4.7. Valores sociais

Segundo Ozella (2002), a concepção vigente na psicologia sobre a adolescência encontra-se intimamente relacionada a estereótipos e estigmas. Essa tradição tem seu início relacionado aos estudos de Sntanley Hall desde que ele a identificou como um estágio do desenvolvimento humano marcado por transtornos e turbulências por ocasião da emergência da sexualidade. Algumas teorias psicanalíticas reforçaram essa concepção na medida em que estas caracterizam a adolescência como sendo uma fase de confusões, de lutos e estresse causados, sobretudo pelos impulsos sexuais. Knobel (citado por Ozella) introduziu ainda o termo "síndrome normal da adolescência" para diferenciar as características daqueles que estão nessa fase da vida.

Pretendemos fornecer ao leitor uma visão crítica da concepção colocada acima. Para tanto, apresentaremos algumas críticas e ela. Segundo Ozella, quando os teóricos acima definem certas características como inerentes ao adolescente, eles pressupõem uma crise que independe das marcas sócio-culturais. Ou seja, ao demarcarem a adolescência dessa maneira, eles acabam por concebê-la de forma universalizante, naturalizante e descontextualizada. Destarte, pretendemos adotar nesta pesquisa esta visão mais crítica desse período, tentando detectar nesta seção que valores sociais existem entre os adolescentes e jovens desta pesquisa, tentando relacioná-los ao contexto que os circundam tentando desmistificar que essa visão naturalizada da adolescência.

A seguir apresentaremos críticas formuladas por Santos (citado por Ozella, op.cit.) a estas noções de adolescência universalizantes:

1. Nestas concepções há um descompasso entre as "os compromissos teóricos e os fatos" que produz uma dicotimização (inato x adquirido, universal x particular, racional x emocional, etc).

2. Nestas concepções há também um presentismo pelo uso de conceitos ou concepções do passado nas concepções atuais.

3. Tais noções geram estudos baseados em um único tipo de jovem, isto é homem-branco-racional-burguês-ocidental, oriundo em geral da Europa Centro-Ocidental ou dos Estados Unidos da América, Ou seja, o adolescente estudado pertence às classes médias e altas urbanas e nunca a outras classes sociais.

Reforçando a idéia de que a adolescência foi uma "invenção" de um dado momento em uma determinada sociedade, Ozella nos esclarece em que contexto ela surgiu. Este autor se ancora na teorização de Clímaco (1991), afirmando que foi na sociedade moderna que a adolescência foi "criada". As condições que impulsionaram o surgimento desse período tal como ele é visto nos dias atuais se relacionam diretamente com as transformações no mundo do trabalho. Este passou por um processo de maior sofisticação, exigindo uma maior qualificação dos trabalhadores o que implicou na necessidade de uma maior escolarização. Associado a isto, o desemprego crônico/estrutural do modo de produção capitalista trouxe consigo a cobrança de uma maior especialização, retardando o ingresso dos jovens no mercado de trabalho reforçando ainda mais sua estada prolongada na escola.

Os progressos científicos também tiveram influência no processo de criação da adolescência, na medida em que efetuaram um prolongamento na vida dos homens. A partir destes aspectos estavam dadas as bases para que as crianças ficassem mais tempo sob a tutela de seus pais, já que elas ingressavam no mercado de trabalho mais cedo sendo dependentes deles por mais tempo. Outro fator que se coloca para a análise da criação da adolescência se encontra no fato de que a adolescência pode ser compreendida como justificativa da classe burguesa para manter seus filhos distantes do mercado de trabalho.

A partir desta contextualização da adolescência, podemos dar início à descrição dos dados sobre os valores sociais encontrados entre os jovens em nossa pesquisa. Listamos abaixo a relação de frases que foram apresentadas aos jovens pra que os mesmos opinassem a respeito, bem como os respectivos percentuais de resposta.

 

Frase apresentada

Sim
(%)

Não
(%)

Não sabe
(%)

Não respondeu
(%)

Todo adolescente é irresponsável.

18,3

65,7

11,8

4,2

A violência, muitas vezes, é a única forma de fazer um adolescente aprender a se comportar

14,6

74,8

7,8

2,6

As meninas devem aprender desde cedo a arrumar a casa e a cuidar dos irmãos menores.

65,2

22,2

8,9

3,7

Os rapazes devem aprender a se defender porque homem não leva desaforo para casa

34,8

48,7

12,6

3,9

Os rapazes devem aprender desde cedo a arrumar a casa e a cuidar dos irmãos menores.

53,4

34,3

10,2

2,1

No Brasil, os adolescentes negros têm as mesmas oportunidades de trabalho que os brancos.

36,6

47,1

12,1

4,18

Não tem problema nenhum um homem de 30 anos namorar uma menina com 13 anos.

45,8

36,9

14,4

2,9

Uma criança pode começar a trabalhar a partir dos 12 anos de idade.

14,6

73

8,4

3,9

A partir dos 14 anos todo/a adolescente pode trabalhar com carteira assinada.

40,3

42,9

14,6

2

Em caso de separação dos pais, a criança e o adolescente têm o direito de ser ouvido quanto à sua opinião sobre com qual deles quer ficar.

69,6

13

14,4

2,9

O pai e a mãe devem respeitar os direitos dos/as adolescente de não contar tudo o que acontece com eles/elas.

62,8

20,4

12,8

3,9


Quanto aos valores sobre a própria adolescência mais de 65% dos participantes da pesquisa responderam negativamente a sentença que enunciava "Todo adolescente é irresponsável". Ou seja, a maioria dos participantes desta pesquisa não confirma a idéia de irresponsabilidade/rebeldia concebida por algumas teorias da psicologia (como dito antes) como uma característica comum à época que estão vivenciando.

Ainda sobre os valores acerca da adolescência, 74,86% discordaram de que "A violência, muitas vezes, é a única forma de fazer um adolescente aprender a se comportar". Podemos notar mais uma vez que a idéia de rebeldia extrema pode não estar associada à concepção que estes adolescentes e jovens têm sobre a fase da vida pelo qual passam, já que podíamos esperar que para reprimir uma rebeldia extrema, se faz necessária a prática violenta. Outro aspecto que podemos pensar a respeito desse dado, é que grande parte dos sujeitos dessa pesquisa relatou sofrer algum tipo de violência em seus lares, esse tipo de vivência não ser avaliada como positiva, já que podem não notar nenhuma benesse trazida por ela.

Quanto aos valores relacionados ao gênero e à definição dos papéis femininos podemos dizer que são tradicionais, já que 65,2% dos sujeitos da pesquisa responderam afirmativamente a sentença "As meninas devem aprender desde cedo a arrumar a casa e a cuidar dos irmãos mais novos". Observamos que nesse quesito que a proporção de pessoas do sexo feminino (36,2%) foi levemente maior que a do sexo masculino (29%) ao responder afirmativamente a essa questão. Levando-se em consideração que o número de participantes foi dividido meio a meio, podemos dizer que tanto os participantes do sexo masculino quanto o feminino possuem uma visão tradicional sobre papéis sexuais femininos.

Revisando a literatura de gênero, pudemos encontrar que as noções de gênero, principalmente quando se relaciona aos papéis femininos, têm sofrido mudanças significativas nos últimos anos. Segundo Fuller (2001), tradicionalmente, a maternidade é colocada no centro da definição dos papéis femininos. Assim, a história pessoal, as prioridades de vida se organizam em trono dessa noção. Segunda essa mesma autora, esse padrão tem se alterado por mudanças de ordem demográfica, sexuais e reprodutivas e pela crescente inserção da mulher na vida política e no mercado de trabalho. Diz ainda que estas mudanças parecem estar rompendo com a noção de que há uma identidade única para mulheres. Isto aconteceria em parte devido à iniqüidade de condições entre as mulheres.

A questão da maternidade (e não só a reprodução, mas também os cuidados com as crianças) como eixo central na identidade das mulheres é sem dúvida uma das idéias mais arraigadas na cultura ocidental. Isto se deve principalmente ao fato de que é ela que alimenta e carrega os filhos durante os primeiros anos de vida, tendo um maior relacionamento afetivo com seus filhos. Desta forma, as tarefas entre homens e mulheres começam a diferenciar, já que a mulher não poderia se movimentar e necessitaria da proteção dos homens. Dessa primeira divisão, surge a identificação do homem com o espaço público e da mulher com o privado.

Ainda segundo Fuller, essa noção começa a mudar durante os séculos XIX e XX, quando tem início chamada revolução sexual que vem dissociar a sexualidade da reprodução, permitindo a mulher vivenciar seu erotismo independentemente de sua associação com a maternidade. O surgimento dos contraceptivos é emblemático dessa nova situação, já que sua utilização permite às mulheres regular sua fecundidade, deixando mais espaço para que elas organizem melhor suas outras tarefas.

Outros aspectos são importantes para a compreensão das mudanças ocorridas na concepção de gênero. O aumento da urbanização, bem como o crescimento dos serviços públicos ocasionou uma mudança nos padrões de criação dos filhos, já que nos dias atuais, há uma participação maior da mulher no mercado de trabalho. Mudanças quanto à questão dos direitos também influenciam o modo pelo qual a feminilidade é concebida. Na medida em que direitos mais igualitários são cobrados para todos os segmentos sociais, é previsível que isso ocorra também em prol da mulher. Desta forma, são dadas melhores condições para cobrança de uma maior participação no mercado de trabalho, bem como para exigência de uma vivência menos repressora de sua sexualidade.

A maior participação no mercado de trabalho permite desmistificar a idéia do homem provedor, já que há um número cada vez maior de mulheres que provem seus filhos materialmente sem o auxílio do pai. (Safa citado por Fuller, 2001). Basta constatarmos que cerca de 25% das famílias dos adolescentes desta pesquisa são chefiadas por mulheres. A entrada no mercado de trabalho é ainda a oportunidade para algumas mulheres construírem seus ideais de forma mais individualizada, sendo estes menos identificados com os objetivos que se ligam à criação dos filhos, já que tais objetivos prevêem um maior apoio aos outros e metas de vida em comum.

Já foi dito anteriormente que tais mudanças não atingem todas as mulheres. As mudanças na concepção de gênero e, portanto de projetos de vida são influenciadas por vários fatores, desde a inserção no mercado de trabalho até a escolarização. Desta forma, em algumas camadas da população (como os de baixos recursos) se percebe que a maternidade ainda se faz como um projeto prioritário, assim como é considerada um modo de status social. Em estudo realizado no Rio Grande do Sul (Brasil), Fachel Leal e Fachel (1998) encontraram que a gravidez adolescente não é percebida como um problema, já que ela é utilizada para constituir uniões conjugais. Para concluir (mas, não esgotar) podemos notar que há uma certa mudança na visão sobre a feminilidade, mas que ela não é uniforme. Podemos observar também que essas mudanças atingem em menor escala os jovens de camadas menos favorecidas, já que quase 60% dos sujeitos desta pesquisa ainda atribuem às meninas o cumprimento de tarefas relacionadas ao âmbito doméstico.

Se por um lado os papéis femininos não têm sofrido tantas mudanças na população estudada, as tarefas atribuídas aos homens podem estar se modificando em alguns aspectos. Formulamos uma sentença que afirmava: "Os rapazes devem aprender desde cedo a arrumar casa e cuidar dos irmãos mais novos", 53,4% dos sujeitos assinalaram o "sim" como resposta. O número de meninos e meninas que responderam afirmativamente. Outros 34,3% responderam essa questão negativamente e outros 10,2% não expressaram opinião. A parcela dos que não respondeu foi de 2,09%. Ainda sobre nossos resultados, encontramos que 34,8% dos sujeitos concordaram com afirmação de que "Os rapazes devem aprender a se defender porque homem não leva desaforo pra casa". Aqui também o número de meninos e meninas que responderam afirmativamente foi equivalente. Os que responderam negativamente a essa questão corresponderam à parcela de 48,7% os que não tiveram opinião a 12,6% e os que não responderam a 3,9%. Olhando para esses resultados, podemos constatar que a concepção atribuída à masculinidade está em mudança.

Chacón (2001) afirma que a adolescência é uma fase de definição das identidades, sobretudo aquele aspecto que diz respeito à questão do sexo, e mais do que ao sexo, ao gênero. Ela afirma que há uma facilidade maior para identificar para as meninas esse período de transição, por ocasião da menarca. Para os meninos, portanto, essa passagem seria um tanto mais confusa por não trazerem no corpo alguma identificação com essa fase de mudança. Além disso, este mesmo autor afirma que a definição sobre a masculinidade se dá, sobretudo pela oposição a feminilidade e homossexualidade. Ser homem, portanto, seria se comportar de modo diferente das mulheres dos homossexuais. Todavia, esses comportamentos não estariam ligados apenas a uma negação (não ser mulher, não ser homossexual). Eles estariam ligados também a aspectos positivos. Como já foi dito, os homens sempre tiveram papéis mais associados a proteção das mulheres e da crianças. Essa proteção também está associada ao papel de provedor da casa. Chacón (2001) afirma ainda que uma certa dose de violência em alguns comportamentos pode servir para demonstração de virilidade.

Desta forma, podemos concluir que o papel de cuidador atribuído aos homens, foi de certa forma uma surpresa nessa pesquisa. Porém, podemos pensar que talvez esse resultado se relacione com as condições de vida da população estudada, já que quando as mães saem para trabalhar deixam o cuidado dos filhos menores ao encargo de quem estiver presente, sendo homens ou mulheres. Quanto à questão de "aprender a se defender" podemos notar que o número de pessoas que concordam com esta afirmação é significativo, revelando que comportamentos violentos são permitidos aos homens. Contudo, apesar dessa parcela ser relativamente alta, se pode perceber que quase metade dos participantes discorda desta afirmação. As mudanças nas concepções de sobre o que é "ser homem", podem estar intrinsecamente relacionadas com as mudanças sobre o que é "ser mulher", já que as diferenças de gênero também se definem pela relação que possuem.

Pretendíamos também investigar valores acerca da família. Para tanto, precisamos antes contextualizar essa questão. É importante que ressaltemos logo de inicio que, nos dias atuais, não há um único tipo de família. Contudo, é importante que falemos sobre um determinado modelo de família que é de certa forma, idealizado, tendo também um caráter romântico. Nos referimos aqui ao modelo burguês de família Segundo Ariès (1981), é partir da idade moderna, que foi marcada, sobretudo pelos dos interesses da burguesia que durante o século XIX, o casamento-modelo passou ser idolatrado, sendo valorizado dois aspectos principais: a coesão do casal e a proteção dos filhos. Essa idéia de família, a partir de então passa a ser como diz Macedo (citado por Peres, 2001), uma representação social da família, "uma família em que o pai trabalha, a mãe fica em casa e a criança vai para a escola" (Peres, 2001, p.217).

Contudo, esse é apenas um modelo que não traduz todas as configurações de família que ocorrem no cotidiano das cidades brasileiras. Entre várias populações do Brasil não é raro encontrar famílias chefiadas apenas por mulheres, que além de cuidar dos filhos, são as mantenedoras materiais de suas famílias. Ou seja, não há aqui um casal como na família nuclear burguesa. E este é apenas um exemplo de muitas das configurações de família existentes no território brasileiro. Outros exemplos são fornecidos por Sousa e Rizzini (2001). As autoras identificaram treze desenhos de famílias, dentre os quais está incluída a família chefiada apenas por mulheres. A título de reiteração, em nossa pesquisa identificamos que cerca de um quarto das famílias dos adolescentes e jovens é chefiada apenas por mulheres.

Com o exemplo das famílias chefiadas por mulheres, podemos notar que a família do nosso cotidiano é diferente daquela nuclear burguesa e mais que isso: que este grupo vem sofrendo mudanças. Que mudanças seriam essas? As transformações são muitas e aqui iremos citar apenas algumas que pensamos ter uma relação mais estreita com a concepção que os sujeitos da pesquisa apresentaram. Começaremos por citar que as famílias têm ficado cada vez menos tempo juntas. Isto se relaciona diretamente com a maior inserção da mulher no mercado de trabalho. Destarte, as crianças ficam cada vez mais tempo com seus pares em creches ou escolas, ou até mesmo sozinhas com seus irmãos, fora do horário escolar, estando sujeitas a uma maior influência de sue grupo de amigos. Outra mudança relevante ocorrida no meio familiar diz respeito às transformações das atribuições de tarefas as mulheres, como vimos anteriormente quando refletíamos sobre as questões de gênero. A mudança dos papeis parentais de gênero também está mudando. Como afirma Rizzini (2001):

"Essas mudanças são traduzidas nos mais diversos contextos culturais no deslocamento de papeis desempenhados nas respectivas unidades familiares. Homens e mulheres deparam-se cada vez mais com demandas claramente como definidas como ‘dos pais’ ou ‘das mães’".(p.31)

 

Um outro aspecto associado às mudanças na dinâmica familiar é que os pais tendem a ser mais permissivos, já que os pais sentem-se assustados com questões nunca antes colocadas para eles na criação de seus filhos.

Observando todas estas questões acerca da família, podemos notar que eles vão influenciar o modo pelo qual os adolescentes e jovens concebem a família. Em nossa investigação, 69,6% dos adolescentes e jovens de nossa pesquisa informaram que concordaram com a idéia de que crianças e adolescentes devem ser ouvidos em caso de separação dos pais. Outros 13% discordaram, 14,4% não possuíam opinião a respeito e 2,9% não responderam a questão. Desta forma, podemos perceber que grande parte dos sujeitos desta pesquisa tem uma visão menos sacralizada de família, já que percebem como tendo direito de serem ouvidos, não outorgando aos pais todas as decisões de suas vidas. Outro dado que vem corroborar essa visão menos sacralizada de família é a que diz respeito a seguinte sentença: "O pai e a mãe devem respeitar os direitos dos/as adolescentes de não contar tudo o que acontece com eles". Mais de 62% dos sujeitos desta pesquisa concordaram com essa afirmação. E apenas 20,4% discordaram; os que não possuíam opinião somaram pouco mais de 12,3%, e os que não responderam somaram 3,9%.

Tentamos investigar ainda a questão dos valores relacionados aos direitos humanos e cidadania. Quando indagados se os jovens negros possuíam as mesmas oportunidades de trabalhos que os jovens brancos, quase metade (47,1%) não concordou com a afirmativa, 36,6% disseram assinalaram o sim como resposta, 12% não expressou nem concordância nem discordância e 4,2% não responderam a questão. Quando indagados sobre a sentença: "uma criança pode trabalhar a partir dos doze anos" a maioria dos participantes desta etapa da pesquisa (73%) disse discordar de tal afirmativa. Outros 14,6% disseram discordar 8,4% disseram não possuir opinião e 3,9% não responderam. Há ainda um outro dado a respeito de valores associados a direitos humanos e cidadania. Formulamos uma sentença que afirmava que adolescentes a partir dos 14 anos podem trabalhar com carteira assinada. Quase 43% expressou discordância em relação ela. Contudo, cerca de 40% expressou concordância, 14,6% não discordaram nem concordaram e 2% não responderam.

Apresentados os dados podemos perceber que como em todos os outros quesitos houve grande variação das respostas. Alguns autores tais como Cardía citados por Pereira e Camino (2002) afirmam que a população tem se empenhado pouco em relação questão dos direitos humanos (que se traduz neste estudo pela questão das oportunidades de trabalho entre os jovens, assim como pela possibilidade do trabalho infanto-juvenil). Ou seja, segundo tais autores, as pessoas no Brasil se empenham pouco para realizarem seus próprios direitos. Pensamos que na medida em que esse empenho é escasso, o conhecimento sobre tais direitos e as dificuldades de realização deles é no mínimo insuficiente.

Desse pouco conhecimento resulta o número alto (mais de 35% como foi dito anteriormente) de jovens que acreditam que no Brasil, negros e brancos possuem as mesmas oportunidades, quando, na realidade, o Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística indica que os brancos ganham cerca de 35% mais que os negros. Um dado curioso sobre esse mesmo quesito se refere ao número alto de pessoas que não emitiram opinião em relação a essa questão. Este dado revela o quanto nossos jovens podem ser desinformados acerca de tais questões. Mais anteriormente constatamos que há um certo "individualismo coletivo" no bairro no qual a pesquisa se realizou. Além destas considerações, este pode ser um fator importante na análise da percepção da possibilidade de realização dos direitos humanos, na medida em que uma melhor percepção dos direitos humanos se articula a visão mais coletivista dos fatos, como afirma Pereira e Camino (2003).

Contudo, como compreender essa parcela também significativa que percebe que os jovens negros têm menos oportunidades, que as crianças não podem trabalhar a partir dos doze anos? Não possuímos uma resposta fundamentada em outros estudos, mas podemos pensar que estas questões estão diretamente relacionadas às vivências de desigualdade que esses jovens estão submetidos em seu cotidiano. É ampla a possibilidade deles ou pessoas próximas, vivenciarem dificuldades na busca de emprego, pelo fato de serem negras. E, além disso, saberem que crianças a partir dos doze anos não podem trabalhar, por elas mesmas terem sido proibidas de exercer trabalho remunerado. Estes dados precisariam de uma investigação mais sistemática e aprofundada.

Com todos os dados apresentados nessa seção, podemos ver que a concepção dos adolescentes e jovens desta pesquisa sob uma série de aspectos não foi uniforme, portanto, não são pautadas em vivências que estejam ancoradas em uma "síndrome normal" desse período. Ao contrário, todas as concepções guardam estreita relação com o contexto em que estas pessoas vivem, sejam essas concepções tradicionais ou não.