4.3. Religião

Nosso objetivo consistia em investigar que religiões estavam sendo mais freqüentadas pelos jovens e adolescentes na comunidade de Bom Pastor. Dizemos isso, pois investigar em que proporção elas estão atuando enquanto base de apoio nos parece um tanto precipitado, já que com os dados disponíveis, esse tipo de análise seria no mínimo inconsistente na medida em que questionamos os jovens apenas sobre os itens a seguir: "Você possui alguma religião?"; "Qual a religião?", Quantas vezes você freqüenta essa religião?". Desta forma, apenas temos condições de detectar, que religiões estão mais presentes na comunidade estudada, tentando traçar um paralelo entre elas e as possíveis implicações de suas presenças nessa comunidade.

Uma primeira distinção pode ser feita entre fé e religião. A primeira se refere "a crença religiosa; firmeza na execução de um compromisso; depositar confiança em". Já a religião consistiria em "crença na existência de uma força considerada como criadora do Universo, e que como tal devem ser adorada e obedecida; crença fervorosa, devoção, piedade". Ambas as definições foram encontradas no dicionário Aurélio. Desta forma, a fé seria algo indispensável à religião, sendo esta última um sistema mais complexo na medida em que envolve considerações acerca da criação do mundo e aos acontecimentos nele ocorridos, bem como a certas regras de conduta (deve ser obedecida). Falaremos a seguir um pouco mais sobre religião.

Alves (1996) ressalta que a religião "é uma teia de símbolos, rede de desejos (...) a mais fantástica tentativa de transubstanciar a natureza" (p.18). Conforme este autor, quando se escolhe uma religião, as pessoas possuem condições de eleger o que é essencial e o que é secundário em suas vidas, estabelecendo uma rede de símbolos sagrados que é capaz de exorcizar o medo diante das intempéries da vida, fazendo com que se construam formas de enfrentamento deste medo. Alvito (citado por Zamora & Kuenerz, 2002), escrevendo sobre os templos pentecostais e neopentencostais nas favelas de Acari na cidade do Rio de Janeiro, relata que a religião dá um sentido a vida, já que através dela se consegue estabelecer um certo controle frente a fatos incoerentes, mas que com a mediação das crenças religiosas passam para o domínio do explicável, pois tais fatos passam a integrar uma cadeia de significados de ordem divina. Desta forma, a religião passa a oferecer um sistema simbólico que funciona como suporte ao sujeito, dando-lhe a oportunidade de interpelar algo que sem a religião lhe pareceria caótico.

Costa (citado por Zamora & Kuenerz, 2002), afirma que para Freud a religião consistia na possibilidade de tornar desejos de natureza infantil e inconsciente, admissíveis a consciência. Isto é, a religião era encarda por Freud como um mecanismo de defesa egóico diante dos desejos que punham em risco a integridade psíquica do sujeito. A morte estaria no centro da criação de tais defesas, já que era por temer a ela (junto com seu caráter inevitável) que os sujeitos criariam suas fantasias baseadas nas crenças religiosas. A morte seria algo impossível de representar e desta forma causaria traumas. Além disso, a religião ofereceria a crença em uma vida eterna, que nos faria ultrapassar nossas limitações físicas, que também ofereceria um lugar livre das pressões que os desejos exercem sobre os sujeitos em suas vidas terrenas, enfim um lugar que se estaria livre de qualquer dor ou sofrimento.

Contudo, o próprio Costa (op.cit) refuta tais considerações, já que a vivencia da morte nem sempre é vivenciada como trauma. E mais que isso: afirma que as premissas nas quais se fundamentam o pensamento freudiano estão baseadas no modelo psicológico materialista/racionalista, típicos dos séculos XVII e XIX, que concebe o sujeito como produto de reações físico-mentais ao meio, sendo estas reações reguladas por aquilo que nos falta. Desta forma, nossas crenças estariam baseadas naquilo que nos falta (no caso, como é morte).

Esse autor ainda admite que muitos fiéis utilizam de suas crenças religiosas para mascarar o medo da morte, porém muitos outros vêm na religião uma maneira de atribuir sentido às suas vidas, dando significado aquilo que parece não ter nexo. Ele nos fala ainda que a crença religiosa não possui uma causa, já que ela é fundadora de outras causas. Enfim, é uma experiência que é funda uma visão de mundo. Não se trata, pois, de um erro de cognição ou ignorância, mas sim de um modo de conceber as coisas da vida. Desta forma, o fato da religião não exigir habilidades argumentativas daquele que crê, não invalida seu modo de conceber os acontecimentos do mundo, torna-o apenas uma maneira diferente, e não inferior. Costa (op.cit) afirma que o psiquismo, enquanto uma totalidade se expressa de maneiras distintas, sendo a religião uma possibilidade destas diferentes maneiras. Esta é nossa maneira de conceber a religião neste trabalho.

Com base nisso podemos observar alguns aspectos da igreja, que fazem com que ela se torne uma base de apoio familiar. Zamora e Kuenrez (2002), afirmam que no interior da igreja se formar espaços de solidariedade na medida em que as pessoas se congregam em suas comunidades religiosas. Estas autoras afirmam ainda que essa solidariedade se expressa das maneiras mais distintas: um beijo, um abraço, um conselho. É importante dizer que a pesquisa realizada pelas autoras acima citadas foi realizada em uma favela no Rio de Janeiro junto a igrejas evangélicas. Levando em consideração o espaço no qual ela foi desenvolvida, a igreja parece se tornar ainda mais significativa, já que neste espaço há poucos lugares de sociabilidade tais como clubes, cinemas, entre outros.

Além de proporcionar este espaço de solidariedade, as igrejas investigadas na pesquisa de Zamora e Kuerez, anteriormente citada, ofereciam uma ampla gama de atividades e não apenas para jovens. Os fiéis destas igrejas freqüentavam as mesmas festas, organizavam eventos beneficentes, ensaiavam coros, entre outros. Estas atividades conferem à igreja um sentido de espaço para potencializar "habilidades" das pessoas.

Outro fator importante sobre as igrejas, é que como elas proporcionam um maior espaço de diálogo para as mulheres isto acaba por ocasionar um modo diferente de se colocar frente ao marido em casa, tornando as relações familiares mais igualitárias, transformando a família em um grupo mais unido simbolicamente. Outro fator que influencia a construção de relações mais igualitárias, segundo Machado (citado por Zamora & Kuenerez, 2002), é o fato de que o pentecostalismo dá ênfase às características femininas e maternais de Deus, retirando a mulher do lugar de subordinação. Essas são apenas alguns fatores da importância que as igrejas podem adquirir, contribuindo com base de apoio familiar.

Em contrapartida, as autoras alertam para o possível papel modelizador de condutas e disciplinarizador de corpos que pode promover uma "desejável docilização, indispensável ao mundo do trabalho" (Zamora & Kuenerez, 2002, p.89), na medida em que essas religiões se baseiam em uma forte conduta moral e disciplina do temor a Deus (ou seja, do castigo frente às nossas condutas que não sigam a retidão do caminho de Deus). Talvez, as igrejas possam atuar também nesta dimensão, sendo mais um agente de domestificação das pessoas.

Como dissemos anteriormente, não podemos de modo algum traçar uma ligação linear entre os achados desta pesquisa e as teorizações feitas. Pretendemos apenas considerar as possíveis implicações das freqüências dos participantes da pesquisa em seus espaços de congregação religiosa.

Dos participantes da pesquisa, 231 (60,47%) disseram freqüentar alguma atividade religiosa. Deste total, 40,00% disseram freqüentar a Igreja Católica enquanto 20,15% afirmaram ir as até as Igrejas Protestantes. A religião Espírita foi citada três vezes. Outras religiões foram citadas por apenas quatro pessoas. Os que disseram não participar de nenhuma atividade religiosa perfizeram um total de 36,65%. Os que não responderam sobre a participação em atividades deste tipo somaram um total de 37%.

Questionamos também sobre a freqüência de participação dos jovens e adolescentes nessas atividades. Dos sujeitos que responderam freqüentar alguma atividade, 15,2% disseram não terem ido até seus locais de congregação no último mês, outros 7,33% disseram ir apenas uma vez até esses locais. Os que freqüentam algum tipo de atividade de duas a três vezes por semana perfizeram um total 14,91% enquanto que 25,91% afirmaram freqüentar tais religiões quatro ou mais vezes por semana.

Como pudemos observar, uma parcela significativa dos sujeitos desta pesquisa disseram freqüentar algum tipo de atividade, sendo assim podemos pensar na possibilidade de essas atividades religiosas estarem se configurando como bases de apoio para os jovens da comunidade pesquisada.