DISCUSSÃO
6.1. Percepção do estresse
Mediante os resultados expostos, com relação à percepção do estresse, é possível verificar que o valor da média do IEP inicial foi de 0,49. Segundo Levenstein et al (1993), em seu estudo de desenvolvimento do questionário do estresse percebido (QEPL na língua portuguesa) realizado em uma população heterogênea, composta por grupos de pacientes com problemas gastroenterológicos e de profissionais da área da saúde; quanto mais o valor do questionário estiver próximo de 1,0 (um) maior será o nível de estresse percebido e quanto mais próximo de 0,0 (zero) menor será esse nível. Como o valor do IEP inicial do presente estudo encontra-se aproximadamente na metade do intervalo citado, pode-se inferir que a população em questão apresenta sinais modestos de estresse, de acordo com o questionário utilizado.
Costa e Costa (2004), no seu trabalho de validação do QEPL para a língua portuguesa realizado com 152 operadores de caixa de supermercado, mostraram uma média do Índice do Estresse Percebido (IEP), na forma Recente do questionário, de 0,62; o que levou as autoras concluírem que a população estava submetida a uma situação de potencial estresse, diferenciando dos achados do presente estudo.
De acordo com alguns dados referentes à caracterização da amostra, verifica-se que a maioria da amostra realiza outra atividade na empresa (além de operador de caixa), possui dupla jornada de trabalho, não tem atividade de lazer, nem pratica atividade física, não se sente realizada profissionalmente, obtém uma baixa renda salarial e que todos apresentam desconforto corporal relacionado ao trabalho. Esses fatores, de acordo com Lundberg e Frankenhaeuser (1999), Boas (2003), Ebrecht et al (2003) e Costa e Costa (2004), tornam o indivíduo mais susceptível ao desenvolvimento de estresse ocupacional.
Contudo, também foi encontrado no presente estudo que em relação à satisfação profissional, 67% estão satisfeitos com o ambiente de trabalho e 78% estão satisfeitos com a atividade laboral desempenhada. Segundo Boswell, Olson-Buchanan e Lepine (2003), a satisfação do trabalho está ligada positivamente ao nível de percepção de estresse ocupacional. Considerando a multicausalidade de agentes estressores, é possível que esses valores de satisfação encontrados estejam compensando os resultados de estressores ocupacionais negativos comentados acima; o que pode justificar em parte o valor inicial do IEP encontrado no presente estudo.
Com relação ao comportamento dos níveis de IEP antes e após a intervenção, verifica-se que houve significativa redução, variando de 0,49 para 0,37. Percebe-se com isto que a técnica de relaxamento empregada parece ser eficaz na redução desse índice. Carlson e Stoyva (1993) ressaltam que para o controle ou administração do estresse é importante a questão da “controlabilidade”, isto é, a percepção do indivíduo de influência sobre a situação estressora, ou sua reação a ela. Esses autores também afirmam que o relaxamento é um exemplo de procedimento para administração do estresse que trabalha a idéia de aumento do controle, ou até a sensação dele. Portanto, é possível que o tipo de relaxamento empregado no presente estudo, o qual enfatiza o trabalho da conscientização corporal, tenha promovido uma maior percepção corporal dos agentes estressores, bem como uma maior sensação de controle sobre os mesmos, o que pode ter acarretado em um maior poder de controlabilidade do estresse.
6.2. Desconforto corporal
6.2.1. Desconforto corporal e ambiente de trabalho
Quanto à relação entre desconforto corporal e ambiente de trabalho, cujos dados foram obtidos a partir do questionário de identificação geral, foi evidenciado que todos os participantes da amostra referiram alguma queixa álgica durante ou após o trabalho; 67% responderam sentir dor quando sentados e 55% afirmou permanecer em torno de 4 horas ou mais nesta posição. Mais da metade da amostra (56%) afirmou já haver se ausentado do trabalho por motivo de doença, dos quais 40% por 2 vezes. Dias (2001), refere a profissão de operadores de caixa de supermercado como bastante exaustiva, tendo em vista a grande exigência de atenção necessária durante o registro dos artigos, podendo gerar tensão muscular e consequentemente o adoecimento, com o decorrer do tempo.
Mello Filho et al (1992) inferem que a maior predisposição e ocorrência de manifestações de doença em um meio de trabalho constituem índices importantes para se verificar o nível de saúde deste meio, não somente em termos higiênico-sanitários, mas também em termos de saúde social, comprometendo biologicamente o indivíduo. Ademais, Nahit et al (1993) que analisaram sujeitos de ocupações diversas, verificaram que demandas de estresse psicológicos estão associadas com o dobro de risco da dor relatada, enquanto aspectos de demanda de trabalho estão associados com o aumento casual dessa dor. Dentro dessa abordagem, podemos supor que apesar dos indivíduos investigados não terem apresentado escores do IEP característicos de populações sujeitas a condições elevadas de estresse psicossocial, os indicativos de presença de dor sugerem que a população em estudo encontra-se em condições de estresse físico de caráter laboral, as quais podem comprometer biologicamente os indivíduos em questão. É possível que o Questionário do Estresse Percebido de Levenstein (QEPL), utilizado no presente estudo, pode não ser totalmente adequado para avaliar a influência de comprometimentos físicos no nível de estresse percebido.
Quando analisadas as questões sobre a atividade laboral, 66% dos participantes trabalham como operador de caixa de supermercado há um período de 1 a 4 anos e 11 meses. Todos afirmaram ter apenas uma pausa durante o turno de trabalho, cuja duração predominante foi de até 20 minutos (67%), sendo que 78% respondeu fazer refeição neste tempo. Segundo a empresa, a duração da pausa varia (de 20 minutos a 1 hora) de acordo com a necessidade da mesma, ou seja, com uma grande demanda de clientes, a duração das pausas é diminuída. Isso vai de encontro ao recomendado pela Legislação de Segurança e Medicina do Trabalho (LSMT), a qual garante ao trabalhador que possui tarefas com exigência de esforço repetitivo o direito a "uma pausa de 10 minutos para cada 50 minutos trabalhados, não deduzidos na jornada normal de trabalho" de seis (6) horas-dia, no caso do operador de caixa de supermercado. (INFORMATIVO da LSMT apud MARTINS e DUARTE, 2000).
Esses dados sugerem que a pausa não se constitui em “pausa de repouso”, pois os trabalhadores, em sua maioria, fazem sua refeição nesse intervalo. A dinâmica atual das pausas pode ser um dos causadores dessa queixa álgica, somando-se a isso o fato de que a coluna lombar foi uma das regiões com maior número de referência nessa população. Considerando esse aspecto, o MINISTÉRIO (2001) observou que em indivíduos estressados e tensos, a atividade muscular normal, de repouso, é mais elevada do que a média, como conseqüência, a pressão entre os discos que separam as vértebras lombares seria maior, podendo resultar em patologias da coluna.
6.2.2. Percepção do desconforto corporal e Eutonia
Na avaliação do desconforto corporal, investigado através do questionário adaptado de Zabel e McGrew, evidenciou-se em números absolutos uma diminuição discreta da quantidade de queixas quando comparados os momentos antes e depois da intervenção (antes – 59 queixas; depois – 57 queixas), mas não havendo diferença estatística relevante.
Murta e Troccoli (2004) em seu trabalho de pesquisa em estresse ocupacional com funcionários de um hospital utilizaram um programa de intervenção baseado no modelo cognitivo-comportamental, o qual envolvia a prática do relaxamento; a intervenção foi conduzida ao longo de 24 sessões (um ano), com periodicidade quinzenal e duração de 40 minutos. Apesar de a avaliação ter sido por relatos verbais, os resultados mostraram uma grande eficácia no nível de satisfação com a técnica e desenvolvimento de habilidades de solução de problemas. Da mesma forma, os estudos citados por Carlson e Stoyva (1993), como o de Kabat-zin, Lipworth e Burney (1985) que realizaram um estudo com meditação e relaxamento em 10 semanas, e o de Blanchard et al. (1982) que utilizou apenas o relaxamento, com 10 sessões num período de 8 semanas, apresentaram resultados significativos na redução de dores crônicas.
Para estas comparações deve-se considerar as diferenças metodológicas utilizadas nos estudos com relação às populações utilizadas nos estudos, os protocolos utilizados para a avaliação da eficácia da técnica, as diferentes técnicas utilizadas, o número de sessões as quais os sujeitos foram submetidos, podendo-se supor portanto, que as diferentes técnicas de relaxamento podem necessitar de tempos distintos para que o indivíduo adapte-se e seja capaz de identificar melhora em termos de desconforto corporal. Como no presente estudo o IEP se mostrou diminuído, é possível que haja uma tendência de que a técnica utilizada para a população em questão, consiga atingir resultados físicos favoráveis após um período maior de intervenção.
As regiões com maior número de queixas, tanto na avaliação inicial quanto na final, foram: pernas, pescoço, coluna lombar e mão/ punho direito e esquerdo. Na avaliação final surgiram regiões com queixas que não foram relatadas na primeira avaliação, as quais foram: abdome, cotovelo direito e esquerdo, e a região pélvica. Esses resultados não apresentaram nenhum significado estatístico, o que nos revela que a intervenção não alterou a distribuição de queixas por regiões do corpo.
A avaliação do desconforto corporal também evidenciou que, antes da aplicação da técnica de relaxamento, a maioria das queixas de desconforto eram perceptíveis (48%) ou moderadas (41%), porém já havia referências nos níveis severo (6%) e insuportável (5%). Após a realização das práticas, as categorias perceptível e moderada também sofreram redução (33% e 39%, respectivamente), enquanto houve aumento nos níveis severo e insuportável (19% e 9%, respectivamente). Além disso, a diferença entre o nível de sensibilidade total (somatório) antes e depois da intervenção no grupo apresentou uma tendência a aumento desse nível após o período estudado (0,10 > p < 0,05).
Vishnivetz (1995) afirma que a prática da eutonia permite ao indivíduo o autoconhecimento e que isto requer um processo de ampliação da percepção (sensibilidade superficial e profunda, consciência da posição e direção da estrutura esquelética no espaço e distribuição das tensões em sua estrutura neuromuscular), ou seja, melhora da “consciência corporal”. Isto sugere que a técnica empregada tende a tornar seus participantes mais sensíveis a quantificação de cada um de seus desconfortos corporais, tanto na quantificação do escore geral da sensibilidade do desconforto (somatório), quanto na classificação de suas queixas (discriminação em níveis de sensibilidade). É provável que esta população consiga atingir resultados mais significativos quanto ao nível de sensibilidade do desconforto após um período maior de intervenção.
6.3. Qualidade de vida
De acordo com os resultados identificados, há evidências de que existe diferença estatística entre o somatório dos indicadores de QV inicial (494,593) e QV final (611,463), tendo, portanto, o somatório dos indicadores de QV inicial apresentado menor escore quando comparado ao final; isto nos mostra, com relação aos itens investigados no instrumento, uma melhora na QV geral do grupo que foi submetido à técnica de relaxamento.
Todos os indicadores de QV presentes e analisados do MOS SF – 36 mostraram aumento quando comparados os valores inicial e final; porém os que apresentaram valor significativo, estatisticamente, foram: o Estado Geral de Saúde (P-valor = 0,017<0,05), com valores de suas médias variando de 51,33 para 73,11, e Vitalidade (P-valor = 0,011<0,05), com valores de suas médias variando de 46,11 para 68,88.
Diante desses resultados, podemos supor que o relaxamento utilizado pode ter influenciado na melhoria da percepção do estado geral de saúde e da vitalidade dos participantes. Carlson e Stoyva (1993) dizem que a sensação de controle é um importante fator não apenas no enfrentamento do estresse, mas para a saúde em geral (estado geral de saúde).
Fernandes (1996) apud Souza (2001), afirma que qualidade de vida no trabalho é relevante para o ser humano, pois o nível de satisfação com ele trará influências em seu cotidiano, o que afeta a auto-estima e conseqüentemente sua produtividade. Sendo assim, infere-se que a técnica de relaxamento utilizado no presente estudo tende a refletir positivamente na qualidade de vida e, conseqüente, produtividade destes funcionários dentro de suas funções na empresa.