboral, como forma de contribuir para uma melhor mensuração desta temática. Esse protocolo relaciona áreas do corpo humano com a intensidade do desconforto, que varia numa escala numérica de 0 a 10, na qual o “zero” representa a ausência de sintoma e o “dez” significa um desconforto insuportável (SILVA e VIEIRA, 2001).
Estudos realizados por Lundberg et al (1999), revelam uma associação entre fatores psicossociais no local de trabalho e desordens musculoesqueléticas, não sendo estas determinadas somente pela demanda física, mas também por fatores cognitivos, os quais podem conduzir ao estresse mental causador, segundo o mesmo autor, do aumento na tensão muscular.
As condições dolorosas, especialmente as crônicas, apresentam um forte componente associado às respostas emocionais de ansiedade, humor e depressão, resultando em distúrbio no ciclo sono-vigília, no trabalho, na mobilidade, na socialização do indivíduo, fatores esses que de forma direta interferem nas condições de saúde do indivíduo e em sua qualidade de vida (WATSON, 1996; GUIMARÃES, 1999).
1.3. Qualidade de vida
Num sentido amplo do termo, The WHOQOL Group (1995) apud Seidl e Zanon (2004) define qualidade de vida como a percepção do indivíduo acerca da sua posição na vida, no contexto da cultura e dos sistemas de valores nos quais ele vive, e em relação a seus objetivos, expectativas, padrões e preocupações.
Quando relacionado à saúde, o termo qualidade de vida parece implicar os aspectos mais diretamente associados às enfermidades ou às intervenções em saúde, onde a maioria dos autores faz referência ao impacto da enfermidade na qualidade de vida (Seidl e Zannon, 2004). Para Guiteras e Bayés (1993), qualidade de vida é a valoração subjetiva que o indivíduo faz dos diferentes aspectos de sua vida, em relação ao seu estado de saúde. Esse conceito se assemelha ao de Cleary et al (1995), o qual afirma que a qualidade de vida se refere aos diversos aspectos da vida de uma pessoa que são afetados por mudanças no seu estado de saúde, e que são significativos.
Na literatura médica e social não existe um consenso acerca dos itens que devem ser investigados na avaliação da qualidade de vida de um indivíduo. Existem muitas divergências em relação a esse aspecto, porém, há uma concordância entre os pesquisadores acerca de suas características, que incluem subjetividade, multidimensionalidade e bipolaridade (THE WHOQOL, 1995; PASCHOAL, 2000).
A primeira considera a percepção da pessoa sobre seu estado de saúde e sobre os aspectos não-médicos do seu contexto de vida, ou seja, considera como o indivíduo avalia sua situação pessoal em cada uma das dimensões relacionadas à qualidade de vida, sem ignorar a existência fatores externos às pessoas, presentes no meio e nas condições de vida e de trabalho (ibidem).
O aspecto multidimensional do termo se refere ao reconhecimento de que a qualidade de vida é formada por diferentes dimensões. Para o WHOQOL (1995), esta avaliação deve incluir seis domínios principais: saúde física, estado psicológico, níveis de independência, relacionamento social, características ambientais e padrão espiritual.
A bipolaridade, última característica citada, refere-se às dimensões positivas e negativas que o construto possui. Mobilidade, autonomia, dentre outros, são exemplos de dimensões positivas, diferentes da dor e dependência, por exemplo, que são consideradas dimensões negativas (PASCHOAL, 2000).
Paschoal (2000) acrescenta ainda uma quarta característica ao construto, que é a mutabilidade, visto que, como já foi dito, a avaliação da qualidade de vida muda com o tempo, lugar e contexto cultural e, individualmente, muda conforme o estado de espírito ou humor da pessoa, o que aumenta a dificuldade de aferição.
Quanto à avaliação da qualidade de vida, Seidl e Zannon (2004) afirmam que os termos “qualidade de vida” e “estado de saúde” aparecem na literatura muitas vezes quase como sinônimos. Essas autoras concluíram que os dois construtos são diferentes e alertam que determinados instrumentos que avaliam a percepção do estado de saúde não devem ser usados para a avaliação da QV; pois o primeiro atinge uma maior predição com os aspectos relacionados a aspectos físicos – variáveis como dor, fadiga e energia, enquanto o segundo (QV) apresenta um alto poder de predição em relação à saúde mental/ bem-estar psicológico.
Um questionário para avaliação da qualidade de vida que foi validado, traduzido e adaptado culturalmente para a língua portuguesa é o Medical Outcomes Studies 36-item Short-Form (MOS SF-36). Este trabalho de validação, realizado por Ciconelli et al (1999), foi composto por cinqüenta (50) pacientes portadores de artrite reumatóide. Este questionário é um instrumento multidimensional, que avalia a qualidade de vida através de oito (8) domínios distintos, porém inter-relacionados, os quais são: capacidade funcional, aspectos físicos, dor, estado geral de saúde, vitalidade, aspectos sociais, aspectos emocionais e saúde mental. Isto garante ao questionário um caráter culturalmente universal, pois respeita a importância da avaliação de condições físicas, psicológicas e sociais do indivíduo (SOUZA, 2001).
Com relação à influência do trabalho na qualidade de vida, Lipp (2001) afirma que o homem vive hoje de modo muito diferente de antigamente e esses novos hábitos, principalmente nas relações homem-trabalho, nem sempre representam avanços do ponto de vista da qualidade de vida.
Segundo Couto (1987) apud Lipp e Tanganelli (2002), o estresse ocupacional interfere na qualidade de vida modificando a maneira como o indivíduo interage nas diversas áreas da sua vida. Na área familiar pode ocorrer alta incidência de desajustamentos, pois caso haja pouco tempo dedicado à família em função do alto investimento no trabalho acarretará falta de suporte e apoio quando necessário. Na área social, pode ocorrer o isolamento e a conseqüente falta de amigos. Culturalmente, pode ocorrer rigidez comprometedora do desempenho em função da grande resistência a mudanças desenvolvida. A criatividade fica prejudicada e um empobrecimento de valores pode ocorrer, principalmente se a pessoa assume uma forte tendência a buscar ou a se manter no poder, no caso pode ser a manutenção de um emprego.
Ainda para Lipp e Tanganelli (2002), torna-se claro que o estresse, excessivo e contínuo, pode, além de ter um efeito facilitador no desenvolvimento de inúmeras doenças, propiciar um prejuízo para a qualidade de vida, alterando a produtividade do ser humano.
No Brasil tem se realizados trabalhos científicos com uma série de profissões envolvidas com estresse ocupacional (policiais militares, bancários, professores, médicos, magistrados, entre outros), segundo Murta e Tróccolli (2004); no entanto pouco se sabe sobre a influência deste fator na qualidade de vida de operadores de caixa de supermercado.
1.4. Função de operadores de caixa de supermercado
De acordo com Lipp (2003), as exigências do dia-a-dia do indivíduo, como os problemas de trabalho, perda de uma posição na empresa, não concessão de um objetivo de trabalho, perda de dinheiro ou dificuldades econômicas, notícias ameaçadoras, dentre outras, podem ser classificados como mecanismos estressores externos. É geralmente suposto que experiências estressantes são más, sendo necessário formas para prevenir ou reduzir o estresse. Contudo, algumas pesquisas têm mostrado que o estresse pode ter conseqüências desejáveis (MELLO FILHO et al, 1992). Isso porque há múltiplas dimensões de estresse, algumas das quais estão associadas com resultados positivos de trabalho. Especificamente, estresse relacionado ao desafio ocasiona resultados desejáveis, tais como satisfação com o trabalho e menos busca por outro emprego, enquanto estresse relacionado à limitação leva a associações negativas desses mesmos resultados (BOSWELL, OLSON-BUCHANAN e LePINE, 2003).
A relação sobre carga de trabalho e influência sobre as decisões do cargo (condições físicas e psicossociais do trabalho) foi abordado ainda por Lundberg et al (1999) quando estressores crônicos relacionados à ocupação do indivíduo, como as altas rotinas de trabalho e a pouca influência sobre as decisões do cargo, tem efeito negativo sobre a saúde física e mental dos empregados, pela ocorrência de queixas associadas à fadiga, absenteísmo e exaustão.
Dentre os variados grupos ocupacionais, os operadores de caixa, protagonistas deste trabalho, chamam a atenção quanto à sua atividade. Um traço que singulariza esta atividade é a multiplicidade de operações que eles realizam. Estas diferentes operações realizadas por esses operadores implicam em ações manuais incessantes, porém diversificadas (BRANDIMILLER, 1994).
Segundo a Classificação Brasileira de Ocupações, este grupo de operadores manipula caixa registradora em casas comerciais, normalmente de auto-serviços, como nos supermercados, digitando teclas e efetuando operações correlatas, para calcular e cobrar cuidadosamente o valor das mercadorias adquiridas pelos clientes (BRASIL, 2003).
Mais especificamente, o operador de caixa efetua as operações de abertura da caixa, como limpeza, atualização de datas, checagem de valores e outras, valendo-se de sua experiência e seguindo rotinas para deixá-la nas condições requeridas pelo trabalho; procura o código de barras das mercadorias, passa-o pela leitora óptica do caixa (alguns produtos devem ser digitados) e registra os preços de cada e o valor total da compra, determinando a quantia a ser paga pelo cliente; cobra esse valor, recebendo-o em espécie, cheque ou debitando no cartão de crédito do cliente; passa o troco devido; recolhe o dinheiro posteriormente para o cofre das empresas; faz o balanço do caixa ao final do expediente, comparando o valor total registrado na fita e os valores disponíveis, para assegurar a exatidão da cobrança descrita. Também pode desempenhar outras tarefas, como prestar informações ao cliente, remarcar preços, repor produtos, receber embrulhos e vasilhames, contar moedas e outras próprias do comércio (BRASIL, 2003; CRUZ et al, 2000).
Os componentes cognitivos da tarefa realizada pelos caixas de supermercado, semelhantemente aos caixas de banco, são bastante relevantes, visto que essa tarefa exige, embora com menos intensidade, os usos intensivos, freqüentes e prolongados de funções mentais como atenção, concentração, memória, raciocínio, tomada de decisão e comunicação (FERREIRA, 1992 apud INAOKA e PAIVA, 2002).
Para Lundberg et al (1999), a população de operadores de caixas de supermercados é susceptível a desordens corporais de natureza musculoesquelética, tendo em vista a grande pressão imposta pelo trabalho, a limitada influência sobre as tarefas a serem executadas e a participação em tarefas repetitivas de curta duração, fatores estes que são determinantes no surgimento dessas desordens e considerados estressores físicos e psicossociais. Neste mesmo estudo, os autores comprovaram suas afirmações por meio de parâmetros fisiológicos (pressão arterial sistólica e diastólica, batimentos cardíacos e níveis de adrenalina e noradrenalina).
A fim de intervir para a resolução destes problemas laborais, a Fisioterapia tem enfatizado procedimentos reabilitativos/curativos ou até mesmo intervenções no ambiente de trabalho, em contraste com os preventivos e os que focalizam suas atenções no trabalhador, o qual também merece um olhar mais altruísta por parte da prática fisioterapêutica.
Embora arranjos do ambiente organizacional produzam possivelmente resultados rápidos e eficazes na promoção da saúde do trabalhador (STOKOLS, 1992 apud MURTA E TRÓCCOLI, 2004), intervenções focadas neste público podem também contribuir para a prevenção de doença, ao atuarem como ferramenta auxiliar em programas multidisciplinares de promoção de saúde no trabalho. O modo como a pessoa lida com as circunstâncias geradoras de estresse exerce grande influência sobre sua saúde, modulando a gravidade do estresse resultante. Por isso programas focados no trabalhador devem incrementar os recursos individuais de enfrentamento ao estresse (MURTA E TRÓCCOLI, 2004).
1.5. Relaxamento e eutonia
Dentre os variados procedimentos que podem ser utilizados pela Fisioterapia, deve ser considerada a prática do relaxamento induzido; pois tenta preparar não só o corpo do indivíduo, mas a sua corporeidade como um todo, para melhor se adaptarem às demandas associadas à sobrevivência e reprodução. É nesse sentido onde se busca a Medicina Psicossomática quando o aspecto psicológico do indivíduo torna-se fundamental no processo saúde/ doença (Bio, 1999).
Para Stoyva e Carlson (1993) as técnicas de relaxamento consistem nas melhores formas não farmacológicas no tratamento de desordens relacionadas ao estresse. Isto porque atuaria como redutor da resposta ao estresse por modular a intensidade dessa resposta ou ainda por auxiliar no retorno ao estado fisiológico basal após a cessação do estímulo estressor. Assim, várias técnicas vêm sendo sugeridas, de acordo com as diferentes tradições culturais e intelectuais, com o objetivo de diminuir os sintomas relacionados ao estresse, como a insônia, as dores de cabeça, a hipertensão e a ansiedade crônica.
Reynolds, Taylor e Shapiro (1993) encontraram que, dentre os componentes de combate ao estresse avaliados (informação sobre estresse, relaxamento, assertividade, reestruturação cognitiva, manejo de tempo e suporte social), os que tiveram um alto impacto positivo foram, principalmente os que envolveram o autoconhecimento e definição de problemas.
Segundo Vishnivetz (1995), estudos dentro de uma perspectiva ‘somatopsíquica’ evidenciam que o estado do corpo afeta o funcionamento emocional, intelectual e reflexivo, ou seja, a consciência de todas as atividades psicossociais do indivíduo. A Medicina Psicossomática enquanto uma nova ideologia sobre a saúde, sobre a produção da saúde e sobre as práticas de saúde procura estabelecer a importância dos fatores psicogênicos nas doenças de adaptação, reconhecendo a importância da ação por eles exercida nas doenças desse tipo (BIO, 1999; SILVA, 1976).
Uma técnica de relaxamento que envolve estas duas abordagens é a “eutonia” (do grego eu = bom, justo, harmonioso, e tonos = tônus, tensão), que foi criada em 1957 por Gerda Alexander para expressar a idéia de uma tonicidade harmoniosamente equilibrada, em adaptação constante e consciente, ajustada ao estado ou à atividade do momento (ALEXANDER, 1991). Segundo Vishnivetz (1995), eutonia é uma educação psicofísica que objetiva despertar e cultivar a consciência da unidade psicofísica que cada indivíduo é.
Para Brieghel-Muller (1987), não é necessário apenas um relaxamento (descontração muscular) para um domínio satisfatório do corpo, mas a aquisição de um equilíbrio tônico. Segundo Vishnivetz (1995), um dos objetivos principais da eutonia, no âmbito físico, é a regularização do tônus muscular pelo indivíduo, de modo que este possa atuar com o tônus e a energia adequados e necessários a cada situação de sua vida. No âmbito psicológico, a prática da eutonia permite ao indivíduo o autoconhecimento, processo que é facilitado pela observação atenta e minuciosa dos eventos corporais pessoais. Isto requer a ampliação da percepção, que envolve proprioceptores da sensibilidade superficial e profunda, elementos cognitivos, consciência da posição e direção da estrutura esquelética no espaço, além da distribuição das tensões em sua estrutura neuromuscular.
Vishnivetz (1995) afirma que esta técnica trabalha com a capacidade humana de se mover e se deslocar no espaço e desenvolve a consciência dessa capacidade; e isto não só melhora a qualidade do movimento do indivíduo, como a pessoa em sua totalidade, uma vez que a técnica engloba os seguintes princípios: o tato consciente, a consciência do espaço interno do volume corporal, o contato consciente, a percepção da estrutura óssea, o microestiramento, o transporte, o repousser e o movimento eutônico (distribuição harmônica do tônus e tensão necessários para cada grupo muscular executar o movimento). O estímulo consciente da pele e do sentido do tato é um trabalho com o fim de desenvolver a consciência da sensibilidade superficial e profunda, que é o ponto de partida de qualquer experiência na prática da eutonia. Cabe ao eutonista orientar o indivíduo a dirigir gradualmente sua atenção para cada parte do seu corpo, solicitando-lhe que observe: o apoio que o solo proporciona ao corpo, a pressão que suas diferentes partes exercem contra o chão, a posição espacial de um segmento em relação ao outro, o roçar da roupa na pele. Este trabalho é denominado “inventário” e deve ser realizado a cada vez de modo diferente, para evitar a mecanização.
Segundo esse mesmo autor, durante o trabalho de aplicação do inventário, a atenção é dirigida tanto para as partes do corpo apoiadas, como aquelas que não tocam o chão. O posicionamento do indivíduo deve variar, para que observe as mudanças nos diferentes segmentos e apoios ou na pressão contra o chão. Por fim, pede-se a pessoa que sinta todo o corpo simultaneamente e observe quais partes sentem e quais não sentem. Essas mudanças vivenciadas permitem conhecer o corpo como uma estrutura organizada dinamicamente e susceptível a contínuas mudanças de estado.
Segundo Brieghel-Muller (1987), o inventário é um exercício de base de relaxamento global. Para proceder com o relaxamento, é preciso aprender e adotar a passividade inicialmente, para o repouso muscular, e alterná-la com a atividade, proporcionando, desta forma, uma função ideal do organismo e tornando os movimentos fáceis; isto caracteriza a eutonia como um relaxamento ativo. Para esse primeiro exercício de relaxamento consciente, devemos indicar, ao sujeito, uma posição de repouso agradável e ausência de movimentos por um tempo que pode variar de um minuto a meia hora ou mais.
De acordo com Vishnivetz (1995), a eutonia desenvolve a consciência do espaço interno do corpo através de um trabalho cuidadoso, integrador e profundo sobre a pele, articulações, ossos e órgãos internos. Assim, as impressões recebidas a partir das diversas partes do corpo se inter-relacionam e se interligam em uma organização perceptiva mais complexa e integrada, na qual intervêm os receptores exteroceptivos, proprioceptivos e viscerais. Assim, como cada parte do corpo precisa habitar e ocupar um espaço determinado, é impossível começar um processo dessa ordem, de conhecimento do corpo, sem reconhecer seus limites, conteúdos e sensações que provém dessa experiência vital.
O espaço interno pode começar a ser trabalhado pela sensibilização da superfície da pele. Daí a pessoa varia a concentração de sua atenção e percorre as diversas dimensões do corpo. Uma seqüência possível é: sentir os limites do espaço da região escolhida (largura, comprimento, espessura e profundidade) e perceber o conteúdo da região: tecidos, ossos e articulações (forma, movimento e função).
Segundo Vishnivetz (1995) o exercício é realizado primeiramente em posição estática, geralmente deitada. Pode-se repetir o processo em outras posições, até conseguir manter a percepção do movimento durante o movimento e os deslocamentos no espaço e assim, com a prática regular, poder aplicá-la durante as atividades cotidianas. Deste modo, este trabalho, realizado de forma ordenada e com a precisão propostas pela eutonia, estimula os receptores, de tal modo que completam a percepção do espaço interno, estabelecendo, assim, a localização adequada dos diferentes órgãos. A experiência do espaço interno estimula a pele, sob a qual estão contidos muitos órgãos sensoriais, entre eles, os mecanorreceptores, que ativam a regularização do tônus muscular e aumentam a conscientização dos limites do corpo e suas três dimensões. Assim, os efeitos do trabalho regular sobre a percepção do espaço interno são: expansão dos órgãos internos, maior desenvoltura ao se mover no espaço e aumento da autoconfiança.
Tendo em vista que a ocupação de operador de caixa de supermercado é uma função com diversas exigências físicas e mentais, potencialmente estressoras, e que esta população está susceptível a apresentar desordens musculoesqueléticas resultantes do estresse ocupacional, com conseqüente comprometimento da qualidade de vida, surgiu o seguinte questionamento: o relaxamento, baseado nos princípios da eutonia, interfere sobre os índices de estresse percebido, desconforto corporal e sobre a qualidade de vida de operadores de caixa de supermercado?